Mulheres Sem Terra: um mar de bandeiras enfurecidas contra o capital

Em Jornada Nacional de Lutas, mulheres Sem Terra denunciam o projeto político da extrema direita, ultraliberal e fundamentalista. MST mobilizou mais de 10 mil pessoas em 14 estados do país com ações em dez órgãos federais. Os atos marcam também as celebrações pelo Dia Internacional da mulher, celebrado em 08 de março.

“Quando as mulheres trabalhadoras entram para a luta, é para decidir o presente e arrancar das entranhas do futuro, a alegria da realização dos seus sonhos. Não sonhamos pouco! Pisamos ligeiro e seguimos em marcha, determinadas pela construção de uma sociedade socialista e um mundo que não nos mate e aprenda a nos respeitar”.

Esse é o tom da Jornada Nacional de Lutas das Mulheres Sem Terra que durante esse mês de março denuncia as políticas nefastas do governo Bolsonaro em relação à economia, terra e a agricultura. Somente nesta segunda-feira (9), o MST mobilizou mais de 10 mil pessoas em 14 estados do país com ações em dez órgãos federais.

Iniciado em Brasília, desde o dia 05 de março, o I Encontro Nacional das mulheres Sem Terra reuniu 3500 mulheres Sem Terra de 24 estados. O Encontro faz parte da Jornada Nacional de Lutas das Mulheres.

Também, como parte da Jornada Nacional, mulheres Sem Terra ocuparam nesta segunda-feira (9) o Ministério da Agricultura para marcar a denúncia da aliança mortífera e destrutiva entre o governo Bolsonaro e o capital internacional imperialista que, tem produzido violências sistemáticas nos territórios.

De acordo, Jhane Cabral, da direção nacional do MST, a mobilização e denuncia contra todos os retrocessos que Bolsonaro tem imposto sobre os direitos sociais, impactando a vida de camponesas e camponeses de Norte a Sul deste país, deve ser permanente.

“Precisamos denunciar diariamente o projeto de morte que está por trás do Ministério da Agricultura. Ele é o maior responsável pelo envenenamento de toda a população brasileira com as toneladas de agrotóxicos colocadas na mesa do povo, além do esfacelamento do Incra que está subordinado a esse órgão sem cumprir sua real função social”, afirma.

Antes da ação, cerca de 300 mulheres realizaram um plantio de árvores na Universidade de Brasília (UnB). O objetivo foi denunciar os ataques à educação pública e ao Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), extinto com o decreto nº 10.252 que enxuga a estrutura do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Arte: Marina Tavares

Além disso, também extingue o programa Terra Sol e outros programas que davam incentivos aos assentados, quilombolas e comunidades extrativistas. O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) vai na mesma direção. Por outro lado, há uma liberação desenfreada de agrotóxicos no país. Somente em 2019, foram liberados 474 agrotóxicos, a maior dos últimos 15 anos.

Durante a ação, as trabalhadoras também denunciaram a realização de uma distribuição de titulação individuais dos lotes de terra para os assentados de reforma agrária, a chamada titulação das terras, classificada pelo MST como uma forma de privatização das áreas. Segundo Antônia Ivoneide, da direção nacional do MST, “a defesa do contrato de direito real de uso (CDRU) é necessária, porque esse tipo de titulação restringe a mercantilização das terras conquistadas, e terra para nós é um bem comum da natureza, e portanto, não pode ser mercadoria.”

Além disso, o governo Bolsonaro está determinado a privatizar as terras e promover a devastação ambiental. Um exemplo é a MP 901/19 que, na prática, irá excluir da proteção ambiental de 4.745 hectares da flora nos estados do Amapá e Roraima e abrir estas áreas para a mineração. Já a chamada MP da Grilagem (MP 910/19) flexibiliza as regras de regularização fundiária, repassando áreas da União até 2.500 hectares ao valor irrisório de 10% sobre a terra nua à invasores ilegais, que se valeram do crime de grilagem para se abonar destas terras.

“O governo Bolsonaro é um serviçal do capital e do Imperialismo norte americano. Ele entrega nossas riquezas, destrói a natureza, atenta contra a Soberania Nacional e Popular, retira direitos trabalhistas, previdenciários e comanda uma máquina de guerra e extermínio dos ricos contra os pobres, sobretudo as negras e os negros, a juventude, LGBTIs e mulheres”, afirma trecho do manifesto das mulheres Sem Terra.

