O golpe na democracia e a prisão de Lula

Por Ivo Lesbaupin


O julgamento de Lula e a confirmação de sua condenação pelo TRF-4 não foram uma surpresa para quem acompanha o que vem ocorrendo no país nos últimos anos. Afinal, o primeiro objetivo do golpe era derrubar a presidente Dilma, o segundo era inviabilizar a candidatura de Lula em 2018. E a Lava Jato, que inicialmente parecia uma investigação para acabar com a corrupção no Brasil, pouco a pouco revelou sua meta: através deste processo, acabar com Lula, Dilma e o PT. As práticas de corrupção de outros partidos, os outros corruptos, inclusive o governo atual e boa parte do Congresso, não estão na mira desta investigação. Basta lembrar os nomes de parlamentares como Aécio Neves, Geraldo Alckmim, Romero Jucá e figuras do governo como Michel Temer, Eliseu Padilha, Moreira Franco.
O governo tem apenas 3% de aprovação popular: em qualquer país do mundo, ele já teria caído. Aqui, continua governando normalmente. O que significa que a Justiça não tem o que cobrar dele. Para a grande mídia, a vida segue. O juiz Sergio Moro, sob pretexto de acabar com a corrupção, pratica uma série de ilegalidades: conduções coercitivas sem intimação prévia, vazamento de depoimentos sigilosos para a mídia, gravação de autoridades que não poderiam ser feitas, divulgação de gravações que não poderiam ser publicadas, prisão como meio de pressão para obter delações e assim por diante. Inúmeros juristas já denunciaram estas ilegalidades, mas o Judiciário nada cobra deste juiz. Estamos, pois, diante de um Tribunal de Exceção, que tem o direito de fazer o que bem entende, sem que qualquer instância superior exerça o papel de exigir o cumprimento da lei. Aqui, a lei não é para todos, há juízes que, a pretexto de fazer cumprir a lei, podem passar por cima dela.
Outro objetivo fundamental do golpe de 2016 é desmontar a Constituição Cidadã de 1988. Poucos meses depois de tomar posse, o governo encaminhou ao Congresso a PEC do Fim do Mundo, que reduz as despesas com saúde e educação nos próximos 20 anos: atinge diretamente estas políticas sociais e, dentre os beneficiários, prejudica em primeiro lugar os mais pobres. Com a lei da Terceirização e a Reforma Trabalhista, cai a legislação iniciada nos anos 1920 e consolidada nos anos 1940 (CLT). Voltamos um século, ao período em que não havia ainda leis de proteção aos trabalhadores. Aqui, a volta ao passado, ao chamado “capitalismo selvagem”, é considerada “progresso”.
Para completar o quadro de desmonte do Estado social, só falta a reforma da Previdência, que pretende abolir o direito à aposentadoria – um direito que os trabalhadores começaram a conquistar a nível mundial no final do século XIX. A CPI da Previdência provou que ela não é deficitária: o propalado déficit é propaganda do governo para retirar direitos. Aqui, as chamadas reformas são feitas não para melhorar, mas para retroceder no tempo, ao tempo em que as leis eram feitas para os ricos e não havia direitos para os trabalhadores.
É difícil encontrar em nossa história um líder político tão perseguido quanto Lula: são quatro anos de denúncias diárias, de vazamentos de delações, de conversas gravadas, de condenação sem provas: instâncias do judiciário, maioria do Congresso e grande mídia se uniram para tentar banir Lula da vida pública e, especialmente, das eleições de 2018. Não se trata de negar erros cometidos pelo governo Lula: o que salta aos olhos é que há delações, muitas, profícuas, páginas e páginas de jornais, horas e horas de noticiários televisivos, mas não aparecem provas dos ilícitos que se atribuem ao ex-presidente. Enquanto abundam provas em relação a políticos de outros partidos que não sofrem consequências, faltam provas em relação a Lula. A maior parte da população está entendendo o recado: apesar do massacre mediático, a cada nova pesquisa de opinião a maioria segue preferindo Lula a seus algozes.
Por que não avançam processos contra Temer apesar de haver gravações que o comprometem? Por que não é investigada a corrupção atual – a compra de votos de deputados e senadores para aprovar os projetos de lei enviados pelo governo e para barrar a investigação de Temer? Como se explica que um Judiciário tão atuante permita a continuidade de um governo dominado pela corrupção e cujos atos de improbidade são revelados diariamente pela mídia?
