ColunistasFrei Marcos Sassatelli, op

O Ser humano com o Outro absoluto (1)

Podcast Outro Papo de Igreja, do Serviço Teológico Pastoral

A vida do Ser humano (como vimos no artigo anterior), “se encontra sempre em certas circunstâncias, uma disposição em torno das coisas e demais pessoas. Não se vive num mundo vago, já que o mundo vital é constitutivamente circunstância, é este mundo, aqui, agora. E circunstância é alguma coisa determinada, fechada, mas ao mesmo tempo aberta e com largueza interior, com vão ou concavidade onde mover-se, onde decidir-se: a circunstância é um álveo que a vida se vai fazendo dentro de um rio inexorável. Viver é viver aqui e agora – o aqui e o agora são rígidos, impermutáveis, mas amplos” (Ortega y Gasset, J. Que é Filosofia? (Lição XI). Livro Ibero-Americano, Rio de Janeiro, 19712, p. 184).

O Ser humano “é estruturalmente orientado para o futuro; ele é um ser estruturalmente aberto à esperança. O futuro esconde possibilidades que o Ser humano nunca pode conhecer inteiramente. Todas estas possibilidades se referem ao Ser humano: são suas possibilidades, embora não possa realizá-las e nem as realizará todas. Por isso, o Ser humano pode olhar para o futuro com esperança (…). O Ser humano tem o direito de projetar a própria esperança também além da morte” (Gevaert, J. Il problema dell’uomo. Introduzione all’Antropologia Filosofica. Elle Di Ci, Torino, 19814, p. 189). 

Desse “olhar para o futuro com esperança” – uma exigência da razão e, mais ainda, da razão iluminada pela fé – nasce a relação do Ser humano (“ser-no-mundo”) “com-o-Outro absoluto”: Deus.

A respeito dessa relação, não podemos dizer a mesma coisa das outras duas relações: “com-o-mundo material e vivente” e “com-os-outros” (semelhantes). Ela não é um fato incontestável, indubitável e evidente por si mesmo; não só precisa ser mostrada e examinada, mas demonstrada e experiênciada. Mas como? 

Na tentativa de encontrar uma resposta – limitada e incompleta evidentemente – a esta pergunta, sugerimos algumas “pistas” de encaminhamento de nossas reflexões, que nos parecem estar de acordo com as conquistas e exigências do mundo moderno e contemporâneo. 

Em primeiro lugar, é necessário aceitar plenamente a consistência e a autonomia próprias do real, ou seja, de tudo o que existe. Ora, aceitar plenamente a consistência e autonomia próprias do real significa também aceitar a “ausência cósmica” de Deus

“Poderia alguém continuar procurando obstinadamente um ‘buraco’ no funcionamento do universo e assim tentar restabelecer uma ‘presença’ de Deus. De um ponto de vista estritamente lógico esse ‘buraco’ não é, em si, impossível: a biologia, por exemplo, poderia, num caso extremo, ir de encontro a fenômenos inexplicáveis pelos recursos naturais do cosmos. Mas, na realidade, semelhante ‘buraco’ é pouco plausível. De um lado, a história mostra que a ciência veio reduzindo sucessivamente, desde o século dezesseis, os campos que pareciam depender do influxo divino. Além disso e sobretudo, a mentalidade da ciência, o seu horizonte, as suas pressuposições de base, se impuseram a nós mais do que os seus resultados: em particular, a convicção íntima de que o real físico se explica por si mesmo e de que um movimento na direção de Deus, que pretendesse fundar-se nos resultados ou questões propriamente científicas, seria um paralogismo (raciocínio que parece verdadeiro, mas não é). Hoje, as provas chamadas ‘científicas’ da existência de Deus são sempre menos usadas e menos aceitas” (Cf. Podeur, L. Imagem moderna do mundo e Fé cristã. Paulinas, São Paulo, 1977, p. 120). 

A procura de “buracos” na causalidade material leva a questão de Deus para um terreno equivocado. “Suponhamos, por exemplo, que o aparecimento da vida sobre a terra exija uma causa extraterrestre; por que não poderia tratar-se de seres extraterrestres, gigantes galácticos (…), que teriam vindo ‘inseminar’ o globo? Não seria uma ‘solução’ mais econômica, do ponto de vista da lógica? (…). Em vez de nos preocuparmos com soluções de continuidade na trama da causalidade cósmica (que exigiriam a intervenção de um motor extramundano), coloquemo-nos na hipótese inversa e tentemos ver Deus neste contexto” (Ib., p. 121). Assim fazendo, encontraremos no real, ou seja, em tudo o que existe – previamente aceito em sua consistência e autonomia – o sentido da “presença ontológica” ou “presença criadora” de Deus. (Continuaremos no próximo artigo)

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