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Pedro Casaldáliga: Profeta pós-pandemia
Celso Pinto Carias, “mendigo de Deus”

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Não gosto de “tietagem”. Tirar fotos e pedir autógrafo com pessoas famosas ou de importância social não faz o meu feitio. Uma vez fui almoçar com uma amiga professora perto do trabalho e eis que encontro no restaurante o judoca Flávio Canto, que foi meu aluno na PUC-Rio antes de ser famoso. Meu filho gosta muito de judô.  Então, com muito custo, por causa do filho, fui até ele e pedi um autógrafo lembrando para ele que foi meu aluno. Ele gentilmente, graças a Deus, pegou um guardanapo e escreveu.

Em 1988, Dom Mauro Morelli acolheu um encontro chamado de “Encontro Latino-americano de Solidariedade”, na Baixada Fluminense, RJ.  Um grupo de jovens limpava o salão do encontro quando de repente passa DOM PEDRO CASALDÁLICA. E alguém diz: “Vamos tirar uma foto com ele!”. Não lembro quem pediu e nem quem tinha a máquina. Na foto estou eu no canto direito, a namorada que seria minha esposa no ano seguinte, Leu Cruz, no canto esquerdo; o amigo João ao lado de Leu, já falecido; Gelson, amigo das lutas partidárias até hoje; Regula, uma alemã que passou por aqui e nunca mais vimos; Marlúcia, muito próxima de nossa família até hoje, pequena no tamanho, mas grande no conhecimento da história da Baixada; e um rapaz que também não vi mais. Pedro prontamente, com um sorriso no rosto, aceitou nosso convite (foto).

Foi à primeira, e única, vez que estive perto de Pedro. Mas recentemente, já como professor de teologia, estive na Prelazia de São Feliz do Araguaia – MT, por três vezes, mas nunca na cidade de São Felix, e não foi possível visitar o combalido bispo. Lá a distâncias não são fáceis. Muita estrada de chão.

No encontro da foto, fiquei impressionado com a figura de Pedro. Pequeno como eu.  Uma grande simplicidade: nunca tinha visto um bispo de calça jeans.

Pedro ficou conhecido pelo seu profetismo. Lembrança justíssima. Nestes dias de seu funeral muito foi lembrado de sua coragem profética.  Mas gostaria, humildemente, de apontar em outra direção.

Sabemos que um profeta não é aquele ou aquela que adivinha o futuro. São pessoas que por sua unidade com Deus e extrema sensibilidade anunciam e denunciam situações nas quais a presença de Deus não pode ser reconhecida. Pedro denunciou o latifúndio, defendeu os indígenas, e anunciou uma “Terra sem Males”. Anunciou o desejo de unidade de uma “Pátria Grande”. Mas viveu, até a sepultura, uma vida que aponta para a superação da lógica mercadológica que predomina no mundo de hoje.

O pequeno bispo em estatura, mas grande em utopia, deve continuar nos interpelando, e hoje mais do que nunca. “Mudai de vida, mudai!”, dizia João Batista, “a voz que clama no deserto”. Quantos de nós estamos dispostos a mudar em direção a um mundo de não consumismo? A um mundo de harmonia com a natureza, com um estilo de vida minimalista? É importante denunciar? Muito importante. Mas se continuarmos a viver relações capitalistas, não será feita justiça à memória de Pedro. Sem relações de BEM VIVER este mundo continuará se afogando em ondas virulentas, e o pós-pandemia será apenas uma lembrança de um momento sombrio, uma gripe espanhola, mas não fará de nós, homens e mulheres dispostos a superar a crise civilizatória na qual estamos mergulhados/as.

A ressurreição de Jesus de Nazaré foi a ressurreição de um crucificado. A ressurreição de Pedro, evidente que possibilitada pelo Cristo, está a nos indicar o novo. É hora do novo. É hora de abraçarmos uma vida que reside em uma casa simples, que caminha junto do povo, que é semeada na terra, debaixo de uma grande árvore, e que abraça a condição humana em sua fragilidade como um grande sinal do AMOR que não se impõe pela força, mas se propõe como a singeleza dos poemas de Calsadálica.

 

 

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