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Hilário Dick, uma vida apaixonada e apaixonante
Por Ir Joilson Toledo

Podcast Outro Papo de Igreja, do Serviço Teológico Pastoral

Hilário Dick, gaúcho de Santa Cruz do Sul, nascido em 12 de maio de 1937. Foi uma pessoa em relação a qual não há muito “meio termo”. Quem o conhecia e conviveu com ele, num geral ou amava ou detestava, queria perto ou queria estar bem longe. Alegrava-se em ouvi-lo ou queria que ele se calasse. Em fevereiro de 1957 entra no noviciado da Companhia de Jesus (Jesuítas). Chegou a participar da Ação Católica. Sua primeira paixão foi a literatura, e por causa desta encontrou a juventude, ou melhor, por causa desta os jovens o encontraram. Sim, talvez seja melhor dizer que os jovens o desinstalaram enquanto ele estava no Rio de Janeiro para fazer seu doutorado. Era no início da década de 70. Como ele mesmo diz em sua autobiografia “nasceu para a juventude aos 37 anos”! Aqui reside a primeira lição que Hilário deixa para todos nós: deixar que os jovens nos desinstalem. Acolher seus desafios, presenças e pedidos como Palavra de Deus, que interpela a Igreja, que pede posturas, escolhas, entregas…

Nosso guru esteve nos primórdios das articulações nacionais. Foi um entusiasta da articulação pastoral nacional e latino-americana. Sonhou e ajudou a sistematizar a proposta de evangelização da juventude para o continente. Na década de 1980 esteve mais próximo das específicas (Pastoral da Juventude Estudantil, Pastoral da Juventude Rural, Pastoral da Juventude do Meio Popular). Acreditava na importância de evangelizar a juventude a partir de seu meio específico. Com seu jeito intenso, muitas vezes até questionou e confrontou a Pastoral da Juventude (PJ). E mais uma vez Hilário nos testemunha que é nos momentos difíceis que se reconhecem os grandes amigos. Na medida em que o cenário nacional mudava, ele se tornou “voz dos sem voz”. Defensor de quem estava esquecido. Com a imprudência típica dos apaixonados defendeu com seus textos, assessorias, postagens e falas uma proposta pastoral-pedagógica, um projeto político e teológico que ele não só acreditava, mas que fez de sua vida um grande testemunho: uma Igreja pobre e serva, uma pastoral da juventude orgânica constituída a partir de pequenos grupos, que vivem a relação fé e vida num itinerário de educação que entende a pessoa humana como um ser integral, num protagonismo juvenil onde o acompanhamento tem um lugar fundamental.

Em sua relação com a Palavra de Deus nos brindou com dois presentes. A partir da década de 1990 sistematizou um estudo sobre os jovens na Bíblia que desembocou em duas obras. Um conjunto de roteiros de reunião de grupo de jovens intitulado O Jovem na Bíblia e uma parte do livro Gritos silenciados, mas evidentes, que trata das pessoas jovens que se destacam na Bíblia. À luz das perguntas daquele momento e com os pés e o coração nos contextos eclesiais da PJ e das CEB’s, Hilário foi relendo os textos bíblicos entrevendo posturas e utopias. Assim, pessoas jovens do Antigo e do Novo Testamento foram apresentadas desde sua juventude.

No início do terceiro milênio nos presenteou com as intuições provocativas sistematizas em o Divino no Jovem neste livrinho, antes que o Documento 85 da CNBB e bem antes da Cristus Vivit do Papa Francisco nos ensinou a entender a juventude como uma realidade teológica: namoro, amizade, descoberta, festa, entre outras dimensões da juventude foram vistas como sinal de Deus. Ao olhar para as pessoas jovens podemos encontrar e acolher a Palavra de Deus. Assim, a juventude é Palavra de Deus endereçada para a Igreja e toda a sociedade na escuta, acolhida e convivência com os e as jovens podemos nos aproximar de uma Palavra de Deus que não encontramos em outro lugar. Há algo de genuíno dito nos e nas jovens.

Desta forma, Hilário ajudou os jovens a lerem a Palavra de Deus presente na Bíblia e em suas vidas. Desafiou a Igreja em suas estruturas a acolher a Palavra de Deus presente nos jovens. Com uma intensidade impressionante assessorou, ouviu, escreveu e incentivou a fazer o mesmo caminho. A exemplo de seu fundador, Santo Inácio de Loyola, quis viver “a maneira dos apóstolos”, contribuindo no discernimento dos que estavam ao seu redor, se preocupando mais com o Evangelho do que com “o próprio pescoço”.

Penso que ele deve estar, do céu, feliz com o rebuliço que causou estes dias. Sua páscoa nos aguçou a memória – e isso ele fez a vida toda. Como não lembrar deste “coração de menino cheio de esperança, voz de pai amigo e olhar de avô”. Hilário vive em tantos olhos que ele ensinou a ver o mundo – e a ver Deus no mundo. Hilário vive nos corações que ele ensinou a amar a Jesus, o Reino, os jovens, os pobres. Naqueles que aprenderam com ele a viver estes amores numa só paixão. Hilário vive silenciosamente em toda esperança teimosa de uma Igreja jovem, pobre e serva. Junto com Dorcelina, Dom José Mauro, Padre Gisley, Padre Florisvaldo, Lourival, Walderes e tantos outros e outras numa bela roda de conversa no céu segue tramando caminhos, acreditando nos jovens, torcendo para que estes dias nos ajudem a ver em partes o que eles veem face a face.

Por Ir Joilson Toledo

Ir Marista, Assessor da PJ na arquidiocese do Rio de Janeiro.

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