Desde o golpe em 2016, a classe trabalhadora vem sofrendo com a política ultraliberal de desmonte e retirada de direitos da classe trabalhadora. No campo, esse cenário tem sido catastrófico e as mulheres seguem como as maiores impactadas.

Não naufragaremos, seremos um mar de bandeiras!

“Nos comprometemos na construção de um março que pode marcar a virada política nas lutas de massas que a nossa classe trabalhadora tanto necessita. Vamos com força para cima deste projeto de morte que está no poder. Somos feitas de pedras e sonhos. Somos pequenas gotas que juntas, formam uma grande correnteza de lutas e também de conquistas, que arrancaremos na marra, como direito legítimo dos povos em movimento”, destacam as mulheres Sem Terra.

Ao longo dos seus 36 anos, o MST como um movimento popular de massas tem se debruçado em fazer a luta política, avançar no aspecto da organicidade e de promover a transformação social. É nesse contexto que as mulheres compõem as trincheiras de lutas e resistência pela terra e há dois anos, iniciam o processo de construção do seu I Encontro Nacional das Mulheres Sem Terra. Esse momento de celebração, de festejo e de luta promovido desde a base assentada e acampada até a realização desta grande atividade.

“Neste encontro conseguimos nos fortalecer e nos reanimar perante as linhas políticas da nossa organização, também atualizamos os desafios das mulheres Sem Terra que se referem principalmente ao trabalho de base no campo e periferias ajudando a construir essa alteração da correlação de força em nosso país”, aponta Kelli Mafort, da coordenação nacional do MST.

Entre os desafios organizativos apontados, está o desafio de ampliar os processos de formação política e envolver cada vez mais as companheiras, avançar concretamente no processo de nucleação delas e projetá-las nas diversas áreas de atuação em nossos territórios, desde educação, saúde, cultura, comunicação, até a produção, tendo como base a agroecologia. Além disso, Mafort salienta que a retomada das lutas de massa foi colocada como algo necessário para recolocar o tema da reforma agrária e também da defesa da democracia do nosso país.

“Na luta a gente aprende que é preciso ter um conteúdo, uma intencionalidade da transformação, mas também sabemos que é preciso organizar o nosso povo, desenvolver esse método, e o encontro foi essa demonstração da capacidade organizativa das mulheres que em conjunto do nosso movimento possibilita avanços na luta e organização da classe trabalhadora”, finaliza.

O encontro produziu um documento final, o Manifesto das Mulheres Sem Terra, onde se afirma essa retomada da luta de massas, a resistência ativa da classe trabalhadora e a construção da Reforma Agrária Popular. Confira abaixo.

          Manifesto das Mulheres Sem Terra foi apresentado no final do Encontro. Foto: Matheus Alve

MANIFESTO DAS MULHERES SEM TERRA

Com a força presente no março e sob a inspiração da histórica luta do Dia Internacional das Mulheres, nós trabalhadoras do MST reunidas de 05 a 09 de março, realizamos nosso 1º Encontro Nacional das Mulheres Sem Terra, embaladas pelo lema – Mulheres em luta, semeando resistência!

Somos 3.500 mulheres vindas dos acampamentos e dos assentamentos de todos os estados e contamos com a participação de nossas queridas companheiras de movimentos populares e organizações políticas do Brasil e também mulheres internacionalistas, de 14 países da América Latina, América do Norte, Europa e África.

Levamos para a capital do país, nossa diversidade cultural, expressões artísticas, experiências de educação do campo, produção de alimentos saudáveis, formas de organização popular de base, formação política, trabalho com a juventude e principalmente a síntese da nossa trajetória na construção de novas relações de gênero.

Sabemos que o patriarcado e o racismo são pilares estruturantes da sociedade de classes. Nossa luta é para romper com todas as formas de dominação e opressão. O Feminismo Camponês e Popular orienta nossos passos firmes e decididos em busca da nossa libertação.

Denunciamos o projeto político da extrema direita, ultraliberal e fundamentalista que amplia o conservadorismo, a desigualdade social e a exploração do trabalho através de formas cada vez mais precarizadas e humanamente aviltantes. O governo Bolsonaro é um serviçal do capital e do Imperialismo norte americano. Ele entrega nossas riquezas, destrói a natureza, atenta contra a Soberania Nacional e Popular, retira direitos trabalhistas, previdenciários e comanda uma máquina de guerra e extermínio dos ricos contra os pobres, sobretudo as negras e os negros, a juventude, LGBTIs e mulheres.

