ColunistasPadre Joaquim Jocélio

Tempo de Alegria e Renovação

Podcast Outro Papo de Igreja, do Serviço Teológico Pastoral

“O quinquagésimo ano será para vocês um ano de júbilo” (Lv 25,11). Assim o livro do Levítico descreve o Ano Santo, ou seja, como ano de júbilo, de alegria, por isso também é chamado de Jubileu. Além disso, é um ano de renovação onde todas as relações são transformadas. As propriedades são recuperadas, os escravizados são libertados, as dívidas são perdoadas e a terra recebe o descanso merecido. Portanto, é tempo de renovação social e religiosa. Precisamos entender bem isso para vivermos com profundidade esse ano da graça de Deus. O Jubileu não é apenas mais um ano comemorativo, mas tem quer ser de fato um divisor de águas para a Igreja e para a sociedade. É tempo de curar as feridas, transformar o luto em alegria e de nos renovarmos para se viver mais conforme a vontade de Deus.

Olhando para nossa sociedade, há muitos motivos para tristeza: fome, desigualdade, guerras, preconceito, violência, destruição da casa comum, discursos de ódio, fake news, uso abusivo da Inteligência Artificial (IA), concentração de terra, falta de moradia, aumento de depressão e várias outras doenças, individualismo, cultura do descarte, religiosidade alienada, etc. Contudo, como certa vez disse um velho agricultor do Peru ao teólogo Gustavo Guiérrez: “o contrário da alegria é a tristeza e não o sofrimento, pois nós sofremos, mas sabemos ser feliz”. Essa é a alegria Jubilar, essa é a alegria do Evangelho tão insistida pelo papa Francisco: “a alegria não se vive da mesma maneira em todas as etapas e circunstâncias da vida, por vezes muito duras. Adapta-se e transforma-se, mas sempre permanece pelo menos como um feixe de luz que nasce da certeza pessoal de, não obstante o contrário, sermos infinitamente amados” (EG 6).

A certeza de que somos muito amados por Deus nos enche de alegria e nos faz seguir lutando contra tantas formas de sofrimento: “Ninguém fique triste, pois a alegria de Javé é a força de vocês” (Ne 8,10). Essa certeza nos leva a ver também tantos sinais de vida que nos alegram: a partilha dos pequenos, proximidade em tempos de grandes sofrimentos, pequenas conquistas de terra e moradia, direitos sociais adquiridos, presença de Igrejas junto aos mais frágeis, iniciativas de cuidado com a casa comum, maior conscientização sobre os direitos, denúncias mais frequentes de abusos e preconceitos. Enfim, há sinais de vida e razões para nos alegrar. Como insiste o papa Francisco: “A alegria do Evangelho é tal que nada e ninguém no-la poderá tirar (cf. Jo 16, 22). Os males do nosso mundo – e os da Igreja – não deveriam servir como desculpa para reduzir a nossa entrega e o nosso ardor. Vejamo-los como desafios para crescer” (EG 84). Pois ele vai lembrar que “Uma das tentações mais sérias que sufoca o fervor e a ousadia é a sensação de derrota que nos transforma em pessimistas lamurientos e desencantados com cara de vinagre. Ninguém pode empreender uma luta, se de antemão não está plenamente confiado no triunfo” (EG 85). 

E essa alegria que nos enche de força para seguir lutando pelo Evangelho é também uma alegria renovadora. Por isso o Jubileu, esse ano de júbilo/alegria, é também ano de renovação. Em uma catequese sobre o Jubileu, o papa Francisco apresentou uma palavra-chave para esse tempo: “Irmãs e irmãos, eis a palavra: recomeçar… E nós recomecemos a partir desta originalidade de Deus, que resplandeceu em Jesus e que agora nos compromete a servir, a amar fraternalmente, a reconhecer-nos pequeninos. E a ver os mais pequeninos, a ouvi-los e a ser a sua voz. Este é o novo início, este é o nosso jubileu!”. É o tempo para renovar a sociedade e a Igreja a partir do Evangelho. É tempo de colocar em prática a reforma inadiável da Igreja que, a partir do Sínodo, deve assumir aquilo para o qual há muito tempo Francisco já apontava: “uma opção missionária capaz de transformar tudo, para que os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a estrutura eclesial se tornem um canal proporcionado mais à evangelização do mundo atual que à auto – preservação” (EG 27). É tempo de nos renovarmos para apresentar “o rosto da Igreja autenticamente pobre, missionária e pascal, desligada de todo poder temporal e corajosamente comprometida com a libertação do homem todo e de todos os homens” (DM 5,15a). É tempo de sermos uma Igreja autenticamente sinodal, onde todos podem participar ativamente das decisões e ações pastorais, onde aprendemos a dialogar e caminhar juntos com irmãos e irmãs de outras Igrejas e religiões, onde assumimos com seriedade o cuidado com a Casa Comum.

É tempo também de renovarmos a sociedade para que se vença a desigualdade, para que os pobres não tenham que trabalhar para sustentar o luxo e o privilégio dos ricos, para que todos tenham acesso a educação e saúde de qualidades, tenham dignas condições de emprego, acesso a terra e a moradia, paguem menos impostos e sejam respeitados por sua cor, gênero, nacionalidade, religião, visão política etc. Este é o tempo “para transformar sua cinza em coroa, seu luto em perfume de festa, seu abatimento em roupa de gala… Eles reconstruirão as ruínas antigas, erguerão novamente em pé os velhos escombros. Renovarão as cidades arruinadas e os escombros de muitas gerações” (Is 61,3-4). O Jubileu é tempo de graça, de alegria e renovação, tempo de nos comprometermos na construção de um mundo mais justo e fraterno, sinal do Reino de Deus.

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