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Tráfico de Pessoas: A face perversa de uma economia que escraviza e mata
Por Irmã Eurides Alves

Podcast Outro Papo de Igreja, do Serviço Teológico Pastoral

“tráfico humano, uma destas feridas abertas mais dolorosas

 uma forma moderna de escravidão, que viola a dignidade,

dom de Deus, em tantos dos nossos irmãos e irmãs”. Papa Francisco 

Celebramos no último dia 08 de fevereiro a memória litúrgica de Santa Josefina Bakhita, a escrava Sudanesa, religiosa canossiana, que viveu por nove anos o drama das mulheres traficadas em sua experiencia pessoal. Foi vendida e escravizada e libertada:“Ela conheceu através de sua dolorosa experiência pessoal a realidade da escravidão e a suas consequências violentas e humilhantes. E mesmo assim, por graça de Deus, ela chegou a conhecer a verdadeira liberdade e a verdadeira alegria”. (Papa Francisco).

 Santa Bakhita foi canonizada no ano 2000, e em 2015 o Papa Francisco a consagrou como a protetora das  pessoas traficadas e das que lutam contra esta escravidão,  e instituiu o dia de sua memória como o dia Mundial de Oração e Reflexão contra o tráfico de pessoas. Um dia de sensibilização, oração e compromisso da igreja e da sociedade contra esta ferida aberta no corpo da humanidade e no corpo de Cristo. Um crime que fere, viola e mata milhões de vidas em todo o planeta. Este ano a jornada mundial de oração e reflexão proposta para todo o mês de fevereiro, tem como tema  “Economia sem tráfico de pessoas”.

O tráfico de pessoas consiste no ato de comercializar, escravizar, explorar, privar vidas de sua liberdade. É uma gravíssima violação da dignidade e dos direitos humanos. Considerada a escravidão moderna, mais desumana e rentável que existe. As mulheres e meninas correspondem a 79% das vítimas para fins de exploração sexual e 58% de outras modalidades. Também os migrantes, as pessoas LGBTQIA+ e as pessoas em situações de vulnerabilidades socioeconômicas, são alvos prioritários deste delito.

Lutar e promover uma economia sem tráfico de pessoas implica em denunciar e se posicionar contra uma economia que mata, exclui e transforma a vida e as pessoas em mercadoria. Na economia neoliberal vigente, o tráfico de pessoas é uma de suas faces mais perversas. Ocupa o segundo lugar na tríplice economia no mercado do crime organizado: drogas – pessoas – armas. É um negócio altamente lucrativo, conectado com mecanismos globais de uma estrutura política e econômica pautada na injustiça, na  violência e na insaciável sede de lucro das elites dominantes.

O  drama do tráfico de pessoas e das muitas outras faces da pobreza que esta economia iníqua gera e sustenta é o espelho da irracionalidade do capitalismo global, que para manter sua soberania imperialista utiliza-se de meios espúrios como canais de ilícito enriquecimento e poder. Como bem expressa Élio Estanislau Gasda, “há uma elite triunfante e exibicionista, que trafega em seus jatinhos, banqueiros, empresários, senhores da mídia que deram as costas aos milhares de seres humanos empurrados para os vales da morte do capitalismo. Aí se escondem os crimes mais cruéis contra a vida humana, como a escravidão e o tráfico de seres humanos”.

Esses empresários do crime banqueteiam-se com “dólares de sangue inocentes” de mais de  40 milhões de pessoas traficadas anualmente no mundo (UNODC). Dinheiro oriundo dos submundos clandestinos das boates, motéis, bordéis, masmorras, garimpos, carvoarias e barracões, travestidos de luxo e lixo deste sistema de morte. Recursos geridos ilicitamente  por uma complexa e articulada rede que envolvem desde os aliciadores até os agenciadores ocultos de colarinhos brancos, que utilizam das instituições que deveriam estar a serviço da vida das pessoas, como canais de exploração, perpetuando práticas abomináveis das ‘velhas e novas escravaturas’: exploração sexual, servidão doméstica, trabalho escravo, remoção de órgãos, adoção irregular, mendicância, casamento servil e outras atividades ilícitas.

A crueldade desta política econômica que cria e sustenta as enormes desigualdades sociais,  a precarização do trabalho, o desemprego e a fome, associada aos fatores socioculturais: as desigualdades e iniquidades de gênero e raça, as questões geracionais, a cultura patriarcal, a homofobia, a publicidade e a comercialização do sexo através das novas tecnologias e dos meios de comunicação social, estão na raiz da pandemia do tráfico de pessoas, dos feminicídios, dos abusos e exploração sexual. Realidades, que embora subnotificadas, nos últimos anos e, sobretudo no momento atual com a  COVID-19, tende a aumentar em riscos e fatos.

É degradante pensarmos na pessoa como mercadoria. Inverte totalmente a essência do que é ser humano e esvazia a pessoa da sua dignidade e do seu direito de ser livre. A erradicação desta prática criminosa é sonho e missão de todas/os nós, que acreditamos na possibilidade de um “outro mundo possível”, em uma sociedade pautada no direito, na justiça social e na superação de toda forma de violência, exclusão e escravidão.

A realização deste sonho supõe a superação da indiferença e uma ampla mobilização eclesial, social e política, articulada em redes de solidariedade e profecia. Caminho que nos possibilita ensaiar passos de encarnação em novos espaços sociais, políticos e teológicos para  incidirmos  nesse  fenômeno,  que  cresce  de  maneira sutil e voraz, ceifando os sonhos e a vida das pessoas em nossos territórios.

Oxalá nossas CEBs se insiram nesta luta por uma economia sem tráfico de pessoas!

Irmã Eurides Alves de Oliveira, ICM

 

 

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