Muitos aderiram a esse pedido do Santo Padre, também os migrantes do povo Warao, originários do Delta do Amacuro, na foz do rio Orinoco, Venezuela, que atualmente estão no Brasil. O abrigo Ka-ubanoko está localizado em Boa Vista, capital de Roraima, na fronteira com a Venezuela, onde atualmente vivem cerca de 700 migrantes venezuelanos, muitos deles do povo Warao.
Neste albergue, que no idioma warao significa nosso dormitório, localizado em um espaço abandonado, moram aqueles que não encontraram lugar nos abrigos que dependem da chamada “Operação Acolhida”, coordenada pelo exército brasileiro e pela ACNUR, que viram neste local a única alternativa às ruas da cidade. É um espaço em que desde o início a organização do espaço foi realizada a partir de uma perspectiva de autogerenciamento, auto-organização, de fazer parte da solução e não apenas de esperar por algum tipo de ajuda.
Eles sempre tiveram a ajuda da diocese de Roraima, incluindo o padre Josiah K´Okal, um missionário da Consolata, nascido no Quênia, que trabalhou na Venezuela por 22 anos e viveu com o Warao, no Delta Amacuro, por vários anos. Entre 2007 e 2011, ele foi o coordenador da Pastoral Indígena do Vicariato de Tucupita. Desde janeiro, ela está em Boa Vista, realizando pesquisas sobre o processo de migração dos Warao, além de realizar trabalhos pastorais entre esse povo indígena.
Naquela época, como afirma o missionário, “coletamos traduções feitas pelos missionários e as harmonizamos”. De fato, eles começaram a fazer traduções do evangelho dominical, do rito batismal, do rosário. Foi um projeto amplo que surgiu da Pastoral Indígena, reconhece o religioso, que afirma que “tinhamos reunião de todo o vicariado três vezes por ano, para falar sobre essas traduções, por que elas foram feitas nas comunidades”.
Neste albergue, 90% dos Warao são católicos e a idéia era retomar o rosário em Warao. Em suas visitas, ele traz terços e panfletos com os quais orar em sua própria lingua. Nesse sentido, o missionário da Consolata destaca que “é muito interessante ver que em Ka-ubanoko há pessoas que anos atrás participaram dessas traduções, como a Sra Nilda Moraleda, o Sr. Fidel Torres, que participaram diretamente da tradução, juntos com outros que não participaram diretamente, mas que vivem em Ka-ubanoko ”.
O religioso disse que “é algo que eles já sabiam, mas, por alguma razão, os padres que seguiram não continuaram essa linha de enfatizar a liturgia em Warao, de modo que o fio foi perdido”. O que está ajudando a realizar a iniciativa é que “todos os que aqui estão sabem orar, porque durante esse período traduzimos a Ave Maria, o Pai Nosso”, de acordo com o Padre K’Okal, que se lembra de todo o trabalho realizado a esse respeito, especialmente por dois capuchinhos espanhóis, a quem ele considera pilares nesse processo de tradução.
Eles são os padres Julio Lavandero e Damián del Blanco. Este último chegou em 1948 e deixou o Delta, porque ele não estava mais falando, ele já era muito velho, em 2013, morrendo em Caracas em 2018, sendo enterrado no Delta. O padre Julio Lavandero chegou em 1955 e faleceu em janeiro de 2020, esteve o tempo todo no Delta, escreveu muito sobre os Warao, foi ele quem falou o melhor Warao, afirma o padre K´Okal.
As condições dos migrantes venezuelanos no Brasil, especialmente entre os Warao de Boa Vista, onde se sabe que existem mais de 40 infectados e pelo menos 4 falecidos, foram exacerbadas pelo COVID-19. Ele tem descoberto algo que lhe parece interessante: “é que naquele espaço foráneo as pessoas gostam de afirmar mais sua cultura, sua própria língua. Encontro-me aqui com pessoas warao que por lá mal falavam warao e aqui eles falam, conheço pessoas que moravam em outros lugares e agora, quando se encontram aqui, querem se reafirmar como warao, estão aprendendo seu idioma”, algo que define como uma experiência muito interessante.
Em referência ao Sínodo, o padre Josiah K´Okal sustenta que “deve ser um ponto importante para enfatizar a importância de orar em sua própria língua”. Ele esteve em Roma durante a Assembléia Sinodal e participou de alguns momentos muito específicos. Nessa perspectiva sinodal, ele afirma que “esse deve ser um elemento que ajuda a resgatar a polifonia da Amazônia”. Nesse sentido, ele afirma que “o Delta Amacuro é uma extensão da Amazônia, devido às suas características, mas a Amazônia é muito mais do que uma extensão geográfica, que quer resgatar essas pequenas coisas dos povos que cuidam da terra em seu pequeno local, mas eles também nos dão essa riqueza de polifonia através de suas diversidades culturais e linguísticas ”.
Onde quer que estejam, “aqui na diáspora, ou ali, no Delta Amacuro”, diz o missionário da Consolata, “parece-me muito importante que este Sínodo, que agora está começando ser colocado em prática, lute para que a Igreja seja isso”. No processo sinodal, foi enfatizada a necessidade de uma Igreja com rosto amazônico e indígena, mas o padre K’Okal vai mais longe. Segundo ele, “não é apenas uma igreja com rosto indígena, com rosto amazônico, é também sentimento e pensamento”. O religioso afirma que “o rosto representa o físico, por assim dizer, o sentimento e o pensamento representam o interno, tanto na língua quanto nas pessoas enquanto tais. Ficar apenas com uma igreja com rosto indígena é muito pobre. ”
Nessa perspectiva, ele afirma que “o Sínodo para a Amazônia busca e deve buscar mais, para nos levar ao coração daquela autêntica Igreja indígena, porque eu insisto, no coração, no pensamento, no sentimento. Porque se a Igreja está apenas com o rosto, o mais provável é que resgatemos o folclore e deixemos uma riqueza muito profunda, essa riqueza de pensamento indígena, de uma Igreja que deve ser diferente em sua experiência de Deus, em suas expressões”. Do seu ponto de vista, o padre K’Okal acredita que “o Sínodo precisa nos ajudar como Igreja a ir além do rosto, a alcançar o coração, o pensamento e o sentimento indígena”.