As boas pastoras amazônicas, mulheres que mantiveram a Igreja de pé ao longo de séculos
Por Luis Miguel Modino

No dia em que celebramos o Domingo do Bom Pastor, nossa reflexão nos leva a dizer que bom pastor é aquele que cuida das ovelhas, a imagem de Jesus Bom Pastor. Ao longo do tempo o Magistério da Igreja identificou essa imagem com os varões ordenados, mas aos poucos essa visão está ficando mais ampla. Não se trata de excluir e sim de abrir horizontes, de reconhecer que as mulheres também são boas pastoras, boas cuidadoras do rebanho.

Querida Amazônia dedica os números 99 a 103 a refletir sobre “A força e o dom das mulheres”. Nesses parágrafos, o Papa Francisco reconhece abertamente que “Na Amazónia, há comunidades que se mantiveram e transmitiram a fé durante longo tempo, mesmo decénios, sem que algum sacerdote passasse por lá. Isto foi possível graças à presença de mulheres fortes e generosas, que batizaram, catequizaram, ensinaram a rezar, foram missionárias, certamente chamadas e impelidas pelo Espírito Santo. Durante séculos, as mulheres mantiveram a Igreja de pé nesses lugares com admirável dedicação e fé ardente. No Sínodo, elas mesmas nos comoveram a todos com o seu testemunho”.

A missão de pastorear, de cuidar das comunidades, tem sido assumida, como bem reconhece a exortação pós-sinodal do Sínodo para a Amazônia, por “mulheres fortes e generosas”. São muitas as mulheres que em todos os cantos da Amazônia podem ser reconhecidas entre aquelas de quem o Papa Francisco destaca sua “admirável dedicação”. Percorrendo algumas regiões da Amazônia, me adentrando pelos rios e igarapés, muitas vezes até as comunidades mais distantes, a gente tem descoberto a presença dessas mulheres imagem de Jesus Cristo que cuida, e por tanto boas pastoras.

De fato, o texto de Querida Amazônia, nesse modo de se expressar do Papa Francisco, direto, sem arrodeio, ao falar da Igreja, ele diz abertamente que “sem as mulheres, ela se desmorona, como teriam caído aos pedaços muitas comunidades da Amazónia se não estivessem lá as mulheres, sustentando-as, conservando-as e cuidando delas”. Isso é algo que também acontece em muitas comunidades das cidades amazônicas, especialmente nas periferias, onde a presença feminina se torna decisiva na maioria dos casos. Muitas comunidades das cidades teriam se desmoronado se as mulheres não estivessem entregando sua vida no dia a dia.

Neste tempo de pandemia, as mulheres têm sido uma forte expressão da Igreja samaritana, exemplo de cuidado numa região onde as consequências da Covid-19 têm provocado, estão provocando e irão provocar muita dor e sofrimento. Elas são prolongação da “força e a ternura de Maria”, como nos lembra Querida Amazônia. Mulheres que escutam, curam as feridas, distribuem o pão, semeiam esperança, carregam no colo a ovelha ferida e faminta.

Tudo isso acontece numa Igreja sinodal, onde o Papa Francisco reclama protagonismo feminino, pudendo “expressar melhor o seu lugar próprio”. O Documento Final do Sínodo, que o Papa assumiu, pede a criação do ministério de “mulher dirigente da comunidade”, e junto com isso “o Motu Propio de São Paulo VI, Ministeria quaedam, para que também mulheres adequadamente formadas e preparadas possam receber os ministérios do Leitorado e do Acolitado”, algo que já foi assumido no Motu Proprio “Spiritus Domini”, promulgado na última Festa do Batismo do Senhor, onde se reconhece o acesso das mulheres ao ministério instituído do leitorado e acolitado.

O Santo Padre já tinha advertido essa possibilidade em Querida Amazônia, onde disse que “convém recordar que tais serviços implicam uma estabilidade, um reconhecimento público e um envio por parte do bispo. Daqui resulta também que as mulheres tenham uma incidência real e efetiva na organização, nas decisões mais importantes e na guia das comunidades”.

Reconhecer essa Igreja pastoreada por mulheres, bem pastoreada, é fazer justiça com a história e abrir novos caminhos de futuro para a Igreja na Amazônia, que foi um dos objetivos do Sínodo para a Amazônia. Não alimentemos polêmicas que dividem e enfrentar e sim tenhamos uma atitude de acolhida e reconhecimento para com tantas experiências positivas, protagonizadas por mulheres, que tem ajudado a Igreja a perseverar e ser luz na vida dos povos amazônicos. Que as boas pastoras que deram a vida pelos povos continuem nos inspirando e conduzindo nos caminhos de Deus.

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