Por Ruan de Oliveira Gomes
Meus cabelos são pretos. Acho que isso já seja suficiente para uma apresentação e início de conversa.
Eu também estava no Fé e Política, ou ao menos em quase todo ele, e também me entristeci ao olhar para o lado e não me sentir representado em nenhuma mesa. Mas não ser representado é o menor dos problemas e talvez seja somente o sintoma de um problema muito maior.
Eu sou apenas um jovem e ainda me atrevo a te responder do lado de cá das lutas populares em prol da libertação. Eu estou do mesmo lado da trincheira, mas sinto que estou mais sozinho que a sua geração.
Talvez o senhor saiba que quase não há, nas nossas muitas juventudes, projetos a serem abraçados. Talvez alguém nos lembre o que Lyotard chamou de fim das metanarrativas e talvez alguém apressado venha dizer que esse é o motivo pelo qual você viu poucos jovens e muito cabelo branco naquele encontro, e pode ser que alguém nos recorde que nossos jovens estão enveredados até o pescoço em um tradicionalismo ou reacionarismo ora comendo e bebendo a cotidianidade da vida comum, sem fazer história, como nos recorda Samir Amin.
Isso tudo é verdade, mas eu quero alargar nossas reflexões e, sim, muitos das ideias da sua geração, ideias que construímos para fazer pastoral e movimentos com propostas políticas, já não tocam mais nossos corações e não dizem mais nada a nossos jovens. Se não breguices e cacofonias.
Encontros dessa natureza são feitos com quem e para quem? Vejo o 12º Encontro Nacional de Fé e Política como um encontro para demarcar um território, construir um caminho de organização e trazer à tona uma memória construída. Porque se ele quisesse fazer uma imersão na vida das juventudes, não seria feito nesses moldes.
Se a esquerda está acuada, isto deve-se porque ela se acuou e achou suficiente estar em clubinhos dos iluminados tecnocratas que não conseguem sair de suas discussões entre pares. O movimento Fé e Política sediar seu 12º Encontro num dos shoppings de Belo Horizonte é extremamente imagético e pouco acidental.
Do alto da Torre de Marfim, no símbolo do neoliberalismo, estávamos criticando o mesmo sistema enquanto muitos daqueles do encontro estavam indo embora em seus confortáveis assentos de Uber e os outros que conseguiram estacionar seus automóveis pagaram em um dia o que muitos dos nossos jovens ganham em um mês.
Sim, Frei Betto, eu concordo. Se a esquerda acuou, isso se deve à ausência da coerência entre práxis e teoria.
Sim, Frei Betto, eu também senti falta dos jovens e também me senti sozinho naquele e em muitos outros encontros (nada) populares que eu tenho participado. O fato de a esquerda “ainda ser a mesma” não me parece acidental, quando eu não vejo nenhum jovem dividindo a mesa e com a palavra falando das nossas lutas, esperanças e sonhos.
Não estamos porque não nos sentimos parte-com e esse sentimentos se dá pela falta de protagonismo dado a jovens e a seus coletivos. Embora houvesse jovens em grupos temáticos, isso é marginal. Queremos mais que estar, queremos ser respeitados e ser aquilo que somos.
Parece-me que muitos dos cabelos brancos até que querem falar com a gente, mas falar enquanto dinâmica própria dos cabelos brancos. Quer que os jovens entrem na dança e não querem entrar na dança deles.
Tratar sobre juventudes não é um adereço e o senhor sabe. Seria como chamar mulher para falar sobre ser mulher e jovem para falar como é ser jovem. Não é isso, e isso é muito pouco; é ver a partir destes corpos como correr a utopia e o entusiasmo de construção de alternativas globais.
Embora tenha tido uma fala circunstancial para demarcar a presença rarefeita de jovens, eu vejo poucos deles sentados ao lado dos gigantes que nos precederam na luta. Naquele e em outros momentos, enquanto a extrema-direita não somente dá esse espaço, como também o usa para chamar mais jovens para suas fileiras.
Sim, Frei Betto, respeitar a memória de vocês cabelos brancos é importante e esse respeito deveria comportar que fizéssemos e estivéssemos em muitos dos lugares que embora cerceados, são nossos. Não pedimos apenas falas circunstanciais, porque vocês também não estavam satisfeitos somente com falas circunstanciais quando os cabelos ainda não eram brancos.
Queremos falar das nossas utopias, que ainda trazem muitas das suas e dos outros cabelos brancos, mas que são as nossas e não uma extensão das gerações anteriores.
“Ainda há teólogos da libertação?” foi uma das perguntas que me fiz naquele e em muitos outros encontros que tenho participado.
Sim, Frei Betto. Nós somos poucos, mas ainda estamos aqui: as juventudes libertadoras que ousam sonhar apesar e contrária a muitos, inclusive gente do nosso lado e, se estamos aqui, isso se dá porque vocês nos inspiram.
Fiquei feliz de naquele encontro do Fé e Política encontrar muitos daqueles que são referências pastorais e de militância popular e queria mesmo ter contado para os meus amigos como foi interessante tudo aquilo, mas eles também não os conhecem. Já não há mais heróis a serem propagados e aqueles que se colocam para nós são tão estranhos que não os reconhecemos como referências. Há um problema geracional, mas há também um problema de linguagem.
Sim, Frei Betto, ainda estamos aqui, naqueles lugares populares que muitas das gerações passadas abandonaram. Não vejo as mãos de muitos cabelos brancos sujas, embora vejo e acompanho todas as críticas de como a sujeira é de rapina. Os cabelos brancos tiveram medo de sujar e calejar suas mãos de intelectuais, mas ainda estamos aqui. Seja em cursinhos populares, seja em assentamentos de terra, em pastorais sociais, em movimentos e coletivos.
Queremos aprender, não de forma financeira, se é que ainda nos lembramos de Paulo Freire. Mas também, ainda que jovens podemos ensinar, ocupar e ser.
Precisamos construir juntos, rever nossas práticas, ter a coragem de abrir espaços às novas lutas e participarmos da construção do futuro. Nossos cabelos, brancos ou não, denunciam o inverno que nos acomete. Ainda estamos no inverno, mas pode ser primavera se construirmos juntos e eu com meus cabelos pretos ainda acredito nisso.
Se a juventude não sonha, a culpa [se há culpa] não é da juventude.
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