A justificativa para todo este retrocesso em matéria de direitos é econômica: supostamente, o país não tem recursos. Mas a justificativa é falsa: no mesmo ano em que os “especialistas” dizem que faltam recursos para a saúde, para a educação, para a aposentadoria, são pagos 400 bilhões de reais de juros da dívida, duas vezes mais que o que se gasta com saúde e educação. São recursos públicos que são transferidos para os mais ricos do país (1% da população), em razão da taxa de juros que temos. Embora a taxa de juros nominal tenha sido reduzida, continuamos tendo uma das taxas de juros reais mais altas do mundo. Já os países desenvolvidos (EUA, França, Inglaterra, Suécia, Alemanha…) têm taxas de juros de 0% ou menos de zero. Se a nossa taxa fosse tão baixa, não faltariam recursos para as políticas sociais. O nosso maior gasto público não é com os serviços públicos, é com o 1% mais rico do país. Trata-se de uma transferência dos impostos pagos por todos, sobretudo os mais pobres e a classe média para os mais ricos do país.
A elite dominante se considera livre para dar continuidade a reformas e medidas que prejudicam a maioria do povo brasileiro: no último ano e meio, há uma piora brutal das condições de vida dos trabalhadores e dos mais pobres, desemprego, precarização do emprego, salário rebaixado, desmonte da rede de proteção social. Não sem razão, cresce a violência, sem que as instituições de segurança consigam dar conta da situação atual. A sociedade parece estar entregue à própria sorte, as políticas públicas estagnadas. O governo federal não se contenta em interromper as políticas sociais que melhoravam as condições de vida do povo, está privatizando as empresas públicas que restavam e as imensas riquezas naturais do país (petróleo, água, entre outras).
Para os perseguidores de Lula, não basta inviabilizar sua candidatura: é preciso prendê-lo. A prisão, se ocorrer, será apenas um desdobramento do golpe em curso. Na perspectiva do golpe, trata-se de impor derrotas à esquerda, piorar a legislação para a maioria mais pobre da população, impedir a circulação da informação sobre o que está ocorrendo, bloquear o livre debate sobre possíveis saídas ou falsas soluções, manter a mídia como veículo de propaganda oficial (“pensamento único”) e não como meio de comunicação e lugar de discussão. Então, não será estranho se Lula vier a ser preso: eles sempre quiseram isso. Claro, o ideal para eles seria que a população fosse convencida de que Lula estaria sendo preso por ser “o maior corrupto da história”. No entanto, esta narrativa não está pegando, as intenções de voto em Lula aumentam ao invés de diminuir.
O que se pode esperar?
Haverá reações. Entre os trabalhadores e a população mais pobre, aqueles que foram mais beneficiados com as políticas do governo Lula, cresce a indignação. Não sabemos quando nem como vão expressar sua indignação, porém mais cedo ou mais tarde ela virá. O certo é que este ato não passará despercebido: se por acaso for preso, Lula não será esquecido no calabouço, toda a campanha eleitoral deste ano estará focada nele, a favor ou contra.
Haverá reação internacional: quaisquer que sejam as críticas a seu governo e há, Lula continua a ser considerado um líder político de expressão, responsável por políticas sociais importantes com resultados expressivos. Sua prisão, a partir de uma condenação sem provas, vai aparecer como mais um passo no processo de perseguição política desencadeado contra ele. Veículos internacionais de peso vão manifestar sua desconfiança face a um processo tão suspeito.
Agora que a torre de marfim dos juízes, supostos paladinos da moralidade pública, está mostrando ter pés de barro, muita coisa poderá ocorrer. O mito de um poder incorruptível, que está passando o Brasil a limpo, está fazendo água.
Há vários sinais de que a resistência da sociedade civil tem feito recuar o bloco no poder: a retirada da medida que alienava uma parte da Amazônia (RENCA), o recuo em relação à facilitação do trabalho escravo, o contínuo adiamento da reforma da Previdência. Impressiona também como a imprensa estrangeira tem analisado criticamente os recentes acontecimentos no Brasil, em oposição à quase unanimidade da imprensa brasileira em apoio às medidas golpistas. O mundo da cultura e das artes tem se levantado frequentemente contra os artífices do golpe.
Por diferentes formas, setores distintos da população têm se manifestado contra o que está ocorrendo. Por baixo da aparência de cinzas, há brasas ardendo.
A nossa luta continua: em primeiro lugar, por referendos revogatórios de todas as medidas que representam retrocesso em matéria de direitos desde o início do governo ilegítimo de Temer; pelo restabelecimento da democracia, com o respeito ao voto popular e ao livre processo eleitoral, sem veto a candidatos populares; pela democratização dos meios de comunicação para que haja liberdade de expressão e de informação para os que não estão no poder; pela auditoria da dívida pública, para que interrompamos o desvio de dinheiro público para os mais ricos.

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