ColunistasRosemary Fernandes da Costa

Passemos à comunhão libertadora: “Eu sou porque nós somos!”
(princípio Ubuntu)

Podcast Outro Papo de Igreja, do Serviço Teológico Pastoral

A espiritualidade libertadora é caminho que nos conduz para um nível de diálogo e integração que não nos damos conta, pois ela dialoga com o passado, com o presente e com o futuro. Dialoga com os antepassados, com a ancestralidade e seus saberes, com as memórias que cada um e que todos nós trazemos. Ao mesmo tempo ela enraíza no presente, se depara com o cotidiano, com seus desafios, suas possibilidades, suas conquistas e novos desafios. Além disso, ela nos arremessa para o futuro, pois nos diz que o amanhã se faz no hoje, que o tempo presente é tempo de semear e fecundar o futuro. Tudo isso sagradamente alinhavado pela Graça de Deus que tudo orienta, integra e revoluciona.

O que passa pela nossa consciência tanto pessoal, quanto comunitária, é apenas parte de todo esse processo. E que bom que seja assim, para permanecermos no humus, na terra fecunda, na humildade da qual somos feitos e na abertura para todas as relações que nos cercam, convocam e provocam, seja com as pessoas, com a natureza, com a história, com a ciência, com o próprio Transcendente.

O Espírito nos convida à sintonia, a sintonizar caminhos, nossos e entre nós, ou seja, a entrarmos em profunda sintonia com todas essas relações e, deixar que o Espírito, ventania de Ruah, nos conduza. Ela, a Ruah, nos conduzirá para a escuta atenta, para o discernimento, e para as relações, em toda sua pluralidade e diversidade.

É nesse ponto que desejamos aprofundar nossa reflexão. Mais uma vez, convido ao discernimento entre a Divina Ruah e um outro ‘espírito’, muito presente e enraizado entre e dentro de cada um de nós, um ‘espírito’ que não nos conduz para o diálogo, e sim para o fechamento, um ‘espírito’ que anula diversidades, que leva ao isolamento, à arrogância, às separações e intolerâncias.  Um ‘espírito’ que divide e não que integra. Podemos dar muitos nomes a ele: individualismo, egocentrismo, colonização, isolamento, intolerância. O importante é estarmos atentos para este discernimento, conversemos um pouco mais sobre esta questão.

No cotidiano observamos, cada vez mais, pessoas isoladas. O que não chega a ser como o individualismo, pois é diferente, é como uma ausência de identidade pessoal, de autocompreensão e orientação existencial. É uma solidão de quem experimenta descuido, solidão, ausência de vinculação a pessoas, a causas, a razões de viver. Enfim, é o contrário do que nos conduz à realização pessoal e comunitária: as relações.

Podemos dizer que é uma profunda solidão existencial. Mas o que a espiritualidade libertadora provoca em nós? Sim, nos sentimos interpelados a um processo de transformação dessa realidade, um processo de conversão, de retorno do ser humano à dimensão relacional.

Estamos diante da necessidade de estabelecer vínculos, de construir pontes. A necessidade que surge é de articular a dimensão pessoal com a dimensão comunitária, entendendo que tudo na vida é relação e, portanto, não há como pensar a pessoa de forma isolada e, se isso ocorre, há uma perda do sentido do viver.

O monge Marcelo Barros se refere a este momento como um tempo marcado pelo desvínculo, provocando certa imunização, que é o contrário de comunhão. O vínculo é relação, se apoia na interdependência entre as pessoas, entre estas e o ambiente, é uma relação comunitária. A vida é mantida por meio da comunhão e não através do isolamento, da desconfiança (BARROS, M. A dimensão libertadora da espiritualidade na militância e na pastoral. In: Curso de Verão 2020).

Diante de um sistema que provoca isolamento, desconfiança, medo das relações, precisamos construir atitudes de confiança, diálogo fecundo, aproximação e não manutenção de fronteiras. Precisamos passar da imunização à comunhão. Mas o que é a comunhão? Do ponto de vista da experiência relacional, é quando eu aceito perder a imunidade, ou seja, quando eu me deixo tocar, quando estamos irmanados, de mãos dadas, ligados pela empatia e pelo compromisso ético.

Nosso convite, portanto, é estarmos atentos e compassivos a este tipo de motivação que nos isola, nos afasta, nos retira o esperançar, nos desmobiliza, enfim, compromete a espiritualidade de forma integral. Avancemos, assim, em práticas que conduzam ao diálogo, à conexão, ao vínculo, construir laços, conviver.

 

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