CEBs, Fé e Política

Intrometendo-me na conversa de Ruan com Frei Betto

Podcast Outro Papo de Igreja, do Serviço Teológico Pastoral

Por Jung Mo Sung

Motivado pelo artigo corajoso e inspirador de Ruan de Oliveira Gomes, “Pois é, Frei Betto”, resolvi, sem receber convite, participar dessa conversa.

Se Frei Betto tem cabelos brancos e Ruan tem cabelos pretos, eu quase não tenho cabelos e os que ainda restam são uma mistura de preto e branco. Sou da geração do cristianismo de libertação que leu com paixão livros de Gutierrez, Assmann, Comblin e outros e viu com tristeza a queda do Muro de Berlim e a diminuição do entusiasmo da igreja com as comunidades de base e as práticas e pastorais de libertação.

Tomo a liberdade de tratar Ruan pelo primeiro nome porque, mesmo sem o conhecê-lo pessoalmente, sinto me companheiro da mesma luta e da mesma tradição de cristianismo de libertação. E do artigo (ou carta) dele, quero destacar três pontos para a conversa.

A primeira é o tema do fim das metanarrativas e a pouca presença dos jovens no encontro “12º Encontro Nacional de Fé e Política” (em Belo Horizonte, de 5 a 7 de abril de 2024), fato comentado pelo Frei Betto. Nenhuma sociedade vive sem uma metanarrativa que lhe dê sentido e a direção a seguir. Isto é, sem um mito que mobilize a sociedade. O que aconteceu é que as metanarrativas da modernidade (especialmente a do mito do progresso), em particular da esquerda, perderam a capacidade de aglutinar grupos e foram substituídas pela metanarrativa/mito do “mercado livre” do neoliberalismo ou, nos grupos críticos, um outro tipo de mito (por exemplo, o da política de identidade). E qual é metanarrativa que moveu e ainda move a esquerda cristã de “cabelos brancos”? Que Deus está conosco e que a libertação dos pobres está garantida e vai chegar? Mesmo que demora, chegará? Parecido com a certeza dos “crentes” de que Jesus vai voltar?

O problema dessa “fé” na libertação plena é que não nos permite ver a realidade histórica contraditória e, o mais importante, ver os sinais de libertação, parciais, mas libertações concretas, na nossa história. (Quem tem réguas muito grandes ou não corretas não consegue avaliar o objeto.) Para vermos esses novos sinais (que na TL chamávamos de sinais do Reino de Deus entre nós) precisamos de novas teorias, sociais e teológicas. Pois a realidade não é vista, mas interpretada; isto é, passa pela linguagem e estrutura teórica. Talvez, entre os motivos de pouca presença dos jovens no encontro e do próprio discurso do “Fé e política” seja que o mundo e a cultura dominante mudaram e não temos uma nova metanarrativa para interpretar e mobilizar os grupos.

Isso nos traz ao segundo tema, a pergunta de Ruan: “Ainda há teólogos da libertação?” Objetivamente, temos muito menos do que antes. Uma boa parte de teólogos/as jovens na perspectiva crítica na América Latina está escrevendo na linha da teologia decolonial (alguns usando o nome de decolonial ou pós-colonial), mas poucas na linha da TdL. Sem entrar em discussão aqui as diferenças entre as duas teologias latino-americanas, temos poucas produções teológicas na direção do que a primeira geração da TdL apontou: uma reflexão teológica crítica sobre a práxis de libertação dos pobres e das vítimas das relações de opressão.

Sem essas interpretações teológicas e uma linguagem de fé para dar sentido e motivação espiritual para a luta, o cristianismo de libertação vai viver um tempo difícil. E o tempo difícil exige coragem.

A coragem não nasce da razão, mas da esperança e dos sonhos. Isso tem a ver com a última frase do texto de Ruan: “Se a juventude não sonha, a culpa [se há culpa] não é da juventude”. Não há juventude sem sonho; um jovem, em profunda crise, pode viver um tempo sem sonhos, mas não pode viver normalmente sem sonhos. O que acontece muitas vezes é que os jovens sonham um sonho diferente dos velhos. E, em outras vezes, os sonhos podem ser parecidos, mas sonhados em linguagens e símbolos diferentes. Neste caso, cabem a teólogos/as o papel de “psicanalista” para ajudar (a) as comunidades a expressar os seus sonhos em linguagens compreensíveis para si próprio e para outras comunidades e (b) aprender que sonhos não são desejos plenamente realizáveis. Em outras palavras, amadurecer espiritualmente para compreender o seu sonho, agir no que é possível realizar e manter a fé na tensão entre o historicamente possível e a esperança escatológica.

Por fim, uma sugestão para Ruan e outros jovens que lutam, algo que aprendi com Comblin: “Uma nova geração pode abandonar a tarefa inacabada da geração anterior e começar outra obra que deixará também inacabada. A história humana é feita de obras inacabadas. Não podemos ter a ambição de pensar que as gerações seguintes vão simplesmente continuar o que fizeram as gerações anteriores. Isto não pode impedir o movimento em vista das mudanças necessárias” (Retomar a Teologia da Libertação na América Latina. São Paulo: Cepis, 2007, p. 30).

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