Na história da Amazônia tem se dado, em opinião de Felício Pontes, dois modelos de desenvolvimento, o integracionismo ou assimilacionismo, que se engloba no modelo predatório e o modelo socioambiental. O primeiro se traduz na exploração de madeira, pecuária, mineração, monoculturas e energia, enquanto o segundo se fundamenta na agroecologia e é direcionado aos povos da floresta. O procurador lembrava uma frase da Irmã Dorothy, uma das mártires da floresta, “a morte da floresta é o fim da nossa vida”, que deve nos levar a refletir sobre nossas práticas pessoais e sociais, ainda mais num país que escolheu a volta para o setor primário como principal fonte de riqueza.
A voz dos povos da Amazônia não quer ser escutada por uma comunicação que ignora o que acontece na região, dizia Ivánia Vieira, quem ressaltava que “vivemos numa sociedade onde os números não nos atingem mais”, onde não aparece, ou aparece de modo deformado, o rosto dos mais fragilizados: mulheres, crianças, negros, indígenas e juventudes. Diante dessa realidade, “como age ou pode agir a Igreja da Amazônia no cuidado desses coletivos?”. Por isso, “se faz necessário imaginar uma nova teologia, fazer nascer o Espírito Santo amazônico que nos faça superar as dores e a tentativa de acomodação”, pois “a Igreja tem na Amazônia o sal do Evangelho que poderá ser instrumento de reconstrução da própria Igreja”. Uma Igreja que deve empoderar as mulheres, pois são elas quem carrega a Igreja e não podem ficar sendo mão-de-obra barata, uma Igreja que deve se feminizar e não deve temer “os profetas e profetisas que vem da floresta”, que podem se constituir em lugares de uma nova teologia.
A Amazônia sempre foi uma região complexa e desconhecida, como constata o antropólogo Rodrigo Fadul. Um território pouco homogêneo, com muitos povos que carregam grande conhecimento na organização social, política, econômica e religiosa, cujo modo de pensar sempre foi negado. É preciso reconhecer a lógica dos povos da Amazônia, marcada pelo trabalho coletivo, a relação com a terra, a territorialidade e a identidade, a partir de sua dimensão pessoal e coletiva.
Estas constatações e denúncias é uma continuidade daquilo que os profetas denunciaram historicamente.
No processo sinodal tem um papel em destaque o chamado Conselho Pre-sinodal. Um dos seus membros, o Cardeal Cláudio Hummes, insistia em que “um dos desafios desse conselho é envolver as bases nas consultas”, pois isso vai fazer que no futuro seja melhor acolhidas às conclusões do Sínodo, o povo vai senti-las como algo próprio. O cardeal reconhece que o próprio Sínodo já vai ser um desafio.
Nesse processo de consulta, o estudo do Documento Preparatório é um elemento decisivo, em cuja elaboração participaram cinco assessores. Quatro deles se fizeram presentes no III Encontro da Igreja Católica na Amazônia Legal, Márcia de Oliveira, Justino Sarmento Rezende, Peter Hughes e Paulo Suess. A primeira novidade do documento é que na sua elaboração foram convidados pessoas da região, inclusive uma mulher. Um documento que tem como objetivo provocar uma reflexão e aprofundar no conhecimento sobre a região, destacando que o Sínodo é ponto de partida e não de chegada, oportunidade para rever e reconstruir nossas posturas, descolonizar a Igreja e suas práticas.
Márcia de Oliveira vê no documento algumas chaves de leitura, destacando a importância da Amazônia para o planeta e que o Sínodo fomenta a comunhão e solidariedade da Igreja universal com a Amazônia, junto com uma metodologia participativa partindo de temas que brotam das bases e respondem aos seus clamores, onde a sinodalidade é o elemento metodológico fundamental. Tudo em vista da futura exortação apostólica, que será elaborada na Assembléia Sinodal de outubro de 2019.
Justino Sarmento Rezende, salesiano indígena tuyuka, apresentava as questões indígenas no documento, mostrando os diferentes elementos no mundo indígena. O salesiano ressalta a fragilidade da defesa dos indígenas na história da Igreja e a demonização e inferiorização das culturas indígenas, um perigo atual que se faz presente nos novos colonialismos que destroem as identidades culturais. Nesse contexto, a Igreja é desafiada na proteção e defesa das características próprias de povos que sonham. Justino Rezende insiste que a Igreja da Amazônia não pode ser separada do cuidado de seus territórios e povos, que deve pegar o jeito amazônico de ser, uma Igreja que escuta o que o povo tem a dizer, pois Deus já estava lá antes de a Igreja chegar.
“A Igreja é convidada a apresentar como é Deus hoje”, segundo Peter Hughes, “a fazer presente a Palavra mais explícita de Deus na história”. A novidade do Sínodo está no impacto político e cosmológico, num momento em que a Amazônia e seus povos se encontram em perigo, alguns de morte. Nesse sentido, Hughes afirmava que “se a situação atual não é revertida vamos chegar num ponto insustentável”. No processo sinodal, o povo da Amazônia quer ser escutado, ter o direito de expressar sua palavra. Por isso, a Igreja tem que ser samaritana, “abrir os olhos e ouvidos para entender que há outra maneira de viver, pensar e atuar”, segundo Peter Hughes, que denuncia que na “Igreja não temos o jeito de ter uma linguagem simples”.
O Sínodo da Amazônia já foi um pedido, numa carta ao Papa Francisco, do II Encontro da Igreja Católica na Amazônia Legal, querendo mudar as coisas, procurar novos caminhos, como reconhecia Paulo Suess. Ele destacava alguns elementos que devem estar presentes na Igreja da Amazônia: coragem para caminhar por novos caminhos, participação do Povo de Deus, saber “perder” o tempo desde a proximidade, encarnação como inculturção, um rosto amazônico de uma Igreja pós-colonial, instinto de fé do Povo de Deus, com ministérios da Igreja local que surgem de um processo de escuta. Tudo isso deve provocar o protagonismo dos povos indígenas, ainda mais desde a constatação que não são formalmente escutados, um rosto amazônico da Igreja e um novo estilo de vida.