A Igreja tem realizado seminários nos últimos anos sobre essas temáticas, no propósito de assumir “novos compromissos à luz das ameaças e daquilo que nos interpela, à luz daquilo que já temos feito e estamos também celebrando”, como reconhece Dom Mário Antônio da Silva, bispo de Roraima e Presidente do Regional Norte 1. Ele insiste em que “em tudo isso, o que está em causa são os povos da Amazônia, a vida humana, que queremos que seja defendida em todas as suas fases e lugares, libertando a vida humana de toda e qualquer ameaça que destrói a possibilidade de felicidade e de bem-estar”.
O reitor de Seminário Interdiocesano de Manaus, Padre Zenildo Lima, participante da assembléia e destaca o fato de que “nós fizemos destas questões uma pauta, a gente percebeu que a realidade é gritante, que ela existe e que começam alguns sinais de articulação”. Nesse sentido, tem-se dado “uma atenção pastoral mais sistemática, embora com muitas lacunas, para com as populações indígenas presentes, seja nas aldeias como também da grande população indígena presente e dispersa no centro urbano que é a nossa capital. A pastoral indigenista, ou ações pastorais com os indígenas têm sido um passo mais expressivo além de ter retomado essa pauta”.
Junto com isso, no diz respeito ao meio ambiente, o Padre Zenildo Lima, destaca a importância dos “seminários sobre a Laudato Sí e os desdobramentos desses seminários em nossas Igrejas locais e nos nossos organismos”. Mas o grande desafio é o tráfico de pessoas, uma questão que “é bem mais discutida e percebida aqui na nossa Igreja do regional”. Nesse sentido, destaca o seminário realizado recentemente como uma conquista.
Em comunhão com o Papa Francisco, recolhido na Laudato Sí, e com o Sínodo da Pan-Amazônia, Dom Mário Antônio reconhece que “assumimos o Evangelho da criação, o cuidado da Casa Comum, e de maneira muito especial a ecologia integral, que prioriza o ser humano, as comunidades e povos originários, para que tenham vida e vida em abundancia”. Por isso, continua o bispo, “a preparação para o Sínodo da Amazônia, convocado pelo Papa Francisco, nos coloca com muita alegria na perspectiva, neste momento, de uma escuta, escuta das bases, das comunidades, especial dos povos indígenas e também de outras comunidades e povos originários da nossa Amazônia, não somente da Amazônia brasileira mas de toda a Pan-Amazônia”.
Esse processo sinodal “está sendo um processo que está nos unindo bastante e está nos dando a sensibilidade de poder escutar os sujeitos da Amazônia, que são os povos e comunidades tradicionais. A nossa expectativa é que essa escuta nos motive para a vivência do Sínodo em outubro de 2019 com muito vigor e esperança de realmente, para a Amazônia, novos caminhos de evangelização e uma ecologia integral séria, profunda para a Amazônia e para o mundo”.
Ao falar do Sínodo, o Padre Zenildo Lima, reconhece sua preocupação, “porque parece que boa parte de nós, agentes locais, estamos esquecendo que nós somos os grandes agentes do Sínodo. Tenho escutado muitos discursos à respeito da expectativa do que o Sínodo vai dizer para nós e me parece que o que nós temos a dizer para o Sínodo, escutando partilhas nesta assembléia, a gente percebe como existe muita coisa bonita acontecendo, que tem avançado também”. O reitor do Seminário Interdiocesano de Manaus, vê o Sínodo como “uma ferramenta muito importante porque tem-nos possibilitado a um olhar mais atencioso para nós mesmos, a nos perceber como Igreja e a nos perceber como sujeitos”.
Para o Padre Zenildo, “em tempos de Sínodo, o importante é que estas causas vão sendo cada vez mais assumidas como uma temática pastoral. A evangelização na Amazônia tem um rosto muito concreto, é cuidado das populações locais, da diversidade da vida e com a vida das pessoas que são machucadas e são desrespeitadas, traficadas, aqui na nossa região. Acho que o Sínodo escancarou as portas para essa problemática e está nos ajudando a reconhecer que o sujeito do enfrentamento a essas questões somos nós mesmos”.
Na assembléia do Regional Norte 1 estão tendo um papel em destaque os povos indígenas. Trinho Paiva, do povo baniwa, destaca a grande importância da terra, aspecto em que também insiste Messias Miranda da Silva, do povo muragwa. Segundo Trinho, essa importância da terra, faz que “nós valorizamos muito a questão da terra, das florestas, as montanhas, que são lugares sagrados para nós, porque nós acreditamos que a vida espiritual se faz presente, por isso valorizamos muito as águas, os igarapés”. Nessa mesma direção, o representante do povo muragwa, destaca a importância da luta pela terra. A mãe que conheço é a Mãe Terra, que me dá o alimento e uma garantia de tudo aquilo que a gente precisa”.
Os indígenas criticam o decorrer da história da humanidade, sobretudo o que faz referencia à privatização da terra, atitude própria do capitalismo, que trouxe o individualismo. Trinho Paiva, voltando às origens, enfatiza que “segundo nosso Deus Criador a terra é um patrimônio universal, todo mundo tem que ter acesso à terra”. Por isso, ele insiste em que “para nós indígenas a floresta é liberada, pode caçar, pode tirar frutas, nós não temos fronteiras. O homem branco chega e começa a dividir”.
