Este 15 março completa-se o primeiro centenário do nascimento de Dom José Maria Pires, nascido em 15 de março de 1919 em Conceição do Mato Dentro, Minas Gerais. Bispo de Araçuaí, em 1957, foi nomeado arcebispo da Paraíba em 1966, cargo ao qual renunciou em 1995. Sua morte ocorreu em 27 de agosto de 2017, coincidindo no calendário com a morte de Dom Helder Câmara e Dom Luciano Mendes de Almeida, a quem ao longo de sua vida ele esteve profundamente unido.
Na verdade, os três bispos ocupam um lugar em destaque na memória de muitos brasileiros pela sua condição de profetas, especialmente no que diz ao respeito à defesa dos direitos humanos durante os vinte anos de ditadura militar que sofreu o país, sendo uma voz forte e corajosa na defesa dos perseguidos pelo regime militar. Entre suas ações está a criação do Centro de Direitos Humanos, em 1971.
Dom José María Pires foi o primeiro bispo negro no Brasil. Ele mesmo relatou os preconceitos que sofreu em seus dias de seminarista porque era negro, algo que na época aceitou como parte do pensamento dominante. No entanto, isso o levou mais tarde a lutar pelos direitos dos negros, vítimas tradicionais de preconceito, o que lhe valeu o apelido de Dom Pelé, que lhe deu Dom José Vicente Távora, e Dom Zumbi, como foi chamado por Dom Pedro Casaldáliga.
Um dos elementos mais importantes na vida e missão do Monsenhor José Maria Pires foi o Concílio Vaticano II, do qual foi padre conciliar, participando de quatro sessões. Um de seus contínuos pedidos foi estudar mais o Vaticano nos seminários, promovendo uma formação mais próxima da realidade, integrada na vida do povo. Junto com isso, nos convertermos ao Vaticano II, que fosse colocado em prática, a fim de retornar ao espírito das primeiras comunidades cristãs, onde a fraternidade era a regra fundamental.
Sua proximidade com a causa negra e seu desejo de inculturar a liturgia na realidade do povo brasileiro, seguindo as orientações do Concílio Vaticano II, fez que ele presidisse pela primeira vez a “Missa de Quilombos”, escrita por Dom Pedro Casaldáliga e Pedro Tierra, com música de Milton Nascimento. Ficaram marcadas na história suas palavras na homilia daquela missa, na qual ele acusou a Igreja de não ter apoiado suficientemente a causa dos negros e não ter combatido a violência contra eles.
Em sua vida episcopal assumiu como estilo de vida aquele que nasceu do chamado Pacto das Catacumbas, onde os bispos se comprometeram a viver fora dos palácios, com a maior simplicidade, ao lado das famílias mais simples, o que provocou que fosse chamado de comunista, como aconteceu com vários bispos do Brasil, pelo Governo Militar, que exerceu constantes pressões e intimidações sobre eles, como o controle da correspondência e muitos outros episódios. Ele reconheceu várias vezes que nas paredes de sua casa era comum que alguém escrevesse que era comunista, que, aliás, não o incomodava muito.
Lembrar o centenário do seu nascimento é uma oportunidade para recuperar o seu legado e refletir sobre a necessidade de uma Igreja comprometida com as causas do povo, um elemento que é particularmente importante no momento histórico que o Brasil está vivendo. Nesse sentido, é bom lembrar as palavras com que Dom Helder Câmara falou dele no prefácio do livro Do Centro para as Margens, publicado em 1987, mas que recolhem ideias que hoje estão presentes no pensamento do Papa Francisco: “Dom José Maria vai às causas, vai às raízes… E fala claro, sem perder a serenidade, mas chamando as coisas pelos nomes. Quem quiser livrar-se de um Cristianismo desencarnado, quem quiser livrar-se de ensinamentos inodoros, incolores, pregados no vácuo, leia suas páginas”.
Foto de capa: Canal You Tube