No encontro entre Maria e Isabel a comunicação abarca, com igual intensidade, tanto a dimensão corporal como a que se expressa em palavras. Nesse clima de confiança total acontece o diálogo entre elas. Duas mulheres que compartilham um segredo que não são capazes de entrever em toda sua imensidade, carregada de transcendentais consequências. E nessa efusão de duas pessoas simples, unidas pelo sangue e sobretudo pela fé, se reconhecem partícipes de uma história que as ultrapassa. Encantadas, agradecidas, maravilhadas, expressam os sentimentos de seu coração no louvor a Deus. “Minh’alma engrandece o Senhor” é a primeira mensagem do Magnificat com que nos evangeliza aquela jovem simples de Nazaré que guardava em seu coração todas as coisas que iam acontecendo.
O evangelho da Visitação nos convida a contemplar como Maria saiu de sua casa e empreendeu apressadamente uma viagem; viagem que é metáfora de todas as viagens da existência humana. Maria disse “fiat” a Deus, pôs-se a caminho e foi renovando cada dia de sua vida esse arriscado e confiado “sim”. Advento, tempo de espera no qual Maria é protagonista, guardando um segredo que afetará a todos nós. O que a move a sair é um grande projeto que vem do alto. Assim ela nos revela que não se pode viver sem mistério, sem paixão; que o mistério nos deslumbra, nos supera e nos dinamiza.
Em Isabel, podemos admirar como se une o assombro por uma maternidade inesperada com a ação do Espírito atuando sobre sua esterilidade. Seu assombro e exaltação ecoam com a alegria e a dança da criança que carrega em suas entranhas. Isabel, a mais velha, se inclina diante de Maria, a mais jovem, num abraço e num beijo acolhedor. As duas são portadoras de mistério; estão profundamente marcadas pela comoção. Nelas tudo é surpresa, vibração e alegria.
Isabel e Maria não só se acolhem e se animam, mas se acompanham e se ajudam. O acompanhamento entre ambas se converte em fonte de bençãos.
Maria descobre que não se encontra sozinha; há uma mulher que lhe acompanha.
Ela quer compartilhar sua experiência de mulher (e futura mãe) com outra mulher, sua “prima” Isabel, a mãe do Batista. Maria vai ao encontro de Isabel para sentir o apoio na figura de uma mulher madura, mas cheia de vida e de futuro. Não se dirige ao Templo nem ao sacerdote… Os homens de então não são capazes de entender o que está acontecendo nestas duas mulheres, pois estão preocupados com outras coisas. Maria precisa dizer para outra mulher, para celebrar com ela “a maravilha que Deus estava realizando nela”. Toda a história da esperança humana, a humanidade inteira se condensa em duas mulheres.
Ambas, tocadas pelo Espírito, seguem sua própria evolução: cada uma tem sua gravidez, e isto requer cuidado, proteção, equilíbrio…
Assim, as duas unidas caminharão em direção a um maravilhoso futuro desconhecido. O novo precisa companhia, unir mãos e corações, mentes, forças e pés. Cada uma com seu segredo dentro de si, presente em suas entranhas. As duas com uma forte convicção: foram visitadas pela misericórdia de Deus.
Em nome do filho que dança no seu ventre e tomando a palavra dos grandes sábios da Antiga Aliança, como encarnação da esperança do povo israelita que aguardou este momento durante séculos, Isabel canta a grandeza da mãe do Messias: “Bendita tu entre as mulheres e bendito é o fruto de teu ventre!” “Bem-aventurada aquela que acreditou, porque será cumprido o que o senhor lhe prometeu”.
Esta é voz de benção, ou seja, de graça criadora e abundância. Esta é a benção e a bem-aventurança que dirigem a Maria todos os “esperantes” do Antigo Testamento. Esperaram longos séculos, dirigidos, anima-dos, pela voz dos profetas. Agora podem sentir-se satisfeitos. Chegou o cumprimento e assim o confirma, em nome de todos, Isabel, mulher israelita, mãe profética.
É verdade que as bênçãos eram comunicadas pelos sacerdotes. No entanto, Isabel bendiz Maria em sua plena juventude e grávida de Deus. Bendiz o fruto de suas entranhas. Só esta mulher que engendrou em sua velhice, assumindo a voz do profeta que carrega em sua entranha, pode entender e receber a mãe messiânica, proclamando sobre ela a grande voz do cumprimento dos tempos. Estamos no centro da oração mais querida dos cristãos católicos (depois do Pai-Nosso), que é a Ave Maria.
Maria recebe agradecida as palavras de benção e lhe responde dando graças a Deus com o Magnificat.
Advento é o tempo das mulheres, ou seja, daquelas que tem uma surpresa a oferecer, pondo-se a serviço do amor de Deus que levam em seus ventres, amor que as envolve e as transcende, fazendo-as servidoras da vida.
A cena da Visitação nos situa em um espaço intenso de mulheres. É como se, ao chegar o momento culminante da revelação, os varões passassem a segundo plano. Certamente, realizaram e em algum sentido continuam realizando funções socialmente importantes: fazem negócios, servem como sacerdotes no templo, estudam e explicam o sentido da lei como escribas, definem e encarnam a pureza do povo eleito como os fariseus…
Esses e outros ofícios de varões foram e são valiosos; mas ao chegar a plenitude dos tempos acabam se tornando secundários, pois Deus não precisa de sacerdotes, nem de fariseus, nem escribas, como os antigos. O cuidado da vida e a vida mesma do Messias de Deus, como futuro salvador da humanidade, está em mãos de mulheres.
Também a Igreja hoje deve viver “em tempo de “parto”, pois carrega em seu ventre Alguém maior que ela mesma; ela só poderá “dar à luz” a Deus na história da humanidade se renunciar às suas grandezas externas, feitas de riquezas e privilégios, de honras e poderes… e revestir-se da simplicidade, da ternura e da acolhida amorosa. Para isso, ela precisa pôr-se a caminho, para visitar e dialogar com Isabel e com outras mulheres, e aprender com elas o que significa estar a serviço da vida, que a ultrapassa sempre.
Este ícone da Visitação desvela o modo original de ser e de agir de toda a comunidade eclesial; há diversidades de serviços que a caracterizam, mas todos são convidados a reconhecer, a servir, a celebrar as maravilhas que Deus continuamente realiza em tudo e em todo.
É um ícone dinâmico que nos lança a “sair apressadamente” ao encontro do outro, com quem temos um parentesco, na consciência de que fazemos parte de uma mesma humanidade.
A vida cristã de nossos dias precisa voltar à Visitação, reviver a “cultura do encontro” e buscar inspiração nas protagonistas no evangelho deste domingo. A vida cristã necessita Visitação para ser mais vida e mais cristã, para deixar seguranças, cuidar e acompanhar a vida que há nela e nas “periferias existenciais”, ali onde o novo está germinando, para espanto e surpresa de todos.
Com a Visitação nos chega memória agradecida, paixão comprometida e esperança dinamizadora de um possível presente fecundo. A Visitação é um foco criativo de espiritualidade.
Texto bíblico: Lc 1,39-45
Na oração: Advento nos inunda da alegria da Visitação e nos move a ser portadores e portadoras da Vida de Deus para o nosso hoje.
– Você visita ou se deixa visitar por quem é diferente? ou assume posturas de preconceito e intolerância?
– Através das “redes sociais” visitamos tantas pessoas: suas visitas virtuais são cheias de graça e alegria ou carregadas de julgamento, de mensagens pessimistas…?
Por Pe. Adroaldo sj
Foto de Capa: Ateliê 15