Mesmo reconhecendo o apoio que hoje recebem os povos indígenas da Igreja, o indígena do povo baniwa, denuncia que “em São Gabriel, a chegada das missões foi um choque bastante grande, pois diziam que nossa cultura era diabólica. A gente perdeu parte do conhecimento que nós tínhamos, muitos rituais não foram mais praticados por isso. Depois entrou a religião evangélica, foi um caos, um desastre mesmo, os instrumentos musicais sendo jogados fora. A religião trouxe uma desunião bastante grande no nosso meio, o povo começou se dividir, criar intrigas”.
Junto com isso, Trinho Paiva insiste em que o contato com o homem branco “fez que a desunião se fortalece-se”. Tanto ele como Messias Miranda da Silva, criticam abertamente o governo brasileiro, que quer acabar com os povos indígenas. Por isso, se faz necessário unir as forças, contando com a Igreja católica como aliada, para começar a criar estratégias para isso, contra as ameaças, inclusive de morte, das mineradoras e dos turistas, caçadores e pescadores que invadem as terras indígenas. A crítica também é contra os indígenas que se deixam cooptar pelo governo e ficam do lado de onde está o dinheiro. Essa crítica também é contra a televisão, que vai introduzindo nas comunidades a cultura ocidental.
Nessa mesma perspectiva, Aldecimar Veiga Moura, do povo tukano, reconhece que “um grito pela vida está surgindo de todo o povo indígena”. Ela destaca o olhar diferenciado que a Igreja está tendo com os povos indígenas, uma atitude muito presente no processo do Sínodo da Pan-Amazônia. Por isso, Aldecimar afirma que “eu me sinto respeitada, eu me sinto valorizada”, uma dinâmica que, segundo ela, “nós queremos, mulheres, população, povos indígenas. Não esperamos nada mais que ser respeitado, ser valorizado, que a gente possa também lutar pelos nossos sonhos, pelo que a gente almeja para os nossos povos, para os nossos filhos, e para o mundo, já que a Amazônia é a que sustenta o Planeta inteiro”.
Falando do Sínodo e do que espera dele, a indígena do povo tukano, certamente influenciada por uma realidade local, onde a Eucaristia se torna momento raro, defende que “nós desejamos como leigas que pudéssemos ter também mulheres leigas consagradas que pudessem celebrar a eucaristia. Seria um avanço para nós leigas indígenas”.
Desde o Conselho Indigenista Missionário – CIMI, Luis Ventura, seu coordenador no Regional Norte 1, mostra vários desafios na caminhada da Igreja com os povos indígenas. O principal desafio, ou um dos principais desafios, de cara ao Sínodo, segundo Luis Ventura, “é o diálogo com os povos indígenas, um diálogo aberto, horizontal, de reciprocidade, de intercambio dos dons recebidos, que permita uma Igreja mais inculturada, mais encarnada, com maior protagonismo daqueles povos indígenas que se auto afirmam como católicos e fazem parte da nossa caminhada, mas também dar um passo a mais, no diálogo interreligioso, intercultural, de poder continuar crescendo em espiritualidade a partir desse diálogo com a sabedoria dos povos indígenas”.
Junto com isso, o coordenador do CIMI, destaca a necessidade de “abraçar a causa dos povos indígenas, suas lutas e formas de lutar, a defesa da terra, dos direitos, abraçar toda essa força com que os povos indígenas têm mostrado essa resistência e essa perseverança num momento que a gente sabe que aqui na Amazônia é um momento de séria ameaça à vida e aos territórios dos povos indígenas”. Junto com isso, um terceiro desafio é “junto com os povos indígenas procurar essas novas formas de convivência na perspectiva do bem viver, que de um lado é uma crítica ética a esse modelo capitalista e desenvolvimentista, mas de outro modo é uma alternativa, uma boa nova, um sinal de esperança para o mundo todo”.
Numa perspectiva de futuro, o Regional Norte 1 tem assumido algumas propostas de cara ao futuro. No que faz referência aos povos indígenas, a criação e fortalecimento da Pastoral Indigenista, um fórum regional para conhecer, favorecer e articular as questões indígenas, firmar a participação dos indígenas nas assembleias do Regional e um bispo referencial que acompanhe essa questão. Falando do Meio Ambiente, se vê necessário aproveitar os comitês da REPAM para criar a Comissão Regional para questões socioambientais que chegue nas bases na linha da Ecologia Integral. Por último, sobre a Migração forçada e Tráfico Humano, o trabalho deve ter como apoio principal a Rede Um Grito pela Vida, devem ser lembradas as datas importantes, e tem-se programado um seminário em 2020, assim como um encontro sobre migração e ver a possibilidade de criar a Comissão de Justiça e Paz.
Nessa mesma perspectiva de futuro, o Padre Zenildo Lima insiste em que uma das “lacunas que permanecem é a nossa dificuldade de trabalhar de um modo muito mais integrado. As nossas iniciativas são muito pontoais, muito localizadas, muito situadas, e a gente tem encontrado uma dificuldade de estabelecer como rede. Numa região com a diversidade e dispersão geográfica como a nossa esse trabalho de articulação, esse trabalho de rede, ele é fundamental”. Desde essa situação, ele reconhece que “demos passos pequenos, temos que caminhar, mas nós demos uma prova que nós temos uma capilaridade suficiente para enfrentar essas questões de modo muito mais sistemático, organizado e articulado”.