Foi divulgado recentemente um documento elaborado por três institutos vinculados a militares da reserva ou reformados, propondo um “Projeto de Nação”, a vigorar até 2035. Portanto, se contarmos a partir de 2019 (governo Bolsonaro), seriam 16 anos. Uma forma de poder que independeria das eleições, da vontade expressa pelos cidadãos.
A pergunta é: com que moral os militares pretendem propor este projeto de país?
Os militares no poder são melhores que os civis?
Se tomarmos a experiência dos 21 anos em que tomaram o poder, entre 1964 e 1985, dispensamos: “ditadura nunca mais”, “tortura nunca mais”. Foi um longo período de sombras. Se um dos valores fundamentais dos seres humanos é a liberdade, esta foi supressa durante aqueles anos: prisão e tortura de milhares de opositores, morte de muitos, suspensão da liberdade de expressão, da liberdade de imprensa, fim das eleições diretas para presidente, cassação de parlamentares, aumento da desigualdade social, repressão sobre os trabalhadores, invasão de territórios dos povos indígenas, com milhares de mortes. O Estado passou a ter direito de vida e de morte sobre as pessoas, os direitos individuais foram suspensos.
Por outro lado, se tomarmos a experiência do governo Bolsonaro, que já tem 3 anos e meio, o resultado é desolador. Estamos vivendo um processo de destruição das políticas públicas que tínhamos antes. A começar pela saúde: o enfrentamento da pandemia pelo governo foi um desastre. Tivemos o segundo maior número de mortes do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. Como foi comprovado pela CPI da Covid, o governo ajudou a difundir o coronavírus: não houve uma coordenação nacional de medidas para interromper a sua propagação e o governo federal combateu as iniciativas tomadas por governos estaduais e municipais para reduzir e barrar a contaminação e evitar mortes.
Os recursos para enfrentar a pandemia foram reduzidos de 2020 para 2021, o ano mais letal que tivemos. O governo colocou um general no Ministério da Saúde que, durante dez meses, se mostrou totalmente incompetente para gerir a crise sanitária. Houve campanha do governo federal contra a vacina, justamente aquela que se revelou o principal meio de redução do contágio e dos óbitos. A situação só não foi pior porque nós tínhamos um sistema público de saúde, o SUS, que eles propõem privatizar.
No que se refere ao meio ambiente, graças ao incentivo federal e à ausência de fiscalização, tivemos um severo aumento do desmatamento e de queimadas na Amazônia, no Cerrado e no Pantanal. Os povos indígenas foram vítimas de políticas de estímulo à mineração e ao garimpo ilegal e de omissão em relação a seus territórios. Têm sido vítimas de violência por parte de invasores, sem que o governo tenha tomado qualquer providência séria para interromper o processo.
Tanto na saúde como na educação, houve claros indícios de tráfico de influência e de práticas de corrupção. No caso da saúde, tentativas de compra de vacinas, com propinas e superfaturamento, no caso da educação, cobrança de propinas.
A apropriação de dinheiro público em benefício particular de suas próprias famílias e da corporação (militar ou policial) ficou evidenciada inúmeras vezes. Desde as “rachadinhas” até o “orçamento secreto” (de 16 bilhões de reais por ano), além dos diversos privilégios concedidos pelo governo. Algumas instituições, como a Procuradoria Geral da República, se tornaram servidoras do governo ao invés de fiscalizadoras: tal como na época da ditadura, as denúncias de corrupção simplesmente não foram e não estão sendo investigadas.
Que valores melhores teriam os militares, em comparação com os civis? Honestidade, probidade administrativa? Competência na gestão da coisa pública? Onde estão os resultados? Nos 670 mil mortos pela pandemia? Nos 1.000 km2 de desmatamento em um mês (abril/2022)? Na redução sistemática de recursos para as políticas sociais?
O que está acontecendo hoje não é a realização de um projeto de nação, é a destruição de uma nação. É este processo que temos de interromper.