
“Deus viu que tudo era muito bom” (Gn 1,31)
Na linguagem cultural machista da nossa sociedade, a mulher é subordinada ao homem e dependente dele. Cito dois exemplos:
- A palavra “homem” (em latim: “homo”) designa o ser humano “macho” (em latim: “vir”) e o ser humano “fémea” (em latim: “mulier”) está subentendido (não expressado, presente de modo implícito).
- A palavra “fraternidade” designa a comunhão de amor entre os “irmãos” (em latim: “fratres”) e as irmãs (em latim: “sorores”) estão subentendidas.
A Igreja – em sua linguagem e em sua prática – incorporou a cultura machista da sociedade e a aceita como sendo “normal”.
A Campanha da Fraternidade visa aprofundar a comunhão de amor entre irmãos (fratres), refletindo sobre um tema da atualidade (neste ano de 2025, sobre a Ecologia Integral), mas as irmãs (sorores) estão subentendidas.
Pergunto: não é hora de abrir caminhos novos que levem à mudança dessa mentalidade cultural machista?
Para que os Irmãos e as Irmãs sejam tratados com igualdade – a começar pelo uso da linguagem – a Campanha da Fraternidade não deveria ser chamada “Campanha da Fraternidade-Sororidade” (Fratres e Sorores) ou, simplesmente, “Campanha da Irmandade” (Irmãos e Irmãs)?
(As palavras “soror” e “sorores” são palavras latinas, que são usadas também na língua portuguesa; as palavras “frater” e “fratres” são palavras latinas, que na língua portuguesa se traduzem com as palavras “Frade” e “Frades”).
Após essas considerações, apresento o texto bíblico sobre a criação do ser humano, homem e mulher: “Deus disse: ‘Façamos o ser humano à nossa imagem e semelhança. Que ele cuide dos peixes do mar, das aves do céu, dos animais domésticos, de todas as feras e de todos os répteis que rastejam sobre a terra’. E Deus criou o ser humano à sua imagem; à imagem de Deus ele o criou; e os criou macho e fémea. E Deus os abençoou e lhes disse: ‘Sejam fecundos, multipliquem-se, encham e cuidem da terra; cuidem dos peixes do mar, das aves do céu e de todos os seres vivos que rastejam sobre a terra’. E Deus disse: ‘Vejam! Eu entrego a vocês todas as ervas que produzem semente e estão sobre toda a terra, e todas as árvores em que há frutos que dão semente: tudo isso será alimento para vocês. E para todas as feras, para todas as aves do céu e para todos os seres que rastejam sobre a terra e nos quais há respiração de vida, eu dou a relva como alimento’. E assim se fez. Deus viu tudo o que havia feito, e tudo era muito bom” (Gn 1, 26-31).
(Na Bíblia, os verbos “dominar, submeter” não têm o mesmo sentido que têm na sociedade capitalista neoliberal, mas significam “cuidar, cultivar”).
Tendo por base o texto – acima citado – faço agora algumas reflexões críticas a respeito da Campanha da Fraternidade (pessoalmente, já acrescentei: Sororidade) e Ecologia Integral (CFS-2025).
No Projeto de Deus, a irmã Mãe Terra Nossa Casa Comum é como um Jardim. O ser humano, homem e mulher – criado à imagem e semelhança de Deus – integra esse Jardim e – por ser sua parte pensante – é chamado a ser também seu jardineiro e sua jardineira.
A desobediência do ser humano, homem e mulher, ao Projeto de Deus – desrespeitando, envenenando e destruindo a Irmã Mãe Terra Nossa Casa Comum (em nome, sobretudo hoje, do deus capital ou deus dinheiro) – é o pecado socioambiental (socioeconômico, sociopolítico, socioecológico, sociocultural e sociorreligioso) estrutural do ser humano, que inclui também seus pecados pessoais.
No Projeto de Deus – que é o Seu Reino – os seres humanos, homens e mulheres, são chamados e chamadas a viver sempre mais profundamente o sentido de sua vida, na vida e com a vida da Irmã Mãe Terra Nossa Casa Comum.
Como ideal, os cristãos e cristãs devem ser radicalmente (plenamente) seres humanos, mas sempre na Terra e com a Terra Nossa Casa Comum.
“O mistério do ser humano só se torna claro verdadeiramente no mistério do Verbo Encarnado”. Cristo “revela o ser humano ao próprio ser humano e lhe descobre a sua sublime vocação” (Conc. Vat. II. GS 22).
“A fé ilumina todas as coisas com uma luz nova, manifesta o Plano de Deus sobre a vocação integral do ser humano e orienta a mente (o espírito) para soluções plenamente humanas” (Ib. 11).
Que a Campanha da Fraternidade-Sororidade 2025 e Ecologia Integral nos ajude a viver o tempo da Quaresma como um tempo forte de graça de Deus e de conversão, em preparação à Páscoa, que é Vida Nova, que é Mundo Novo.
(Continua na 2ª parte)
Campanha da Fraternidade-Sororidade 2024
Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção – SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br – Cel. e WA: (62) 9 9979 2282
https://freimarcos.blogspot.com
Goiânia, 21 de março de 2025