Por Pe. Adroaldo sj.
“Quando vier o Espírito da Verdade, ele vos conduzirá à plena verdade” (Jo 16,13)
Uma das expressões mais constantes nos discursos e na prática do Papa Francisco é o apelo a viver a “cultura do encontro”, inspirado na comunhão intra-trinitária:“Vivei a mística do encontro: a capacidade de ouvir atentamente as outras pessoas; a capacidade de procurar juntos o caminho, o método, deixando-vos iluminar pelo relacionamento de amor que se verifica entre as três Pessoas divinas e tomando-o como modelo de toda a relação interpessoal”.
Na contemplação da Encarnação dos Exercícios Espirituais, S. Inácio nos convida a imaginar a Trindade que, com seu olhar compassivo, acolhe “a grande extensão e a curvatura do mundo” com um abraço apertado e decidido, de tal maneira que nada do que é do mundo é deixado para trás, evitado ou negado.
O que aconteceu no mistério da Encarnação é algo surpreendente e cheio de novidade.
A decisão da “humanização” de Jesus brota das entranhas do Deus Comunidade de amor: “ver e considerar as Três Pessoas divinas…”. Ao se revelar Manancial e Fonte de nossa humanidade, não é mais possível crer que o Deus Uno e Trino seja nosso rival, mas amigo; não é possível mais aceitar que Ele seja insensível, mas providente; que seja nossa ameaça, mas alívio; que seja nossa diminuição, mas plenitude; Ele não é o “juiz distante” mas o “Deus encontro”, fonte de nossa liberdade…
Inspirados na linguagem da “Contemplação da Encarnação”, contemplamos, com o olhar da Trindade, nosso mundo fragmentado, vendo as diversidades em conflito que geram o sofrimento, a exclusão, a morte e os infernos… E esses espaços e fronteiras são cada vez mais extensos e problemáticos; mas, nas profundezas de todos esses “mundos que nos são estranhos” se revela a presença do Filho de Deus “novamente encarnado” (EE. 109). Pois tudo foi alcançado e redimido pelo amor encarnado de Deus.
O mistério da Trindade Amorosa nos conduz à contemplação da realidade na qual vivemos e nos inspira a uma proximidade e um conhecimento mais profundo do “mundo” para o qual somos enviados.
O mais importante nesta festa que estamos celebrando, seria purificar nossa idéia do Deus-Comunhão-de-Pessoas e ajustá-la cada vez mais à realidade que d’Ele Jesus nos quis transmitir.
Jesus nos ensinou que, para fazer uma verdadeira experiência de Deus, o ser humano precisa aprender a olhar dentro de si mesmo (Espírito), olhar os outros (Filho) e olhar o transcendente (Pai).
Jesus não pregou a Trindade, mas abriu o caminho que conduz ao Pai e nos legou seu Esspírito.
Na realidade, a experiência dos primeiros cristãos é que a Trindade podia ser, ao mesmo tempo e sem contradição: Deus que é origem, princípio, fonte de tudo (Pai); Deus que se faz um de nós (Filho); Deus que se identifica com cada um de nós (Espírito). Estão nos falando da Trindade que não se fecha em si mesma, mas pura relação que transborda e se visibiliza na criação inteira, fazendo de cada ser humano sua morada. Deus é sempre Trindade, comunhão de Três Pessoas divinas, pelas quais circula toda a torrente de Vida Eterna.
Também S. Agostinho assim sintetizou esse mistério trinitário: “Aqui temos três coisas: o Amante, o Amado e o Amor”; um Pai Amante, um Filho amado e o vínculo que mantém unidos os dois, o Espírito de Amor.
Sendo presença visível desta Comunidade de Amor, Jesus quer que entremos nesse mesmo fluxo do Amor, expansivo e vital.
A festa do Deus-Trindade, do Deus dos encontros, é especialmente significativo para a o contexto atual, carregado de desencontros, de rupturas e profundas divisões; para quem crê na Trindade, os vínculos, a comunicação e a partilha são especialmente significativos; quem se deixa habitar pela Trindade, acolhe a diversidade e a reciprocidade como nutriente de sua maneira de estar e de viver no mundo; entrar no fluxo de vida da Trindade significa comprometer-se com a vida e não com a cultura de morte; trabalhar com a Trindade implica viver em rede humanizadora, valorizando a solidariedade, a colaboração e a interdependência. Todos esses valores, com suas luzes e sombras, são uma boa porta de entrada para iniciar-nos no conhecimento do mistério do Deus-Trindade anunciado por Jesus.
