O natal é a celebração do nascimento de Jesus: “A Palavra de Deus que se fez carne e veio morar entre nós” (Jo 1,14); o Emanuel – “Deus conosco” (Mt 1, 23) que veio trazer a salvação, como indica o nome Jesus: Deus salva (Lc 1, 31). E os evangelhos narram essa salvação se concretizando na vivência do amor fraterno, até com os inimigos, especialmente com os caídos à beira do caminho, os pobres e marginalizados. Jesus mostra como o amor a Deus é inseparável do amor ao próximo e como nosso amor ao próximo é critério e medida de nosso amor a Deus. Nisso consiste a Boa Notícia do reinado de Deus anunciado/realizado por Jesus: Quando Deus reina sobre um povo, reina a fraternidade, a justiça, a misericórdia e a paz. E isso é uma Boa Notícia sobretudo para os pobres e marginalizados deste mundo.
Infelizmente, o natal tem sido cada vez mais associado a mercado. É um tempo bom para o comércio. Tempo de comprar e dar presente. A imagem de “papai Noel” tem se tornado muito mais presente e representativa do natal que o Menino Jesus na manjedoura. Mas há uma diferença fundamental entre Jesus e papai Noel: Jesus anuncia e instaura a justiça do Reino que é Boa Notícia para os pobres e marginalizados e escândalo para os ricos e poderosos; papai Noel movimenta o mercado que enriquece cada vez mais os ricos e exclui os pobres. Se no reinado de Deus há lugar para todos os que queiram viver como irmãos, a começar dos últimos da sociedade; no mercado só há lugar para quem tem o que vender ou comprar. Enquanto Jesus movimenta a sociedade em função da fraternidade, o mercado movimenta a sociedade em função do lucro, transformando tudo em mercadoria – até a religião, o natal…
Mas para muitas pessoas religiosas parece não haver contradição entre Jesus e papai Noel ou entre o reinado de Deus (lógica da fraternidade) e o mercado (lógica do lucro). Por isso não se escandalizam ou nem se sentem incomodadas com o fato de a imensa maioria da população brasileira se declarar cristã (católica ou protestante) e o Brasil ser o país com a 2ª maior concentração de renda do mundo: 1% mais rico concentra 29% da renda total. Já quando se trata do Índice de Desenvolvimento Humano, o Brasil ocupa a 79ª posição no ranking mundial. Não percebem que isso é fruto de uma sociedade organizada em função do lucro e não em função da fraternidade e que o verdadeiro senhor dessa sociedade é o Mercado e não Jesus Cristo.
Celebrar o natal de Jesus Cristo é ir na contramão dessa sociedade de mercado que transforma tudo em mercadoria, que identifica felicidade com consumo e que faz do lucro o valor e o objetivo supremos da vida. É voltar às galileias/periferias e assumir a causa dos malditos/amaldiçoados desse mundo. É cultivar uma cultura da solidariedade. É movimentar a sociedade em função da fraternidade. É defender os direitos humanos. É fortalecer os movimentos populares nas lutas por direitos e justiça social.
Numa sociedade que marginaliza e exclui tanta gente é preciso voltar às periferias e fazer ecoar de novo (com a própria vida!) a Boa Notícia que vem do Céu: “Nasceu para vós um salvador, que é o Cristo Senhor”!