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Última viagem do “Bispo Sinodal”: Dom Mauro Morelli

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Sou um modesto teólogo da Baixada Fluminense. E se posso me chamar de teólogo, como diz Bruno Forte um “mendigo de Deus”, isto é, um pedinte da graça divina para falar algo sobre o Inefável, deve-se em boa medida a este meu irmão: Mauro Morelli, falecido em 09/10/2023. Por isso, esta coluna vai carregada de emoção em primeira pessoa.

Ouvi, muitas vezes, Dom Mauro falar que alguns dos nossos defeitos só a ressurreição cura. Escrevo estas linhas justamente falando de um ser humano que não era perfeito, mas como seguidor de Jesus de Nazaré, buscou o tempo inteiro servir ao Projeto do Reino de Deus.

Em 1981, eu seminarista, juntamente com outros colegas, fomos levados pelo falecido Pe. Expedido, que ainda cursava teologia, para conhecer o bispo que tomaria posse como primeiro bispo da nova diocese de Duque Caxias, RJ. Confesso que levei um susto. Veio ao nosso encontro com um cigarro entre os dedos (depois parou de fumar e se tornou um chato contra fumantes) e nos conduziu para uma sala.

Na sala, jovens seminaristas ouviram um bispo afirmar que não acreditava no modelo de seminário que naquele momento era exigido pelo magistério. Por isso, tentou nos colocar junto do povo de imediato, morando em paróquia, caminhando junto com as comunidades. Acabou, por obediência, rendendo-se às exigências do magistério e fez um seminário convencional. Apesar do susto, ao longo do tempo verifiquei que ele estava absolutamente certo. Há uma entrevista dele, no programa do também falecido Jô Soares, onde ele explica as razões.

 Em 1982, quarenta anos antes do Papa Francisco convocar o Sínodo sobre a sinodalidade (Comunhão, Missão e Participação), Mauro convocava o Sínodo Diocesano (Comunhão, Participação e Co-responsabilidade na Igreja). Que coincidência, não? Durante vinte e três anos ajudou a igreja local de Duque de Caxias e São João de Meriti a compreender que, pelo batismo, somos todos e todas, sujeitos eclesiais.

No segundo ano de teologia acabei saindo do seminário. Queria continuar estudando teologia, mas como me manter estudando e trabalhando? Mas a graça de Deus age por dentro da história através daqueles que são imagem e semelhança de Deus: seres humanos. Então, ele me chama e oferece um emprego de meio expediente na Ação Social Paulo VI – ASPAS, recém-criada, para ser secretario. Então, pude continuar estudando.

E assim, foi possível acompanhar o processo de evangelização na diocese mais de perto, pois podia estar em lugares onde tal acompanhamento me era exigido. Pude ver o “pipocar das comunidades”, como dizia o nosso “eterno” vigário geral, Pe. Armando Cellere, hoje de volta a Itália.

Sim, a diocese de Duque de Caxias e São João de Meriti teve uma efervescência pastoral incrível para a realidade de uma estrutura precária nesta região. Em várias direções: crescimento do número de comunidades, formação bíblico-teológica, momentos sinodais fabulosos em assembleias diocesanas, conselhos diocesanos, paroquiais e comunitários, momentos celebrativos como a Romaria do Pilar, e muito mais.

Porém, Morelli era um ser humano aberto ao mundo. Talvez por isso ele não se detivesse em um único território. De sua entrada no seminário até se tornar bispo emérito sempre esteve viajando. Para nós de Caxias e São João de Meriti era complicado. Queríamos um bispo mais presente. Cheguei a escrever uma carta para ele criticando essas saídas. Ele me respondeu e continuou confiando a mim tarefas como se dissesse: “um dia você vai entender”.

E, graças a Deus, compreendi a tempo de me tornar mais próximo dele, a ponto de na missa dos seus cinquenta anos de bispo, presidida pelo Cardeal Orani Tempesta,  pedir perdão publicamente. Compreendi porque quando ele se tornou emérito passei a viajar com ele, a participar mais de perto de seus projetos e ganhar novos amigos fora de Caxias.

Mas entre tantos projetos desejados por ele, pude testemunhar um aqui em Caxias mesmo: hortas familiares urbanas. Conseguimos que cinco famílias, de forma exemplar, como ele gostava de afirmar, formasse suas hortas. O casal Maurício e Filomena tem até hoje a sua horta. Mostramos a prefeitura que com poucos recursos é possível gerar vida. Mas o poder dominador não gosta de iniciativas que não tem a famosa visibilidade.

Causa uma enorme tristeza quando clérigos e leigos/as afirmam que este homem estava ultrapassado. Tristeza porque diante da crise civilizatória que estamos passando, conceito que ouvi pela primeira vez proferido por ele, ainda no século passado, tais pessoas não percebam justamente que estão se afundando ainda mais na crise. Fora o fato de que, do ponto de vista eclesial, trata-se muitas vezes da manutenção de privilégios e não de um argumento consistente para ir em direção ao futuro.

Contudo, olhemos para frente, pois Dom Mauro Morelli era o homem da esperança. Nunca vi algum tipo de lamentação da parte dele que apontasse em direção a uma desistência para enfrentar os desafios. Por isso, diante de seu corpo estendido no chão da Catedral, roguei para que possamos continuar a CAMINHAR JUNTOS. Que o seu legado seja sentido em nossas vidas, sobretudo da juventude que me fez ficar emocionado, ao final das exéquias, cantando firmemente: “irá chegar um novo dia, um novo céu, uma nova terra, um novo mar…”. Que o seu lema “Vem, Senhor Jesus” se corporifique nos sinais do Reino para que nenhuma criança morra de fome.

Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo!

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