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O Ser humano histórico-individual (5)

Podcast Outro Papo de Igreja, do Serviço Teológico Pastoral

No Ser humano histórico-individual as dimensões da corporeidade, bio-psiquicidade e espiritualidade ou pessoalidade – que são dimensões “sexuadas” – inter-penetram-se (misturam-se, confundem-se), inter-dependem e inter-agem na unidade. Podem ser, logicamente, distinguidas, mas nunca, na prática, separadas

A “corporeidade” nunca é só corporeidade (natural), mas é sempre corporeidade bio-psíquica e espiritual ou pessoal (corporeidade “humana”); a “bio-psiquicidade” nunca é só bio-psiquicidade (natural), mas é sempre bio-psiquicidade corpórea e espiritual ou pessoal (bio-psiquicidade “humana”); a “espiritualidade” ou pessoalidade nunca é só espiritualidade ou pessoalidade (desincarnada), mas é sempre espiritualidade ou pessoalidade corpórea e bio-psíquica (espiritualidade ou pessoalidade “humana”). 

Nas relações com os outros/as – relações individuais ou inter-individuais (que – como vimos – sempre acontecem numa sociedade historicamente determinada) – o Ser humano individual é, antes de tudo, “presença”

“O termo ‘presença’ deriva de ‘pré-ser’ (prae-esse), que significa ‘estar diante de alguém’. A ele liga-se também o presente temporal (passado – presente – futuro). A presença diz respeito só e unicamente a Seres humanos. As coisas não estão presentes. Elas estão simplesmente lá. As coisas nem estão ausentes, mas estão ou não estão aí. O mesmo uso linguístico mostra, portanto, a percepção da especificidade da presença humana. Aquilo que caracteriza a presença humana e a distingue do presente cronológico (tempo objetivo e matemático) e espacial (por exemplo, um cão na casa, uma árvore diante da porta) é a orientação aos outros Seres humanos” (GEVAERT, J. Il Problema dell’Uomo. Introduzione all’Antropologia filosofica. Elle Di Ci, 19814, p. 73-74).

A primeira e mais fundamental forma de presença do Ser humano individual (ser consciente de “ser-no-mundo”, “ser-com-o-mundo”) é o fato que todo Ser humano individual vivente pertence ao gênero humano, à espécie humana. Encontra-se, por isso, num contexto de comunicabilidade e reconhecimento. Ele precisa ser tratado como Ser humano individual (não como coisa). Ele é um possível interlocutor de todos os outros Seres humanos individuais. 

A segunda forma de presença do Ser humano individual é o fato da pertença a uma sociedade concreta (formação social), a um grupo humano concreto que vive num determinado ambiente sócio-econômico-político-ecológico-cultural-religioso (Cf. Ib., p. 74).    

A terceira forma de presença pode ser caracterizada como “presença benévola, presença de amor: isto é, vontade de responder, de amar, de promover o outro; e isso não em abstrato, mas no efetivo assumir os problemas do outro. Esta forma de presença orienta-se diretamente ao tu do outro e se traduz em atenções cuidadosas, fidelidade, criatividade, previdência e providência. Esta é, no sentido forte do termo, uma presença criadora” (Ib.).

Nas relações com os outros/as, o indivíduo experimenta também muitas formas de “ausência”. Toda existência (convivência) humana torna-se, assim, um misto de presença e ausência (união e separação, alegria e dor). A grande e fundamental ausência é, porém, a morte (passagem definitiva da história para a meta-história). Nela o indivíduo singular deixa (cessa) de “ser-no-mundo” e de se relacionar (comunicar) com os outros (voltaremos sobre o tema da morte). 

Nas relações com os outros/as, o Ser humano individual é ainda “expressão” (manifestação, revelação). Ele “exprime-se” (manifesta-se, revela-se) a si mesmo, em primeiro lugar, na realização ou não de suas possibilidades: corpóreas, bio-psíquicas e espirituais ou pessoais e, em segundo lugar, na utilização ou não das diversas formas de linguagem, que também são corpóreas, bio-psíquicas e espirituais ou pessoais (as expressões faciais, as maneiras de posicionar o corpo, de estar sentado, de caminhar, as manifestações afetivas, a comunicação de ideias pelo trabalho, pela palavra, etc.). 

No Ser humano individual, “a consciência que pensa o objeto ‘em-si’ (natureza), deposita a significação que lhe confere na exterioridade da palavra; a consciência que pensa o objeto ‘para-si’ (liberdade), é ainda na palavra que encarna a significação de sua mais rigorosa autoposição. Dupla saída, duplo êxtase da consciência: aquele que manifesta a significação do ‘objeto’ e aquele que indica o sentido da ‘decisão’. A palavra circunscrita pelos conteúdos do mundo, e a palavra suscitada pelas iniciativas da liberdade. Dupla linha de intencionalidade, intersecando-se em cada plano da consciência e em cada projeção no discurso, no ‘logos’ pensado e no ‘logos’ proferido: a intencionalidade da coisa e a intencionalidade do evento, a palavra ‘natureza’ e a palavra ‘história’. 

Ora, o paradoxo da exterioridade da consciência no sinal não se explica, se o ‘para-si’ da consciência não se apresenta no Ser humano, dentro da unidade de um mesmo movimento, como para-o-outro, como comunicação”. 

E continua: “No Ser humano a consciência não é interioridade absoluta, puro espírito. Ela se dá a si mesma um corpo: não é o corpo-objeto, sujeito às causalidades físicas e biológicas, mas o corpo em permanente gênese de significação, o corpo do gesto, da palavra, do sinal em suma. A consciência, no Ser humano, é essencialmente anunciadora: ela proclama, invoca, define. Tal condição estaria condenada a uma total ininteligibilidade, se a face da consciência que se prolonga na exterioridade do sinal não fosse voltada para outra consciência, não projetasse, ao descobrir-se, o espaço humano da comunicação” (VAZ, H. C. de Lima. Ontologia e História. Duas Cidades, 1968, p. 274-275). 

Enfim, podemos concluir estas reflexões dizendo que “o verdadeiro valor espiritual (portanto, também, corpóreo e bio-psíquico) do indivíduo depende do valor de suas relações reais” (MARX, K. e ENGELS, F. A Ideologia alemã – I Feuerbach. Hucitec, São Paulo, 19865, p. 54). 

Obs.: Por achar que os “bens” são bons, mas que a “riqueza” indica uma relação desigual, injusta, desumana e antiética para com os “bens”, no texto citado – mantendo seu sentido figurado – troquei a palavra “riqueza” pela palavra “valor”). No próximo artigo, começaremos a refletir sobre o Ser humano meta-histórico.

Marcos Sassatelli, Frade dominicano

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

https://freimarcos.blogspot.com

Goiânia, 04 de setembro de 2024

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