Comunidades de Base para o século atual
Por Pedro A. Ribeiro de Oliveira

O artigo de Pedro Ribeiro, publicado inicialmente no IHU, e agora reproduzido pelo Portal das CEBs do Iser Assessoria, é uma boa oportunidade para continuar refletindo sobre a ressignificação das Comunidades de Base. O debate dos últimos anos tem procurado avaliar a situação social e eclesial na qual as comunidades estão vivendo sua experiência de seguimento de Jesus de Nazaré. Assim, recomendamos a leitura para continuar buscando pistas para a caminhada das CEBs.

A seguir o artigo na íntegra.

Em artigo sobre uma comunidade de Santiago do Chile que durante a pandemia se dedica a alimentar pessoas necessitadas, Jorge Costadoat s.j. aborda um tema fundamental para as Comunidades Eclesiais de Base – CEBs –: “Poderia se pensar que se a Igreja vive nas catacumbas, partilha seus bens, reza e canta como os primeiros cristãos, não há porque se preocupar. O problema é que esses cristãos habitam galerias não conectadas umas com as outras. Se ninguém as representa, nunca saberão o que as une” (em tradução livre, o original, em espanhol, está disponível neste link).

Pensando a realidade do Brasil, cabe perguntar o que une, por exemplo, uma comunidade da Baixada Fluminense, uma comunidade de bairro popular de Minas Gerais e uma comunidade rural do Ceará. Provavelmente as três – e muitíssimas outras mais – se sentem como o “pequeno resto” que ficou das CEBs: teimaram em seguir na Caminhada proposta pelo Concílio Vaticano II recebido à luz de Medellín, e agora se sentem isoladas da grande Igreja. Contando apenas com o apoio do padre local e/ou a coesão de sua equipe de animação, elas mantém viva a Espiritualidade Libertadora que alavancou grandes conquistas populares, mas sentem a tristeza de não mais receber o reconhecimento eclesiástico que tiveram em outros tempos.

A situação é grave, porque não se vislumbra sinais de mudança no horizonte eclesiástico. Apesar de pronunciamentos e gestos de Francisco indicarem seu apreço pelas CEBs, a estrutura eclesiástica continua pautada pelo Direito Canônico restaurado por S. João Paulo II, e ali as CEBs não têm espaço próprio. A recente Instrução sobre a “comunidade paroquial a serviço da missão evangelizadora da Igreja”, redigida pela Congregação para o Clero e aprovada pelo Papa, pede “uma mudança de mentalidade e uma renovação interior”, mas não altera a estrutura canônica da paróquia. Por isso vem recheada de desejos piedosos como se a paróquia pudesse tornar-se “comunidade de comunidades” e ser “uma casa em meio às casas”… Desconsidera a realidade sociológica da paróquia que se confunde com o templo onde o sacerdote celebra a Missa para pessoas que participam como o público assiste um espetáculo.

Fica então o impasse: inúmeras comunidades movidas pela Espiritualidade libertadora e convictas de serem verdadeiramente concretizações locais da única Igreja católica, não são reconhecidas como tais pela instituição eclesiástica. Isoladas cada em seu espaço local, não conseguem se ver como “célula inicial de estruturação eclesial”, como afirma o documento de Medellín. Sobrevivem institucionalmente graças à atuação de diferentes agentes de pastoral – religiosas, padres, teólogos leigos e leigas, alguns bispos – mas sem gozar a plena cidadania eclesiástica. Encontros regionais, nacionais e até continentais são momentos importantes de revitalização das CEBs, mas não suprem o reconhecimento oficial de sua eclesialidade.

Foi numa realidade similar que, em 1975 Dom Luiz Fernandes, bispo-auxiliar de Vitória, decidiu convidar outros bispos, agentes de pastoral e lideranças de comunidades para refletirem sobre sua experiência de Igreja. Com a ajuda de Frei Betto, realizaram-se então, naquela arquidiocese, os dois primeiros encontros de CEBS, que logo vieram a ser qualificados como intereclesiais: Igrejas de base que se encontravam em clima fraterno. O êxito desses encontros intereclesiais foi tão grande que a Conferência dos Bispos – CNBB – assumiu a corresponsabilidade por sua realização, tendo produzido em 1982 um Documento (nº 25) em que reconhece as CEBs como nova forma de ser Igreja.

Quando tudo parecia indicar que esta seria a nova forma de toda Igreja ser – como queria o bispo Pedro Casaldáliga – retornou com força o Código de Direito Canônico e com ele a estrutura paroquial que reduz as CEBs a capelas cuja função é descentralizar a catequese e as celebrações estabelecidas pela paróquia. Perdeu-se assim a oportunidade histórica de se constituir uma forma legitimamente latino-americana de Igreja católica.

Hoje, porém, o isolamento físico provocado pela pandemia de covid-19 e o consequente recurso a encontros virtuais via internet pode possibilitar uma nova forma de relação entre Igrejas locais: a sinodalidade permanente, na qual cada Igreja de base confirme a eclesialidade das demais. Se for retomado o espírito dos primeiros encontros intereclesiais – encontro entre Igrejas de base que buscam uma nova forma de viver o seguimento de Jesus nas periferias do sistema de mercado – será possível tirar as CEBs de seu isolamento atual. Isso poderá acontecer em âmbito regional, nacional ou continental, desde que não se prenda a imposições como a necessidade de participação de todas as dioceses, reconhecimento oficial, e outras obrigações que inibem a emergência dessa nova forma de ser Igreja. Livre desses constrangimentos institucionais, ela poderá reconfigurar-se como autêntica Rede de comunidades inserida nos moldes do século atual.

Artigo publicado no site IHU: https://www.ihu.unisinos.br/601338-comunidades-de-base-para-o-seculo-atual-artigo-de-pedro-a-ribeiro-de-oliveira

 

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