O sistema do capital vive uma crise profunda e por isso intensifica a intervenção política e econômica sobre os países dependentes como o Brasil. Mas as medidas adotadas em nada conseguem resolver os problemas reais do povo e, portanto esse projeto de dominação não durará para sempre. E é justamente sobre as mulheres que a exploração é ainda mais brutal: segundo o Dieese as mulheres ocupam 95% a mais de tempo que os homens, nas tarefas domésticas e nossos rendimentos são 22% menores, o que se agrava no caso das mulheres do campo e mulheres negras.

Denunciamos o aumento da violência contra as mulheres e os criminosos atos de feminicídio. A violência contra as mulheres é incitada diretamente pelo presidente da República, que é machista, misógino e odeia quando uma mulher avança. Além da violência doméstica, as mulheres do campo sofrem com a violência do latifúndio e do Estado, através das reintegrações de posse, destruição das nossas casas e roças, assédios, perseguição, tortura e assassinatos.

Denunciamos as empresas do agronegócio e da mineração que seguem sem freios na implantação de uma pauta máxima, ditada exclusivamente pelo aumento de suas taxas de lucro. São arquitetos da destruição ambiental, desmatadores da vida, saqueadores dos bens naturais e assassinos de vidas que se misturam em lama e sangue. São homens escravocratas que expropriam as terras já conquistadas por indígenas, quilombolas e sem terras. Levam o veneno diretamente para o prato das famílias brasileiras, contaminam as águas e lucram com a venda do remédio, para curar a doença criada por eles mesmos. Privam os povos do direito à alimentação e são os responsáveis diretos pela fome, pela miséria e pela catástrofe climática.

Repudiamos a entrega das terras públicas da União e das terras devolutas dos Estados para o capital. Exigimos que faça valer a Constituição Brasileira e que essas terras sejam destinadas para a Reforma Agrária. Seguiremos ocupando os latifúndios, pois somente assim retomaremos as terras usurpadas em 350 anos de escravidão do povo indígena e negro.

Repudiamos a privatização dos assentamentos, o fim das políticas públicas e programas sociais importantes como o PRONERA (Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária) que já escolarizou mais de 192 mil pessoas do nível básico ao de pós graduação e que está sendo destruído pelo atual governo. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) foi totalmente desestruturado e perdeu sua função de responsável pela reforma agrária, se transformando numa imobiliária de regularização fundiária a serviço dos latifundiários

Apesar de tudo que nos oprime e nos impede de ser livres, estamos despertas e seguimos em luta semeando resistência. Lutamos por direitos sociais e por transformações radicais na política e na economia. Nos somamos às lutas da classe trabalhadora iniciadas neste ano, com destaque para os petroleiros e as petroleiras.

Seguimos na nossa resistência ativa e na construção da Reforma Agrária Popular. Convocamos a sociedade brasileira para as lutas de março, no 8 – dia Internacional das mulheres, no dia 14 – Justiça por Marielle Franco, Anderson Gomes, pelo fim das milícias e no dia 18 em defesa da educação e contra a mercantilização e bestialização do conhecimento.

Nos comprometemos na construção de um março que pode marcar a virada política nas lutas de massas que a nossa classe trabalhadora tanto necessita. Vamos com força para cima deste projeto de morte que está no poder. Somos feitas de pedras e sonhos. Somos pequenas gotas que juntas, formam uma grande correnteza de lutas e também de conquistas, que arrancaremos na marra, como direito legítimo dos povos em movimento.

Reafirmamos toda nossa solidariedade aos povos do mundo em luta. Por uma Palestina livre! Pelo fim ao bloqueio do Império contra Cuba! E pela Soberania Popular da Venezuela!

Quando as mulheres trabalhadoras entram para a luta, é para decidir o presente e arrancar das entranhas do futuro, a alegria da realização dos seus sonhos. Não sonhamos pouco! Pisamos ligeiro e seguimos em marcha, determinadas pela construção de uma sociedade socialista e um mundo que não nos mate e aprenda a nos respeitar. Queremos e podemos tudo. Somos a revolução silenciosa que rompe o possível e o estabelecido. Somos rebeldia e gritamos: não calarão a nossa voz!

Nós que amamos a revolução, resistiremos! Mulheres em luta, semeando resistência!

Sem feminismo não há socialismo!

Segue o manifesto das mulheres sem terra em PDF:

https://drive.google.com/open?id=17N0NbclusQMBDqKgjAY0UKo7OqjVDnuo

Matéria publicada no site do MST em 09 de março de 2020. https://mst.org.br/2020/03/09/mulheres-sem-terra-um-mar-de-bandeiras-enfurecidas-contra-o-capital/

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