Após a realização da Assembleia Eclesial da Igreja da América Latina e do Caribe celebrada nos dias 21 a 28 de novembro de 2021, na Cidade do México, com a participação de mais de mil pessoas dos diversos países do continente, muito se tem falado e escrito sobre seus ecos e seus significados como caminhos de esperança e desafios para avançarmos na sonhada sinodalidade proposta pelo Papa Francisco, como um caminho de mudança, um processo de conversão pastoral, uma nova recepção criativa da Igreja povo de Deus, cunhada pelo Concílio Vaticano II (1965), em chave missionária, segundo a Conferência de Aparecida (2007).
Não obstante o reconhecimento deste acontecimento como um movimento kairótico da Divina Ruah, um significativo ensaio na direção a uma igreja sinodal em saída, aberta à pluralidade dos sujeitos eclesiais, aos muitos desafios das realidades e das culturas de nosso tempo, com bonitas e animadoras orações, celebrações e conferências bíblico-teológicas e pastorais, fortes depoimentos e vivências comunitárias nos grupos de trabalho e um compêndio de desafios pastorais, houve fraquezas e omissões. É necessário dar visibilidade a algumas dessas fraquezas e omissões que merecem ser incluídas e aprofundadas nos debates e processos seguintes, se quisermos de fato construir coletivamente verdadeiros caminhos de sinodalidade eclesial.
Dentre estas limitações, podemos citar: a ausência de uma análise de conjuntura e de um posicionamento profético frente à escandalosa crise humana, sanitária e necrófila em que estamos imerso/as, uma renovada opção pelos pobres e pelas CEBs e a insuficiente participação das juventudes e das mulheres com voz e vez nos espaços. Embora no processo de escuta estes temas e vozes tenham ecoado com força de clamor e profecia, na Assembleia ficaram à margem.
Cada um destes temas-realidades citados merecem uma problematização e reflexão crítica e prospectiva em nossas comunidades, grupos e pastorais.
Limito-me neste texto a fazer algumas provocações sobre a participação, inclusão e reconhecimento das mulheres na igreja e como igreja, visto que mais uma vez, fomos reduzidas à retórica das boas intensões. Fomos citadas na mensagem final, mas como uma categoria excluída em consequência do “pecado”, do conservadorismo e do clericalismo, realidades que há anos temos denunciado. Já entre os doze desafios, fomos colocadas como uma categoria dependente do impulso e de oportunidades concedidas: Promover a participação ativa das mulheres nos ministérios, instâncias de governo, discernimento e decisão eclesial. Quem vai promover? Os “homens do sagrado”?…
Aparentemente, a inclusão deste item entre os doze desafios prioritários da 1ª Assembleia Eclesial demonstra uma abertura maior à participação das mulheres nas instâncias de decisão da igreja. Porém, se a lemos com a lente da “hermenêutica da suspeita”, sem muito esforço percebemos como a elaboração deste desafio é profundamente colonialista e patriarcal. Invisibiliza e desnuda as mulheres na sua condição de “sujeitas eclesiais” e coloca a sua participação como uma concessão, uma deliberação do corpo eclesiástico instituído e não como um direito que lhe é próprio por sua comum dignidade batismal.
Ao falar em promover a participação ativa, omite-se a longa e incontestável trajetória de ativa participação e serviço das mulheres na organicidade eclesial, mesmo sem o reconhecimento institucional. Revela também uma verticalidade relacional totalmente avessa à horizontalidade sinodal do “nós”, do construir juntos e juntas os caminhos de participação e mudanças das estruturas, desde os diferentes carismas e saberes.
Este horizonte ofuscado da emancipação eclesial das mulheres, revela que há ainda um longo e conflituoso caminho a percorrer na direção de uma igreja de mulheres e homens batizados/as, conscientes de sua dignidade batismal, promovendo a ministerialidade, o “discipulado de iguais” numa ciranda sinodal onde o verticalismo dê lugar à circularidade.
Percorrer este caminho implica uma firme decisão de caminhar juntas e juntos, mulheres e homens, reconhecendo as armadilhas patriarcais colonialistas presentes em nós e em nossas estruturas eclesiais, implica nos dispormos a realizar o urgente e necessário processo de despatriarcalização decolonial desde as nossas CEBs, os nossos espaços de engajamento, vivenciando novas relações através da escuta, da troca de saberes e vivências alternativas. Isso supõe a superação do medo de transgredir e ousar para além do que nos é concedido.
Avancemos na construção coletiva rumo à ekklesia para e com as mulheres, insistindo, resistindo e esperançando na perspectiva sinodal, com a fé, teimosa e resiliente da mulher cananeia: “Ó mulher, grande é a tua fé! Faça-se contigo como queres” (Mateus 15, 21-28).