Em carta recentemente enviada, o Papa Francisco nos convida à solidariedade, através da V Jornada Mundial dos Pobres, desta vez com o tema: “Sempre tereis pobres entre vocês” (Mc14,7). A carta chama a atenção para algumas particularidades: a atitude da mulher anônima e a resposta acolhedora de Jesus ao seu gesto; a falsa intencionalidade para com os pobres na atitude de Judas; e o convite de Jesus a uma conversão interior permanente.
A narrativa passa-se uns dias antes da páscoa, quando Jesus participa de uma refeição na casa de Simão, em Betânia. Uma mulher entra com um vaso de perfume muito “precioso” e o derrama sobre a cabeça de Jesus, diante do olhar ambicioso de Judas, que desdenha o ato da mulher como um desperdício, dizendo: “Por que é que não se vendeu este perfume por trezentos denários, para os dar aos pobres?”. Judas não estava nem um pouco preocupado com a situação dos pobres, mas com o dinheiro que, em vez de alimentar os pobres, poderia ser desviado para a sua sacola.
Ao acolher o gesto carinhoso da mulher, Jesus coloca-se como o verdadeiramente pobre, que antes de receber ajuda material, precisa ser acolhido, olhado, ouvido, cuidado, abraçado, amado. Ao mesmo tempo, Ele valoriza a atitude da mulher, que como sabe Jesus, representa as mulheres que não têm voz e reconhecimento, delegando-lhes uma missão evangelizadora: “Em verdade vos digo: em qualquer parte do mundo onde for proclamado o Evangelho, há de contar-se também, em sua memória, o que ela fez” (Mc 14,9). Mas Jesus vai mais longe com sua resposta: “Sempre tereis pobres entre vocês”. Ele chama para uma profunda conversão que vai na direção de um novo olhar para os empobrecidos. Um desafio que, segundo o Papa, deve levar a uma abordagem diferente sobre a pobreza, capaz de superar a distância entre o discurso e a prática, tão evidente na caminhada pastoral de nossas Igrejas. Se não formos capazes de enxergar “por trás das palavras”, a resposta de Jesus a Judas pode levar algum desavisado na fé, a achar que, “já que pobres sempre teremos, de nada adianta lutar” e assumir de modo conformista a sua naturalização. Também não é dado que sair da pobreza significa tornar-se rico. Assim, é fundamental compreender as tramas e as consequências do conformismo e atentar para os desafios que esta resposta de Jesus nos coloca. Trata-se de um desafio de ordem pessoal, mas também institucional.
Conformar-se é habituar-se com a realidade dos empobrecidos, achando natural o modo como vivem, ora engrandecendo-os em discursos vazios, nos quais são chamados de “irmãos”, ora responsabilizando-os por serem pobres. Não é raro ouvirmos, inclusive de pessoas que caminham conosco: “são pobres porque querem, pois trabalho tem”. O conformismo é uma praga que acelera a indiferença diante dos pobres, a ponto de torná-los invisíveis: eles estão ali, mas não são vistos. Também a mulher estava lá e não foi vista como pessoa, mas, sim, o produto que ela trazia. Aliás, na fala de Judas, alguma semelhança com os desvios de recursos das políticas sociais básicas, para atender interesses particulares? Como se justificam os terríveis aumentos na alimentação, no gás de cozinha, na energia elétrica e em tantos elementos fundamentais para a nossa sustento? Porém, quem mais sofre as consequências desses desvios são sempre os pobres.
O Papa lembra ainda que “Os pobres não são pessoas «externas» à comunidade, mas irmãos e irmãs cujo sofrimento se partilha, para abrandar o seu mal e a marginalização, a fim de lhes ser devolvida a dignidade perdida e garantida a necessária inclusão social”. Sabemos que a pobreza não é fruto do destino; é consequência da injustiça social fruto do egoísmo humano. Este é o desafio: Que lugar os pobres ocupam nas CEBs, nas Dioceses, nos serviços pastorais, nos planos de pastoral, nas instituições ligadas à Igreja? O que os pobres nos ensinam?