Retomar a força do vínculo: para fora do sentimento de impotência

Vamos pensar um pouco sobre nosso sentimento de impotência? Coragem é preciso, até mesmo para estarmos diante dessa constatação, não apenas em nosso coração, mas quando trocamos ideias, sonhos, metas, com amigos e pessoas mais próximas. Nossos espaços de encontro, de diálogo e de conversas são os momentos nos quais depositamos nossas emoções, mas também perguntas, incertezas e alguns projetos. 

Como nos diz o querido Anselm Grün – “Uma conversa só nasce quando estou disposta a construir comunidade com a outra pessoa, quando realmente ouço profundamente e desejo conhecer e participar de suas experiências. A comunidade se faz na conversa, no diálogo que cria caminhos de fusão de horizontes”.

Estamos nos desafiando a voltar a sonhar, mas já sabemos que precisamos sonhar juntos. São estes sonhos que sonhamos juntos que nos dão alimento para caminhar nestes tempos que parecem cancelar projetos novos ao que está no centro e naturaliza-se a barbárie, o caos, a ausência total de humanização e seus caminhos éticos. 

Nos perguntamos ousadamente – Não pode ser só isso! – e própria fé nos caminhos sagrados nos conduz para essa afirmação. Mas, se não pode ser só isso, como podemos libertar os grilhões atuais tão fortalecidos por sistemas ideológicos cada vez mais sofisticados? 

Os caminhos de libertação hoje são desafiados à sua capacidade de visibilizar e fortalecer urgentemente os laços que existem entre nós – as experiências, as causas, as culturas, as existências, as diversidades em suas conexões. Sim, retomar a força do vínculo para nos sustentarmos na integração de sonhos, forças, frustrações e criatividade com aquelas e aqueles que ‘partilham do mesmo pão’. 

Sonhar horizontes pode nos conduzir a vários caminhos. Por exemplo, resgatar a memória de pessoas, relações, processos, comunidades que contribuíram para os sonhos de vivermos plenamente integrados conosco mesmos, com as pessoas, com o mundo, com Deus. Atenção que aqui usamos o verbo resgatar – não como uma nostalgia que amplia a impotência, mas como acordar o encantamento e a criatividade para novos tempos. Resgatar é também reverenciar e não perder as raízes que nos salvam das cegueiras contemporâneas. É agir contra a corrente, mais uma vez, e não cairmos no ceticismo, no individualismo, no isolamento que vêm sendo muito bem construídos em todos os contextos em que vivemos. 

Resgatar a memória, as raízes, é promover em nós a consciência dos pontos de partida, de olhar a própria caminhada individual e comunitariamente, é dialogar com os horizontes e caminhar em novos ensaios, nos deixando encantar e conduzir mais pelas costuras que nos integram do que por aquelas que nos desintegram. 

Esse processo não significa alienação, imaginação sem contexto, sem consciência de todas as artimanhas do sistema neoliberal, que alinhava preconceitos, extrativismo, violência, converte tudo em mercadoria, fanatiza adeptos, desmoraliza a ética e anulam toda a memória. Tendo como objetivo a lógica do mercado a todo preço, é fundamental para este sistema anular raízes, ancestralidades, memórias, solo que nos fecunda e alimenta. 

Precisamos estrategicamente ‘desaprender’ o que o sistema neoliberal tem imputado em nossas vidas. Para tanto, a educação libertadora nos deu muitos caminhos. Ao analisarmos as estruturas que constroem este sistema, encontraremos suas forças, mas também suas fragilidades. Contudo, é igualmente importante nos darmos conta das próprias forças e fragilidades. Isso mesmo, ousada e corajosamente, colocarmos na mesa comum, diante de nós, como coletivo que somos. Cuidado com essa colocação de forma individual, pois ela só gera mais impotência. 

Colocar os pés na caminhada e nos mantermos em saída, em movimento, no caminho. Somos discípulos do Caminho, e não há mesmo outra razão para vivermos, certo? Uma vez que ouvimos a voz de Deus dentro de nós (também dos Encantados, das divindades, do sagrado que nos habita, dos seres da floresta e dos mares…) não há mais como ‘fingir’ que não ouvimos, pois ela ecoa no mais profundo de nosso ser. 

Estamos aqui também falando de poder – não o poder que é prepotente, autoritário e anula as vozes que divergem de seus objetivos –, mas o poder que vem das bases, dos encontros verdadeiros, especialmente os mais simples e aparentemente desempoderados. Este é o processo de não estagnarmos no sentimento de impotência, pois o poder é potência e as potências estão nos sonhos que sonhamos juntos. Se torna poder com, poder para, que gera harmonia e consciência comunitária. 

Percebamos que não partimos do zero, mas de histórias, de memórias, de caminhos já construídos que nos trouxeram até aqui e que a nós retornam como um olhar para novos horizontes, que desejam comunhão, interdependência e ecodependência. 

Muitas vezes podemos estar dando forças ao ‘não podemos’, o que nos amargura e até paralisa. Que tal olharmos de outro ângulo e partilharmos o ‘por que não podemos? Como poderíamos?’

Através de planejamentos, partilhas, sonhos que sonhamos juntos, mas também boas notícias que contamos umas às outras na caminhada, e que vão nos nutrindo, no movimento que nomeia, celebra, reverencia, e persevera. 

Nossa fé caminha pelas brechas e fazendo brechas, desde os mais pequenos. Cultivemos amizades, aprendizagens permanentes, escutemos sempre mais e deixemos ecoar as perguntas de forma circular. Perguntas podem se tornar verbos. Somos seguidores do “Verbo que se fez carne!”

Façamos esse exercício – perguntas podem se tornar verbos – quais os verbos que brotam de nossas perguntas? Segue uma canção de Milton Nascimento e Fernando Brant para nos embalar e nos encantar nesse caminho de comunhão, sempre a ser refeito.

Comunhão

Eu quero paz, eu não quero guerra, quero fartura, eu não quero fome
Quero justiça, não quero ódio, quero a casa de bom tijolo

Quero a rua de gente boa, quero a chuva na minha roça
Quero o sol na minha cabeça, quero a vida, não quero a morte não
Quero o sonho, a fantasia, quero amor e a poesia
Quero cantar, quero companhia, eu quero sempre a utopia
O homem tem de ser comunhão, a vida tem de ser comunhão
O mundo tem de ser comunhão, a alegria do vinho e pão
O pão e o vinho enfim repartidos

 Anselm Grün, El arte de hablar y de callar. Sal Terrae, 2014

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