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Campanha da Fraternidade 2020: sua mensagem
Por Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Podcast Outro Papo de Igreja, do Serviço Teológico Pastoral

A mensagem da Campanha da Fraternidade 2020 (tema: “Fraternidade e Vida: Dom e Compromisso”; lema: “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele” – Lc 10,33-34) – que ilumina a nossa Quaresma – é a da Parábola do Bom Samaritano.

Depois de responder à indagação de Jesus, lembrando o mandamento do amor a Deus e ao próximo, “o especialista em leis, querendo se justificar, perguntou-Lhe: ‘E quem é o meu próximo?’ Jesus respondeu: ‘Um homem ia descendo de Jerusalém para Jericó e caiu nas mãos de assaltantes, que lhe arrancaram tudo e o espancaram. Depois foram embora e o deixaram quase morto. Por acaso um sacerdote estava descendo por aquele caminho; quando viu o homem, passou adiante, pelo outro lado. O mesmo aconteceu com um levita: chegou ao lugar, viu e passou adiante, pelo outro lado. Um samaritano, que estava viajando, chegou perto dele, viu e sentiu compaixão. Aproximou-se dele e fez curativos, derramando óleo e vinho nas feridas. Depois colocou o homem em seu próprio animal e o levou a uma pensão, onde cuidou dele.  No dia seguinte, pegou duas moedas de prata e as entregou ao dono da pensão, recomendando: ‘Tome conta dele. Quando eu voltar, vou pagar o que ele tiver gasto a mais’. E Jesus perguntou: ‘Na sua opinião, qual dos três foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?’  O especialista em leis respondeu: ‘Aquele que praticou misericórdia para com ele’. Então Jesus lhe disse: ‘Vá, e faça a mesma coisa’ (Lc 10,29-37)”.

Na Parábola do Bom Samaritano, Jesus nos apresenta duas maneira de olhar: “um olhar que vê e passa em frente, vivido pelo sacerdote e pelo levita; e um olhar que vê e permanece, se envolve, se compromete, vivido pelo samaritano” (Texto-Base, 26). O primeiro olhar é o da indiferença, que destrói a vida e a natureza; o segundo, é o da compaixão (do amor acontecendo), que cuida da vida e da natureza. O olhar de Jesus – que foi o olhar de Santa Dulce dos Pobres e deve ser também o nosso – é o olhar do Bom Samaritano.

“Ir e fazer a mesma coisa” significa “ver, sentir compaixão e cuidar” dos irmãos e irmãs que caíram e caiem nas mãos de assaltantes.

No Brasil e no mundo – sobretudo hoje – temos: assaltos pessoais (nas relações pessoais ou interpessoais) e – o que é pior – assaltos institucionalizados (nas relações sociais ou estruturais).

Os assaltos pessoais – sem querer negar totalmente a responsabilidade individual de cada ser humano – são, em grande parte, consequência de um sistema sócio-econômico-político-ecológico-cultural estruturalmente injusto e desumano. Os assaltos institucionalizados são assaltos que excluem, descartam e matam legalmente os trabalhadores e os pobres em geral: a maioria do povo. Por exemplo, no Brasil, as chamadas Reformas Trabalhista e da Previdência são verdadeiros assaltos institucionalizados e, portanto, legais (embora, antiéticos) à vida e aos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras. Nesses assaltos – frutos do pecado estrutural (ou, da estrutura de pecado) – onde estão os Bons Samaritanos e as Boas Samaritanas!?

O Texto-Base da CF 2020 lembra-nos que o Brasil é um dos países mais desiguais e injustos do mundo. Denuncia o olhar da indiferença que gera ameaças à vida: abandona a vida das pessoas, destrói a natureza e exclui a vida. Afirma que “compaixão” é ter mais coração nas mãos e mais justiça no coração; que o amor é o verdadeiro sentido da vida. Destaca a solidariedade social e a disposição de servir como compromisso com a vida.

“Não podemos esquecer o testemunho de quem defende a vida atuando nas diversas entidades, nos Conselhos de Direitos, Organizações Não Governamentais, nos Movimentos Sociais e Populares, nos Sindicatos, nas Associações de Bairros e em muitas outras organizações comprometidas com a vida” (Ib. 72).

Mesmo reconhecendo seus aspectos positivos, o Texto-Base da CF 2020 é expressão da Igreja que – com exceções – temos hoje no Brasil: uma Igreja que, em suas instâncias institucionais, não assume uma posição profética clara e objetiva, como exigência do Evangelho (embora haja muitos cristãos e cristãs que são verdadeiros profetas e profetisas). Não denuncia o sistema capitalista neoliberal, ou melhor, ultraliberal – que, como diz o Papa Francisco, exclui, descarta e mata – como sendo o maior assaltante dos pobres e a causa principal da gritante desigualdade e injustiça de nossa sociedade.

A Igreja não se coloca – com firmeza e sem ambiguidades ou atitudes diplomáticas – do lado dos Pobres. A Opção pelos Pobres não é “preferencial”, ou seja, não é uma alternativa entre duas ou mais alternativas. Ela é – para os cristãos e cristãs – a única Opção: o caminho de Jesus de Nazaré, o caminho que leva à vida. Todos e todas – inclusive Zaqueu e o jovem rico – são chamados a entrar nesse caminho. Ah, se a Igreja cumprisse realmente sua missão profética! Ah, se a Igreja – em todas as suas instâncias institucionais – fizesse o lançamento da Campanha da Fraternidade ou de outras atividades do lado dos Pobres e não do lado dos governantes e poderosos! Com certeza, o Brasil seria outro!

Lembremos: Jesus nunca convidou Herodes e Pilatos – que eram autoridades políticas – ou outros poderosos para fazer, do lado deles, o lançamento do Sermão da Montanha ou de qualquer outra atividade. A Igreja não está traindo Jesus de Nazaré? Ela não está se prostituindo?

Que o Espírito Santo – o Amor de Deus – esteja sempre presente na vida de todos e todas que lutam por um Mundo Novo: o Reino de Deus na história do ser humano e da nossa Casa Comum: a Irmã – Mãe Terra.

Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção – SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

Goiânia, 03 de março de 2020

(Leia também: “Campanha da Fraternidade 2020: seu sentido”, em: https://www.ihu.unisinos.br/596530-campanha-da-fraternidade-2020-seu-sentido)

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