Em sua única visita à Amazônia, em janeiro de 2018, o Papa Francisco, em seu encontro com os povos indígenas, disse que “temos que romper com o paradigma histórico que vê a Amazônia como uma despensa inesgotável dos Estados sem levar em conta seus habitantes”.
Esta é uma realidade que reflete a situação na região onde essas palavras foram faladas, o departamento peruano de Madre de Dios. Em sua capital, Puerto Maldonado, ele fez um chamado para refletir sobre um aspecto presente em toda a Amazônia. Andar por esses lugares, e saber um pouco sobre o que acontece lá, nos leva a dizer que Francisco estava certo.
Uma das maiores ameaças é o garimpo de ouro, legal e ilegal, que está destruindo não só o ambiente, mas também a vida das pessoas, daqueles que nasceram no local e de tantos migrantes, geralmente dos departamentos vizinhos, que em busca de uma vida melhor acabam vivendo em situações muitas vezes desumanas.
Nos últimos meses, tem se produzido uma intervenção do Estado peruano na região conhecida como La Pampa, de onde foram expulsos cerca de trinta e cinco mil mineiros, que, segundo o governador da região, Luis Hidalgo Okimura, é de grande preocupação, porque isso resultou no surgimento de novos focos de mineração, embora haja vozes que dizem que eles ainda estão trabalhando no local, ao que também vincula o aumento do crime em Puerto Maldonado.
Segundo os agentes de pastoral do Vicariato de Puerto Maldonado, a mineração ilegal, o que é um desastre, provoca a destruição ambiental e resulta em tráfico de pessoas e todas as formas de exploração, incluindo crianças, ao ponto de afirmar que nos garimpos, a primeira coisa instalada é a cantina e a prostituição, se incrementando os assaltos, assassinatos e desaparecimentos, pudendo dizer que nesses lugares só entra com permissão, pois lá domina a lei do mais forte, e as pessoas se tornam rudes e ninguém confia em ninguém. Junto com isso, o cultivo de coca está progredindo, especialmente entre algumas autodenominadas “associações de agricultores” que vieram de outras regiões do Peru.
As paisagens que gera a atividade de mineração são dantescos, a destruição e o impacto ambiental causam sérias consequências de todos os tipos. Nós nos encontramos com comunidades indígenas onde a pressão é tão grande que eles perderam até mesmo os recursos que garantiram sua sobrevivência, eles ficaram sem caça e pesca e a contaminação do solo e da água os impede de plantar. Isso está causando alguns indígenas também trabalham na mineração, está se tornando a única alternativa para a sobrevivência, embora na verdade o lucro que eles encontram é raro porque na maioria dos casos já ocupam áreas exploradas onde o desempenho muitas vezes não compensa o esforço investido.
Dizer que a mineração deve ser interrompida e não oferecer outras possibilidades não é a melhor opção. Portanto, é necessário promover alternativas de desenvolvimento, o que é possível, especialmente no campo do turismo, porque é uma região com grande biodiversidade e paisagens atraentes. O mesmo pode ser dito no campo da agricultura sustentável, onde estão sendo desenvolvidos projetos da Caritas do Vicariato em Puerto Maldonado, também na tentativa de recuperar áreas degradadas. Nesse sentido, os diferentes governos são acusados de realizar planos de desenvolvimento não acordados com o povo, o que dificulta que possam dar certo.
Como reconhecido por Dom David Martinez de Aguirre Guiné, bispo de Puerto Maldonado, seguindo as palavras do Papa Francisco, o grito da Terra e o grito dos pobres é o mesmo, que de acordo com o prelado deve levar-nos a nos perguntarmos como vivemos, um questionamento que deve ser não apenas pessoal, mas também como Igreja, como comunidade cristã.
Há iniciativas que demonstram em pequena escala que é possível preservar o meio ambiente, e até mesmo recuperar áreas degradadas, como foi provado pela experiência Victor Zambrano, Presidente da Comissão de Gestão da Reserva Nacional Tambopata e uma das figuras mais respeitadas entre os ambientalistas peruanos, que já recebeu reconhecimento internacional por este trabalho. Seu lema é “conservar para viver”, uma atitude que é urgente assumir na Amazônia e que ele pratica há décadas.
