Somos gente de resistência, esperança e profecia

  “Não deixem morrer a profecia” (D. Helder Câmara)

Vivemos tempos difíceis, complexos caracterizados por sucessivas e permanentes crises em todas as dimensões e esferas da vida humana e do planeta. Presenciamos um colapso sistêmico do capitalismo neoliberal excludente e insuportável, responsável pela destruição de milhões de vidas humanas e uma degradação ambiental sem precedentes.

A Pandemia do coronavírus, uma das expressões deste desmando sistêmico, tem ferido e ceifado milhares de vidas e colocado a humanidade em situação de riscos e fragilidades em larga escala. No Brasil, A COVID-19 desnudou amplamente as escandalosas desigualdades econômicas, e sociais das populações das periferias existenciais, geográficas, e socioculturais, bem como a ineficácia de políticas de saúde, de educação, de segurança alimentar e de seguridade social. Deu visibilidade às multidões de corpos dos chamados  “invisíveis” sociais, dos quais os gritos eloquentes por comida, água, saúde, trabalho, moradia, cuidado e proteção nos chegam como clamor e apelo.

Neste contexto, para além do medo e das inseguranças, somos desafiadas/os a viver em nossas Comunidades Eclesiais de Base, e/ou em outros espaços em que atuamos, a esperança e a profecia como imperativos de nossa vocação/missão de discípulas/os missionárias/os de Jesus, que assumem a defesa da vida, da justiça e dos direitos dos pobres como causas e projeto de vida.

Com os pés fincados neste chão sofrido da realidade, sem negar ou desconhecer as razões históricas e sistêmicas existentes, é mister assumirmos juntas e juntos a arte de tecer esperança. Esperança do verbo esperançar, como condição existencial, histórica e utópica da vida. Como um movimento pessoal e coletivo que irrompe de nossa humanidade e de nossa fé no Deus da Vida.

Movimento do qual haurimos força, energia e vitalidade para rompermos a apatia, o rosário das lamentações e o desespero que estes tempos sombrios nos apresentam. Esperança que nos move, mobiliza e faz acreditar e lutar por dias melhores. Como nos diz o Papa Francisco: “nem tudo está perdido. Não esqueçam que os seres humanos, capazes de tocar o fundo da degradação, podem também se superar, voltar a escolher o bem e regenerar-se, para além de qualquer condicionamento psicológico e social que lhe seja imposto (…) não há sistemas que anulem, por completo, a abertura ao bem, à verdade e à beleza, nem a capacidade de reagir que Deus continua a reanimar no mais fundo dos nossos corações” (LS, 205).

Essa tarefa histórico-espiritual, do esperançar ativo e criativo, nos faz acreditar que “a esperança não decepciona” (cf. Ro 5, 5). Pela força recriadora do Espírito de Deus, do potencial de reação e mudança das pessoas, dos grupos, comunidades, movimentos e organizações populares. A esperança nos lança nos caminhos da indignação profética frente às necropolíticas geradoras destas sistêmicas pandemias do tempo presente.

A profecia nos faz organizar a esperança. Retira-a da espera utópica, e transforma-a em resistência e práxis cotidiana de solidariedade, partilha e militância eclesial e sociopolítica. Inspirada nos profetas e profetizas de ontem e de hoje, a vocação profética da Igreja Povo de Deus se concretiza na radicalidade do seguimento de Jesus de Nazaré, na história. É vivida pelas CEBs, pelas pastorais e movimentos sociais, ecológicos, de direitos humanos e por inúmeras outras iniciativas, na gestação de ideias e práticas alternativas capazes de incidir e transformar as realidades de injustiças, exclusões, desigualdades, preconceitos, ódio e destruição ambiental, na perspectiva da Ecologia Integral, das Redes de Solidariedade, da Economia Solidária, do Pacto pela vida, da Defesa da Democracia e dos Direitos da terra  e dos pobres, no horizonte  do Bem Viver.

Nesta tecelagem coletiva de resistência, esperança e profecia, somos todas/os  convocadas/os a um estado permanente de conversão e saída missionária como poetas e poetizas sociais (cf. Papa Francisco) e combatentes destemidas/os de causas invencíveis (cf. Pedro Casadáliga).

Irmã Eurides Alves de Oliveira, ICM

05/10/2020

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