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O que é racismo?

Podcast Outro Papo de Igreja, do Serviço Teológico Pastoral

A palavra racismo representa um problema comportamental, social e pessoal dos mais graves de nossos tempos. Embora fosse um velho problema, hoje ele aparece de forma mais aguda porque está sendo publicamente denunciado e desafiado por um número imenso de pessoas.

O que é o racismo? É a consideração sem fundamento natural e racional de que existem raças superiores e inferiores advindas e justificadas pela própria natureza. Isto se chama ‘racionalidade racista’. É como se a natureza tivesse pré-determinado, por exemplo, que as rosas vermelhas são superiores às rosas brancas, ou que os pés de abacate fossem mais importantes do que os pés de laranja ou limão. Ou ainda que os brancos nascidos na Europa são superiores aos negros nascidos na África. Ou que povos brancos do Brasil sejam mais inteligentes do que os povos indígenas ou os povos asiáticos.

O racismo é uma velha doença humana. Alguns grupos sempre se julgaram superiores a outros e por isso se auto-outorgaram privilégios e limitaram a liberdade e o direito dos outros. Muitas vezes pensaram que o fato de terem bens, de terem uma cor específica considerada a melhor, um sexo considerado superior correspondia a uma espécie de condição superior imutável estabelecida pela natureza ou por Deus. Muitas vezes até na Bíblia a gente pode encontrar essa chaga quando nas guerras os perdedores se tornavam escravos dos vencedores. Tinham então que esquecer suas culturas para se submeterem à vontade dos novos dominadores. Por isso algumas vezes até se pedia que os escravos fossem submissos aos seus amos como se essa submissão correspondesse a uma vontade divina.

Pouco a pouco, através da evolução da consciência, de revoltas e insurreições, muitos grupos escravizados por sua etnia, sua cor e pela dominação de outros foram acordando, se organizando e denunciando os fundamentos classistas e irracionais do racismo. Foram desobedecendo a ordem injusta, foram transgredindo as leis de morte e reafirmando sua cultura, sua língua, seus direitos e valores. Nasce assim o que chamamos hoje de antirracismo.

O antirracismo vem crescendo muito na atualidade e de maneira particular no Brasil e em outros países da América Latina. O grande desafio do antirracismo é mostrar a falta de fundamento das doutrinas e políticas racistas e seu caráter opressor de toda a humanidade. É nessa linha que se pode dizer que o antirracismo é uma afirmação do direito à diversidade a vida. No fundo é muito fácil afirmar através de discursos públicos o direito à diversidade, mas vivê-la em carne própria é difícil. A educação de nossas emoções nos encheu de preconceitos contra uns e outros. E sem perceber nos tornamos racistas, homofóbicos, xenófobos. É nessa linha que a luta antirracista deve ser uma luta exterior e interior para que tomemos consciência do racismo e outros males que moram em nós.

Quando não fazemos nada de concreto para afirmar que a diversidade é a expressão maior da vida em nós, quando não percebemos como tudo o que dizemos é misturado com tudo, quando queremos apenas nos julgar bons e imunes de muitos problemas que atingem todas as vidas, estamos de certa forma nos eximindo da responsabilidade de construir um mundo onde todos/as/es caibam com dignidade. A luta antirracista é uma forma de desobediência à manutenção de leis discriminatórias que prevalecem em nossas sociedades, é uma forma de obediência ao ‘amor ao próximo como a nós mesmos/as’, regra de ouro da tradição de Jesus de Nazaré.

Assim, não basta ser como o fariseu do Evangelho que se mostra justo porque aparentemente cumpre a lei. E não basta ser como o publicano que se reconhece pecador diante de Deus. É preciso ousar acreditar que cada um/a de nós tem uma responsabilidade social maior e/ou menor na tragédia do racismo de hoje e de muitos outros males sociais. Portanto cada um/uma de nós deve dar a sua contribuição, por menor que seja, para que a mudança desta situação de injustiça flagrante se realize.

A luta antirracista é uma luta pelos direitos humanos, não como velha letra de um decreto, mas como o caminho de respeito renovável a todas as expressões da vida; é luta que deve ser retomada a cada dia enquanto houver pessoas excluídas de direitos sociais e políticos por conta de nossa própria estupidez racista.

 

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