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“Estamos inertes em uma enorme crise ética”, diz dom Angélico após polêmica sobre ato com Lula

Bispo emérito de Blumenau falou sobre a participação em ato ecumênico antes da prisão do ex-presidente no sábado

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No centro de uma das várias polêmicas que surgiram nos últimos dias ao redor da prisão do ex-presidente Lula, dom Angélico Sândalo Bernardino expõe com clareza sua opinião sobre a situação do Brasil. Bispo emérito de Blumenau e amigo próximo de Lula há mais de 30 anos, ele participou do ato ecumênico que celebrou o aniversário da ex-primeira-dama Marisa Letícia e que precedeu a prisão do ex-presidente.

Nome sempre lembrado na diocese catarinense, hoje aos 85 anos de idade, ele mora em São Paulo e falou por telefone com a reportagem da NSC Comunicação. Mesmo ao criticar a repercussão negativa do ato de sábado, mantém a voz calma e extremamente pausada que é sua característica, como se estivesse constantemente recitando um poema. Com aguçado senso político, o bispo discorre sobre a democracia no Brasil, o atual momento político e a defesa dos direitos da população pobre.

Confira a entrevista:

Como surgiu o convite para participar do ato sábado? Qual é a relação do senhor com o ex-presidente Lula?
Primeiramente quero esclarecer que não foi uma missa. Foi um ato ecumênico, no qual houve inclusive participação de uma pastora luterana. A minha amizade com o Lula e a família vem de longa data, quando ele era líder sindical eu era bispo responsável pela pastoral operária, onde fiquei por mais de 20 anos. Era tempo de luta, ditadura militar, nós tivemos muito relacionamento. Mais recentemente eu batizei um neto do Lula em Blumenau, batizei uma bisneta também.

Quando a Marisa foi hospitalizada a família me pediu para ir lá e administrei o sacramento dos enfermos. Quando ela faleceu eu fui ao velório. No primeiro aniversário da morte me convidaram e eu também fui. E agora me pediram uma celebração religiosa pelo aniversário dela. Eu também fui. Só que foi justamente na data em que houve a prisão, então tinha uma multidão. O ato ecumênico tinha sido planejado para ser dentro do sindicato, mas transferiram para o lado de fora por causa do multidão.

Então não foi um ato religioso instrumentalizado, a não ser por aqueles que têm o interesse em distorcer a opinião pública. Terminado o ato religioso, eu me retirei e seguiram as outras programações com pronunciamentos, discursos, etc. Depois eu já estava em outra missão. Quando ele foi levado para a polícia eu já estava celebrando a Santa Missa numa comunidade na periferia de São Paulo.

Pela relação próxima com o ex-presidente e até por pronunciamentos anteriores, o senhor tem uma opinião política a respeito do cenário atual. Como encarou a prisão do Lula?
Sobre prisão eu não opino, eu somente digo que estamos inertes em uma enorme crise ética, em uma crise que atinge os poderes da República, o Legislativo, o Executivo, o Judiciário. E isso me preocupa sobremaneira, como na época do golpe militar de 1964 que foi levado avante por civis pelo alto poder econômico, que se valeu dos militares, e agora também. O objetivo era afastar o poder popular do governo. Houve outro golpe, um golpe parlamentar. Mas a intenção profunda era afastar o poder popular.

Mas e a prisão de um ex-presidente?
Além de outros quatro presidentes que já foram presos, nesse país nós tivemos Getúlio que deu um tiro no peito pressionado, João Goulart que levou o golpe porque queria fazer as reformas de base, depois Jânio Quadros que renunciou pressionado por forças ocultas, e aquele que foi o idealizador de Brasília também foi preso, e cuja morte na Via Dutra ainda não foi esclarecida.

Presidentes no Brasil presos, nós tivemos alguns. Quais foram os interesses que moveram essas prisões? Não foram interesses do bem do povo brasileiro. Hermes da Fonseca, Washington Luiz, Artur Bernardes e Juscelino Kubitschek, e agora o Lula. São prisões que vão além da vontade popular.

Claro que sou francamente favorável ao saneamento ético. Dos empresários que corromperam políticos que devem ser julgados com ampla defesa, e também políticos que são acusados de corrupção, seus crimes devem ser provados e eles têm amplo direito de defesa, e que o dinheiro eventualmente desviado seja devolvido com juros e correção monetária. Mas isso não impede que eu, como discípulo de Jesus, quando solicitado, vá aos mais diversos ambientes (como as cerimônias da família do ex-presidente).

Como o senhor reagiu às críticas feitas após a presença no ato com Lula?
Recebo com serenidade, quem me ilumina na vida é aquele que é o mestre, o caminho, a verdade, Jesus. Jesus foi criticado porque comia com os pecadores, pois acolheu pessoas que não devia acolher, disse que o sábado estava a serviço do homem e não o homem a serviço do sábado. Jesus foi condenado pois anunciou ao mundo que Deus é pai e todos são irmãos. Não é legitimo que a riqueza se acumule na mão de poucos.Como podemos estar tranquilos quando o salário desses marajás é quase R$ 30 mil por mês? Dentro de um salário mínimo de um trabalhador?

Não tenho opção partidária, o que me ilumina é a palavra de Jesus. E o Papa Francisco diz para a igreja: vão para as periferias humanas e geográficas, não vamos ser uma igreja acomodada. Temos que defender os direitos dos pobres, dos trabalhadores, dos desempregados.

Entrevista publicada em 09 de abril de 2018 no site Jorna de Santa Catarina: https://jornaldesantacatarina.clicrbs.com.br/sc/politica-e-economia/noticia/2018/04/estamos-inertes-em-uma-enorme-crise-etica-diz-dom-angelico-apos-polemica-sobre-ato-com-lula-10302276.html

 

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