O Deus comunhão, que se revelou em Jesus, fundamenta e ilumina a dignidade e liberdade do ser humano, e o capacita a viver relações e interações transformadoras na vida social e na igreja. O Deus dos encontros suscita práticas de diálogo e de reciprocidade no amor, na acolhida e na potenciação da diversidade como riqueza.
Na contemplação do Pai, do Filho e do Espírito, aprende-se a amar, a relacionar-se, a sentir-se família com todos. Como Pai bom que, no regresso do filho, o abraça com ternura, o cobre de beijos e lhe oferece o perdão gratuitamente. Como o Filho que se inclina para lavar e beijar os pés de cada ser humano, e se entre-
ga como serviço. Como o Espírito que incita e sustenta com seu amor o ser humano, que é vínculo de união, criação e dinamismo, liberdade, fonte do maior consolo, luz na obscuridade, bálsamo para as feridas, criatividade e audácia na missão.
Portanto, a contemplação do mistério do Deus Trindadeativa em nós uma “maneira trinitária de ser e de estar” no mundo; nossa presença e nossa missão fazem do mundo em que vivemos um lugar transparente, santo e luminoso em Deus. A Trindade nos expande e nos lança em direção ao mundo, à humanidade, nos faz mais universais e nos capacita para sermos “contemplativos nos encontros”.
Na espiritualidade cristã, quem experimenta o encontro com a Trindade, Fonte de vida e amor, começa a “ver” os homens e as mulheres no mundo como a Trindade mesma os vê. Precisamente por ter-se encontrado com a Trindade-Comunhão, a pessoa torna-se mais “encarnada” na realidade e mais comprometida com os irmãos e irmãs no mundo, sobretudo com os mais pobres, os mais sofridos e excluídos; é aquela que mais se compromete com a justiça e é a que mais desenvolve uma criatividade eficaz na história, com obras que nos surpreendem.
Desde o princípio, fomos criados para o encontro; somos seres comunitários: vivemos com os outros, estamos com os outros, somos para os outros… Somos filhos(as) do encontro e do diálogo e realizamo-nos quando permanecemos em comunhão uns com os outros, na medida em que nos encontramos e nos amamos. “Ser” significa “ser com”, ser com os outros; existir significa co-existir. Nessa co-existência buscamos ansiosamente e descobrimos a nossa identidade.
Fomos criados “à imagem e semelhança” do Deus Trindade, comunhão de Pessoas (Pai-Filho-Espíri- to Santo). Quanto mais unidos somos, por causa do amor que circula entre nós, mais nos parecemos com o Deus Trindade. “Se nos amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós e o seu Amor em nós é perfeito” (1Jo. 4,12). Deus colocou em nossos corações impulsos naturais que nos levam em direção ao convívio, à cooperação, à acolhida, à solidariedade…
Neste novo tempo, a Trindade Santa chama cada um de nós a uma maneira mais aberta e livre de nos rela-cionar com todos aqueles que são os “outros”. Afinal “somos pessoas para os outros e com os outros”.
A cultura do mundo no qual agora vivemos requer outro tipo de ascética: uma ascética de encontros.
Construir a cultura do encontro passa pelo esforço e aprendizado de sair de si para entrar em relação com a diversidade. Ante um mundo global, diverso, multicultural, qualquer tentativa de homogeneização e uniformidade está fadada ao fracasso. Descobrir que a riqueza está na diversidade é a base sobre a qual se parte para a destruição dos muros e a construção de pontes que facilitem o encontro. Isso não significa perder os próprios valores e a identidade cultural; pelo contrário, quando somos conscientes de nossa própria identidade é quando nos tornamos capazes de entrar em relação com o outro que pensa, sente e ama de maneira diferente. Afinal, “só corações solidários adoram um Deus Trinitário”.
Textos bíblicos: Jo 16,12-15
Na oração: “Trindade Santa, para descobrir tua proposta original, ensina-nos a contemplar o mundo inteiro com o teu próprio olhar, respeitoso e fiel à nossa realidade” (Benjamin Buelta).
– Sentir-se olhado pela Trindade (impacto na própria interioridade, como Maria);
– Olhar o mundo com o olhar da Trindade (universalidade);
– Evangelizar os sentidos, muitas vezes atrofiados e limitados, para que eles sejam mediação para viver encontros verdadeiramente humanizadores.
Foto de capa: Site Terra Boa