O grande momento inciou com o Encontro dos Povos e Comunidades do Cerrado entre os dias 27 e 29 de setembro, no Colégio Pio X, posteriormente a 1ª Romaria Nacional do Cerrado foi realizada entre a noite de sexta-feira (29), e manhã de sábado (30), ambos eventos em Balsas, região Sul do Maranhão. Confira alguns detalhes sobre a preparação para a Romaria e a Carta das Comunidades do Cerrado.
Com o objetivo de denunciar os conflitos e as mortes no campo brasileiro, os/as participantes foram orientados/as a trazerem cruzes de suas casas, que foram utilizadas no início da celebração e durante a Romaria. Logo após, Dilma Akroá Gamella, indígena do Maranhão, subiu ao palco, para falar sobre os conflitos vividos por sua etnia. Seu povo, que está em processo de retomada de seus territórios tradicionais, tem sofrido com os diversos ataques violentos. Dom Enemésio Lazzaris, bispo de Balsas e presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), durante homilia, contextualizou que “todos somos vítimas desse sistema que privilegia o mercado e a produção em larga escala. Esse sistema capitalista que sempre visa a concentração de bens, que concentra os meios de produção, e até nossas sementes”.
Ao final foi lançada uma Carta das Comunidades e Povos do Cerrado que divulgamos aqui na íntegra
Carta das Comunidades e Povos do Cerrado
Encontro dos Povos e 1ª Romaria Nacional do Cerrado
Balsas, Maranhão, 27 a 30 de setembro de 2017
“Já chega de tanto sofrer, já chega de tanto esperar,
a luta vai ser tão difícil, na lei ou na marra nós vamos ganhar…”
Nós, romeiros e romeiras e participantes do Encontro dos Povos do Cerrado e da 1ª Romaria Nacional do Cerrado, Balsas, MA, que teve como tema “Cerrado: os povos gritam por água e território livres” e lema:“Bendita és tu, ó Mãe Água, que nasces e corres no coração do Cerrado, alimentando a vida”, saudamos todo o povo deste imenso Brasil. Somos Indígenas, Geraizeiros, Quilombolas, Quebradeiras de Coco, Posseiros, Comunidades de Fundo e Fecho de Pasto, Pescadores, Vazanteiros, Veredeiros, Retireiros do Araguaia, Acampados e Assentados da Reforma Agrária, Atingidos por Barragens, e Trabalhadores e Moradores Urbanos e queremos compartilhar com vocês a riqueza destes dias.
No Encontro dos Povos, com cerca de 600 participantes, em debates, trocas, cantos, danças e rezas, partilhamos nossa dores, lutas, resistências e rebeldias, nutridas na força das águas de nossos rios, na esperança de afastar o mal que quer nos calar, nos expulsar e nos assassinar como estão fazendo com tantas lutadoras e lutadores do povo. As mortes matadas de tantos companheiros – 63 camponeses em conflitos agrários só este ano no país até agora – marcam o atual recrudescimento assustador da violência no campo e nas cidades, mas não nos intimidam. Elas são também denúncias trágicas de um projeto desumano e ecocida. Choramos nossos mortos, mas os temos como sementes vivas de uma nova terra justa e igualitária, que nos encorajam a seguir em frente, até “colher frutos maduros”. Daí cantamos a rejeição aos projetos de morte:
“aê meu povo, vamos prestar atenção…vem aí o MATOPIBA destruindo o Maranhão…”
Denunciamos o Estado capitalista como nosso inimigo, porque submisso às corporações empresariais-financeiras, ao agronegócio, às mineradoras e, desta forma, conivente e promotor de injustiças e violências no campo e nas periferias urbanas – os pobres, as mulheres, os negros, os índios e os jovens como vítimas preferenciais. Esta relação promíscua está criando as condições para o sacrifício total da natureza, do que ainda resta do nosso Cerrado e dos nossos povos. É o caso do projeto MATOPIBA, de produção de grãos para exportação, nos Cerrados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Dizemos com toda força: Não ao MATOPIBA!
Denunciamos e repudiamos a política agrária e agrícola do Estado brasileiro voltada para implantação desses grandes empreendimentos. E os cortes e reduções nas políticas públicas de saúde, educação, habitação e segurança pública. Não abrimos mão de nossos direitos e os queremos de volta. Respeitamos o Estado se respeita nossos direitos, o combatemos se não os respeita, mas visamos sempre a superação deste Estado, por natureza, classista e excludente, golpista quando convém, ainda que na aparência “democrático”.
“Ecoa noite e dia, é ensurdecedor, ai, mas que agonia, o canto do trabalhador
Esse canto que devia ser um canto de alegria, soa apenas como um soluçar de dor.”
Com força de Deus – o de Jesus, os Encantados e os Orixás – fortalecemos nossas consciências, identidades e sentimentos de pertença e formamos nossos famílias e comunidades a partir da nossa prática cotidiana e de luta permanente. Para expulsar nossos inimigos, retomar nossas terras e territórios, com seus solos, matas e águas, tradições, cultos e culturas. Desacreditamos que Governos irão resolver nossos problemas, se eles os causam.
Estamos costurando um tecido social novo, a juntar os povos e comunidades, articulados em redes e teias, para além da condição de vítimas indefesas e dependentes, submetidas à exploração econômica e dominação política. Priorizamos indígenas, negros, mulheres e jovens entre todos os que sofremos com o agravamento das condições sociais impostas pelas medidas tomadas nos Três Poderes da República contra os pobres, em favor da minoria rica, daqui e de fora, dilapidando o patrimônio nacional. E porque, mesmo ameaçados e violentados, nos oferecem, com seu modo de viver e lutar, alternativas de Bem Viver e cuidar da Casa Comum.
Na alegre certeza aqui reafirmadas, anunciamos que um outro mundo é possível e urgente e os estamos construindo a partir de nossos territórios livres e autônomos. Não nos enganam mais; não queremos essedesenvolvimento do agronegócio, das mineradoras, das empresas de energia, mas o envolvimento: com a natureza, com os irmãos e companheiros, com as tradições culturais dos povos, com o testemunho dos nossos mártires, com as futuras gerações e com o sagrado. Não queremos os agrotóxicos e transgênicos, mas a agroecologia, com a mata em pé – o buriti, o pequi, o cajuí, o murici, a mangaba, o combaru, o jatobá –, alimento e medicina, meio das águas acumuladas nos aquíferos, correntes nas veredas, riachos e rios, os animais em convívio, toda a biodiversidade da vida garantida. Juntos, auto organizados e articulados, a partir de nossas comunidades, em nossos movimentos, iremos plantando a nova semente da libertação.
“Esta é a nossa bandeira, é por amor a esta Pátria Brasil que a gente segue em fileira”.
Na Romaria, com mais de 5 mil pessoas em caminhada, percorremos ruas e rodovias, gritando nossas denúncias e sonhos, cantando ao Deus da Vida, que segue conosco. E conclamamos a todas e todos de boa vontade e espírito cidadão, a nos acompanhar. Continuarem firmes na luta incessante, na esperança que não morre jamais.
Balsas, MA, 29 de setembro de 2017.
Fotos: Mauro Campos (CEBs de Mato Grosso) e Antonio Baiano (CEBs de Goiás)