A este respeito, como mostra o Documento Preparatório do Sínodo para a Amazônia, “nos últimos tempos, surge uma nova situação, constituída pelos indígenas que vivem no tecido urbano; alguns reconhecidos como tais, e outros, que desaparecem nesse contexto e, por isso, são chamados “invisíveis”. O êxodo dos povos indígenas para as cidades tornou-se uma constante, resultado do crescimento desenfreado das grandes cidades da Amazônia.
Pode servir de exemplo Manaus, atualmente a maior cidade da Amazônia com quase dois milhões cento e cinquenta mil habitantes, mas em 1960, era apenas cento e setenta e cinco mil. Destes, cerca de trinta e cinco mil são declarados indígenas, segundo dados da Coordenação dos Povos Indígenas de Manaus e Meio Ambiente – COPIME. Pegando palavras do documento preparatório do Sínodo, podemos dizer que “cada um desses povos representa uma identidade cultural particular, uma riqueza histórica específica e um modo próprio de ver o mundo, e de relacionar-se com este, a partir de sua cosmovisão e territorialidade específica”.
No entanto, apesar das riquezas que eles contêm, os indígenas nas cidades são vítimas de discriminação e exploração na maioria dos casos. A grande maioria vivem nas periferias das cidades, onde enfrentam situações de desigualdade e muitas dificuldades para preservar sua cultura, língua e tradições, o que mostra que a vida dos povos indígenas da cidade nunca foi fácil. Muitos reconhecem que passaram fome, algo que não acontecia quando viviam em suas comunidades de origem, uma vez que a solidariedade e o cuidado mútuo sempre foram elementos presentes nas comunidades indígenas.
Da mesma região, em busca de melhores condições de vida, especialmente no campo da educação e saúde, chegaram membros do povo Kambeba, que por algum tempo vagaram em Manaus, mas que a falta de trabalho e meios de sobrevivência levou-os a se estabelecer a cerca de 50 quilômetros da cidade, onde hoje é conhecido como Aldeia Tururukariuka, localizada no município de Manacapuru. O mesmo pode ser dito dos habitantes da Aldeia Sipiá, onde indígenas Desano e Tuyuka vivem, originários da região do Rio Tiquié, na fronteira entre o Brasil e a Colômbia, que passaram por semelhantes situações a outros indígenas e também assim deixaram a cidade por falta de oportunidades para morar em uma ilha no rio Negro, uma hora distante de Manaus, onde a apresentação de danças indígenas para os turistas e venda de artesanato é a fonte de seu sustento, uma prática comum em várias comunidades da região.
Em todo caso, o que eles pedem às autoridades é reconhecer que existem indígenas na cidade e, como tal, serem protegidos pela lei brasileira, que garante educação e saúde diferenciada para os povos indígenas, independentemente do local onde vivem. Ao mesmo tempo, após anos vivendo em terras invadidas, prática comum na maioria das cidades brasileiras pela população mais pobre, que o lugar onde moram seja reconhecido como seu. Isto é especialmente grave em alguns casos, como denunciado pelos próprios índios, à medida que forem expulsos de suas casas por traficantes que os ameaçam, sabendo que não vai ser denunciado por aqueles que não têm um documento que demostra que a casa onde vive é sua.
Os próprios indígenas que vivem em Manaus tem muitas vezes, incluindo os organismos públicos, quando estão a reivindicar seus direitos, ouvir palavras duras, pessoas que os repreendem por ter ido à cidade para chorar por um pedaço de terra se eles já tinham o seu lugar nas áreas indígenas do interior. Junto com isso, eles são vítimas de engano contínuo e falsas promessas de políticos sem escrúpulos. Estes preconceitos fazem que hoje tenha jovens que vivem em ambientes urbanos e não quer ser indígena, dizendo que seus pais são indígenas, mas eles não, resultado dessas atitudes em que eles se sentem rejeitados pelo ambiente ao seu redor.
A este respeito, é importante destacar o trabalho que a Igreja Católica está realizando em relação aos povos indígenas, uma atitude que é reconhecida e apreciada por essas pessoas como um cacique da Comunidade Indígena Tikuna Wotchimaücü, que afirma que “graças a esses colaboradores, hoje estamos aqui. Eles nos passaram a informação para ser indígena na cidade”. Quando ele fala de colaboradores, se referia a Caritas Arquidiocesana de Manaus, a Pastoral Indígena da Arquidiocese de Manaus – PIAMA, que trabalha com a COPIME, ou Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental, dos Jesuítas. São eles que os acompanham em suas reivindicações perante os órgãos públicos, a fim de resistir em meio à selva de concreto em que se deparam com perigos bem maiores do aqueles que eles encontraram na floresta de suas origens.
Caritas, através do Diácono Alfonso Oliveira, membro da diretoria da organização, reconhece que “quer estar presente entre os povos, entre as comunidades que estão sendo ameaçadas, destacando a importância deste processo histórico de resistência dos povos indígenas, apesar de estar longe de seus locais originais “.
Segundo Marcivania Sateré Mawé, Presidente da COPIME e parte da PIAMA, eles apoiam “a luta pelos direitos dos povos indígenas, que é a luta pela terra, o direito de viver nestas terras, a luta por uma educação diferenciada que contemple, valorize e reconheça a importância dos conhecimentos tradicionais, da medicina tradicional, do pajé, da parteira, que valorize as culturas e línguas indígenas nas escolas de ensino regular”.
O Sínodo para a Amazônia, a partir das reflexões apresentadas no Documento preparatório e da realidade dos povos indígenas que está aparecendo neste momento de escuta sinodal, certamente pode ser um elemento chave para ajudar a tornar mais presente àqueles que hoje são invisíveis nas selvas de concreto.