De volta às Bases

Celso Pinto Carias, “mendigo de Deus”

            Com esta coluna iniciamos uma trajetória no Portal da CEBs. Tentaremos dialogar com situações que perpassam a vida das Comunidades Eclesiais de Base.  Queremos começar por uma questão que tem sido recorrente nos últimos anos. Em muitos espaços nos quais se reflete sobre “projeto de sociedade” tem aparecido a questão do abandono das bases. No entanto, tudo indica que não há consenso quanto ao significado de tal afirmação.

As variantes que permitam tentar entender o que se está se querendo afirmar são muitas. Desde a negação, isto é, não houve saída das bases, até a afirmação do completo abandono. Porém, iremos problematizar e oferecer perspectivas críticas. Iremos continuar, mesmo que de forma transversal, nas próximas colunas. Certamente tudo estará no campo do debate. O que não podemos é colocar a poeira debaixo do tapete.

Ao longo das últimas décadas do século vinte muitas iniciativas para ir ao encontro do povo aconteceram. No presente momento outras tantas continuam acontecendo. Contudo, a questão que acreditamos ser chave, é como a opção de um caminho solidário de construção da dignidade fundamental da pessoa humana se realizou, se de fato tem conseguido tornar as pessoas sujeitos da própria história.

Não se trata de fazer um juízo de valor quanto à sinceridade, honestidade, ou mesmo a santidade, daqueles e daquelas que se colocaram nesta direção, mas sim de constatar um fato: por que boa parte da população mais à margem da sociedade, em nossos dias, não se encontra predominantemente nas CEBs e em outros setores da sociedade que procuram defender a eles próprios?

Tem-se feito muitas avaliações para responder a pergunta acima. Podem-se levar em consideração muitos fatores, como a aliança da mídia com uma estrutura de poder opressora, ou perseguição direta, entre outros. Mas a complexidade da vida em sociedade e a forma como o poder se movimenta não permite que cheguemos a conclusões rápidas sem levar em consideração outras possibilidades.

Quais possibilidades? Por exemplo: será que nossa cultura racionalista (cartesiana) não tem nos colocado em uma postura arrogante quando vamos aos pobres? O Papa Francisco tem insistido que não podemos pensar a ação pastoral, diríamos qualquer ação em sociedade, PARA o povo, mas sim COM o povo. Uma reflexão que tem crescido nos últimos anos é a da postura colonialista de estruturas articuladoras da vida nas regiões mais pobres do planeta, como a América Latina, que acabam por utilizar as mesmas categorias dos colonizadores. Assim, pode-se alcançar algum avanço na capacidade de consumo dos pobres, até na melhoria de indicadores sociais de inclusão, mas o protagonismo, a autoafirmação de si mesmo como portador fundamental de dignidade e o crescimento da consciência de que só podemos ser juntos e com capacidade de se colocar no lugar do/a outro/a (empatia), ainda está por ser aprofundado.

A pessoa não é um boneco de barro que se possa moldar, por melhor que sejam as intenções. Há saber em todos os seres humanos, em todas as culturas, mesmo que aparentemente, sob a nossa avaliação, eles estejam num grau inferior de compreensão da realidade, e por isso, nós, os “conscientizadores”, não temos o direito de fazer a nossa ação heróica de libertá-los sem a participação deles. Muitas vezes o que acontece é liberação e não libertação. É preciso ajudar as pessoas se libertarem não somente da escravidão, mas de se tornarem, uma vez libertos, escravagistas.

A crítica ao sistema pode apresentar os fatores subjetivos da existência humana como algo sem valor. A rede de configuração simbólica da existência humana é um fator determinante na lógica da sobrevivência. Cursos e palestras, seminários e encontros, não são suficientes, por si mesmo, para obter força de resistência diante da dura peleja pela vida.

Assim sendo, voltar as bases exige de nós conversão. Precisamos ir ao povo dispostos a ver, ouvir e encontrá-lo dentro de sua lógica cultural, e, se possível, propor outras possibilidades. Sem preconceitos, sem arrogância, sem a lógica messiânica de um salvador, de um herói que irá resgatar o povo de sua miserabilidade.

 

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