Celso Pinto CariasColunistas

O Poder do simbólico nas bases

Podcast Outro Papo de Igreja, do Serviço Teológico Pastoral

A palavra “símbolo” vem do grego e significa aquilo que une. Seu contrario é “diabolo”, isto é, aquilo que desune. No mundo atual tem predominado certa presença “diabólica”. Suspeitamos que uma das razões se dê pela não compreensão do “simbólico”.

É comum encontrar até quem ache que “símbolo” seja sinônimo de alguma coisa mais fraca, sem muita verdade. Dizer que algo é “simbólico” é quase que afirmar que não é verdadeiro.

Um grande pensador que investigou a mente humana por muito tempo, Carl G. Jung (1875-1961) não pensa assim. Ele, um dos grandes cientistas do século vinte, chega a afirmar que o aumento do conhecimento científico diminuiu o grau de humanização de nosso mundo. Evidentemente que ele não é contra a ciência, mas ele discute o caminho pelo qual chegamos à consciência humana, ao seu interior, a sua subjetividade.

Aqui está ponto. Na linha do que temos conversado em colunas anteriores, nossa estrutura mental racionalista, pode ir às bases com categorias que não fazem ponte com aquelas dimensões mais profundas que dão significado à vida das pessoas. Então, podemos destruir seu universo simbólico e não colocar nada no lugar. Sendo assim, em certo dia, podemos nos deparar com alguma liderança de comunidade de base que agora parece ter “esquecido” toda “conscientização” que foi recebida, com muito esforço, em programas de formação.

Certa vez estava em São Gabriel da Cachoeira, região amazônica, colaborando com um programa de formação na área de sacramento, década de noventa do século passado. Depois de uma semana da mais “pura” teologia sacramental, um dos participantes, talvez percebendo o meu esforço para tentar passar para eles e elas a doutrina da forma mais simples possível, com alguma confiança em mim, olhou para mim e disse: “Celso, a gente também consagra nossas crianças ao Espírito da mata”. E disse que mesmo recebendo o batismo cristão, muitos continuavam a fazer esta prática. E eu, depois de uma semana, vi que não fiz ponte com eles.

Na discussão da chamada “volta às bases” precisamos rever a nossa prática como um todo: na qualidade da presença, na metodologia e pedagogia, e dentro de todo o processo, a dimensão simbólica é um fator fundamental.

Muitas vezes ficamos nos perguntado por que o movimento neopentecostal penetrou tanto na vida de muita gente das comunidades. Ora, a vida humana é um complexo existencial que não se esgota em uma única dimensão. Aí, uma resposta espiritualista pode penetrar exatamente naquele lugar que deixamos de lado.

Em outra ocasião, uma pessoa fez um comentário sobre como os hinos da CEBs falam quase exclusivamente de justiça social. Uma reposta possível: “Ora, a dimensão profética é fundamental, é evangélica, portanto a unidade entre fé e vida passa por aí”. Estamos de acordo. Certamente o dualismo material e espiritual é um equivoco. Mas ninguém consegue estar no equilíbrio entre estas dimensões o tempo todo. Alguns poucos santos e santas sim. Contudo, a maioria precisa encontrar um equilíbrio psíquico para aguentar a luta pela sobrevivência. Neste sentido entra aquela oração de Francisco: “consolar e ser consolado”.

Não significa que devamos abrir mão da busca dos sinais do Reino desde agora, mas precisamos fazer isso envolvendo mentes e corações. Emoção e razão são duas dimensões da mesma realidade. Assim, precisamos encontrar caminhos que possam manter esta unidade. Sem que uma abafe a outra.

Não existe paraíso terrestre, nem nunca existirá. Portanto, a espiritualidade cristã deve manter a unidade entre cruz e ressurreição, valorizando os símbolos que fazem ponte com este objetivo.

Gosto muito de citar uma afirmação do meu falecido pai: “acabou o tempo das fitas largas, agora estamos no tempo do Vaticano II”. Sempre digo também que se ele estivesse vivo talvez não precisasse fazer uma afirmação tão rígida, porque, de algum modo, foram os Congregados Marianos (fitas largas) que deram a ele uma unidade entre fé e vida que poucos movimentos na atualidade são capazes de oferecer.

Não sei, se meu pai estivesse vivo, morreu 1982, seria um cristão envolvido em lutas pela libertação, até porque tinha concepções políticas um tanto quanto reacionárias. Mas enquanto esteve vivo sempre, de alguma forma, manteve uma atitude de solidariedade, honestidade e devoção pela família exemplar. Mas sei que quem o ajudou manter a fé até o final foram pessoas que fizeram pontes entre a luta pela vida e a sua subjetividade, isto é, levaram em consideração o PODER DO SÍMBOLO.

 

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