Rosemary Fernandes da Costa

É preciso desaprender para aprender e acolher a novidade na história

Podcast Outro Papo de Igreja, do Serviço Teológico Pastoral

Já observaram como, muitas vezes, diante de novas narrativas, de novos conceitos que nos são apresentados, há uma tendência a dizer ‘eu já sabia’, ‘nós já fazemos isso com outro nome’, ou seja, de dizermos que para nós não é novidade e, com isso, não há nada a modificar. 

Essa é uma lógica muito própria da condição da modernidade em que estamos inseridos: o novo não é novo, ou não é tão novo assim, é o antigo com novos nomes. Por que será que isso acontece? Podemos elencar muitas hipóteses. Por exemplo, pela própria dificuldade de modificar crenças e práticas, ou pela condição humana que nos faz naturalizar o ‘já conhecido’ e nos fecharmos ao ‘desconhecido’, ou ainda pelas incertezas que nos assombram diante de novos olhares, novas epistemologias, novas práticas. 

Em 2009, o teólogo Victor Codina, escreveu sobre a importância de ‘desaprender’ algumas coisas a que estamos tão habituados que nos parecem naturais e estabelecidas. Neste artigo, Codina nos provoca a ‘aprender a desaprender’ algumas crenças, certezas, hábitos, que nos impedem de realmente experimentarmos a ventania da Ruah divina, sempre inusitada e provocante, mas também libertadora. 

Ousamos seguir o caminho de Victor Codina e, dialogando com a espiritualidade libertadora, pensarmos um pouco sobre o que estamos precisando ‘aprender a desaprender’, no campo da espiritualidade, das práticas pastorais e eclesiais, das formas subjetivas e comunitárias de vivência das fés. 

Vamos especialmente nos dedicar a um tema que o Papa Francisco vem trabalhando, nos conduzindo pelas mãos a uma metanóia, a um voltar-se às origens, não apenas das fontes cristãs, mas das fontes que nos trouxeram à vida, aos povos originários, à uma integração profunda entre pessoas-natureza-sociedade-cosmos. O tema que desejamos olhar, mesmo que de forma breve, será o da Igreja em saída. 

O tema da Igreja em saída assumiu centralidade nos discursos do Papa Francisco desde o início de seu pontificado. Ele está explicitamente denunciando uma crença que precisa ser desconstruída. É necessário desaprender que há uma Igreja estável, definida, ahistórica, permanente, como se a graça divina fosse sem tempo e sem espaço. Sim, é uma crença presente nas muitas tradições religiosas, que confunde a inspiração fontal com estado de permanência, que confunde fidelidade com passividade pastoral. 

A dinâmica de identidade e pertença à comunidade eclesial nos convoca a sermos atuantes, cidadãos ativos, criativos, motores de renovação e de conversão pois, movidos pelo Espírito. Mas, o que seria pensar de outra forma? Seria pensar em cidadãos sem o exercício da cidadania, que legitimam a clericalização e a hierarquia da submissão, e não da diakonia, do serviço. 

O Papa Francisco nos exorta e sairmos em missão, a sairmos de estruturas consolidadas que se retroalimentam na acomodação, nos mesmos discursos internos, que se fecham aos tantos gritos de sofredores e sofredoras espalhados por todo o mundo, que não ouve o sofrimento da Mãe Terra. O mandato missionário de Jesus é uma convocação a sair em missão. 

Sim, é possível que, ao ouvirmos esse novo clamor que nos chega pela voz do Papa Francisco, não percebamos o que é preciso desinstalar em nossas práticas pastorais e eclesiais. Essa pergunta precisa nos revolver, precisa revolucionar o que está acomodado e nos conduzir para fora, para as alteridades, para as muitas interlocuções presentes na história hoje mesmo. O Papa Francisco nos conduz para a missão, pois já sabemos as razões que nos enraízam no caminho cristão. É preciso, portanto, desaprender que apenas dentro da comunidade interna se realizam trocas, hermenêuticas, obras, orações, práticas pastorais. É tempo de darmos as mãos em todas essas dimensões. É tempo de aprendermos com as muitas tradições religiosas, com as muitas culturas, com as muitas possibilidades de pensar e de agir. É tempo de irmos ao encontro das confluências, assim como a água vai ao encontro dos rios, dos lagos, dos mares. Ela não deixa de ser água, ela vai se confluindo e abraçando a pluralidade cósmica. 

Mas, o que vai acontecer quando realmente sairmos em missão? Vai acontecer a descoberta de novos olhares, vai nos desinstalar e nos ajudar a vivermos em comum+união, vai questionar certezas e nos abrir para novos conhecimentos, vamos experimentar a dinâmica das culturas vivas, criativas e revolucionárias. Vamos nos reconhecer frágeis, incompletas e, por isso mesmo, abertos ao novo que vai chegar. 

Então, é preciso desaprender que em uma única comunidade eclesial se encontra a verdade absoluta. É preciso desaprender que memória e tradição são repetições conservadoras ou adesões silenciosas. Fidelidade e continuidade são diálogos com a própria revelação presente na história da humanidade. Portanto, ser fiel e perseverar na tradição não é um processo abstrato, é um processo histórico, assim como foi a encarnação do Verbo que se fez Carne. 

E, seguindo o convite que nos chega hoje do Papa Francisco, aprendermos juntos que revelação é acontecimento constante, é experiência comunitária, é interpretação histórica e que nos convida ao momento presente. Ser Igreja em saída é estar presente, se deixar atrair pela história e dialogar com os desafios que forem apresentados, não sozinhos, mas sempre em comunidade, porque a vida é comunitária. 

Convido o mestre Dom Hélder a nos inspirar neste caminho:

Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante.
Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada
de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo.
Mais importante que escutar as palavras
é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio.
Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo.

Dom Helder Câmara

O artigo do teólogo Victor Codina pode ser acessado aqui.

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