O departamento de Madre de Dios tem quase 50% de seu território dentro de áreas protegidas, o que o torna uma região imensamente diversificada, de acordo com Victor Zambrano, até o ponto que o Congresso peruano deu anos atrás, o título de capital da biodiversidade. Segundo o ambientalista, a mineração ilegal ocupa menos de 1% do território da região, mas os últimos governos não fizeram nada para resolver o problema, colocando a corrupção como denominador comum.
Depois de 15 anos insistindo, o governo Vizcarra, finalmente escutou, algo que não foi fácil, de acordo com Zambrano, que reconhece ter alcançado os níveis mais altos dos diferentes governos, para mostrar o problema e fornecer a solução, porque sempre que foram ao governo “não foi simplesmente pedir ou reclamar, mas principalmente para entregar propostas”, enfatiza o ambientalista. O que sempre foi procurado foi erradicar a atividade de mineração, algo que está chegando atrasado, porque se isso tivesse sido realizado desde o primeiro momento, os efeitos não teriam sido tão chocantes.
Esta atividade foi crescendo exponencialmente, começou com cerca de mil mineiros e atingiu um limite de quarenta mil, apenas na área de La Pampa, cerca de quinze ou vinte mil hectares que hoje podem ser definidas como “solo lunar”, totalmente desmatadas e devastadas. Diante disso, nunca houve vontade política de erradicar essa atividade, que teve como consequência a criação de um estado paralelo, controlado pelas máfias, onde aqueles que entravam nunca saíam. Essa situação foi abordada com a intervenção do Estado peruano na região, uma ação que critica diante da falta de consulta às instituições locais e de coordenação entre os diferentes órgãos envolvidos.
O Comitê Gestor da Reserva Nacional de Tambopata insistiu na necessidade de se reunir e começar a propor alternativas, para mostrar uma estratégia de ação que possa servir de base para a criação de uma proposta à luz da atual situação na região de Madre de Dios. A grande questão é como estruturar os projetos que o governo peruano está disposto a realizar, um aspecto complicado, levando em conta os antecedentes, o que mostra que não é fácil para esse tipo de iniciativa funcionar.
A proposta de Victor Zambrano é criar um projeto de agro florestaria, que somente será realizada se são criados núcleos para acompanhar o projeto, formados por instituições especializadas da sociedade civil, o que não é fácil, pois já foram criadas iniciativas em outros momentos e os organismos governamentais não respeitaram este tipo de iniciativas. Por essa razão, o ambientalista exige que haja alguém para acompanhar esses projetos, para evitar que os recursos “vão para a água”, pois isso vai provocar que eles não cheguem onde deveriam e não se consertem os problemas ambientais.
O ambientalista ressalta a importância das chamadas áreas de amortecimento das reservas nacionais, algo que hoje não é controlado por nenhuma agência, que se limitam a culpar umas às outras, o que faz com que ninguém assuma essa responsabilidade, algo que foi denunciado em diferentes áreas por Víctor Zambrano. Ele vê como essencial que haja um fluxo de comunicação entre as autoridades e os atores diretamente envolvidos. Sem isso, “não tem um horizonte claro”, diz o ambientalista, e “sempre estará comprometido com as situações mais fáceis, que é a corrupção”.
Procuremos tornar reais as palavras do Papa Francisco aos povos indígenas, onde ele reconhece que “é justo reconhecer a existência de esperançosas iniciativas que surgem das vossas próprias realidades locais e das vossas organizações, procurando fazer com que os próprios povos originários e as comunidades sejam os guardiões das florestas e que os recursos produzidos pela sua conservação revertam em benefício das vossas famílias, na melhoria das vossas condições de vida, da saúde e da instrução das vossas comunidades”. Esperamos que um dia possamos dizer que Francisco também estava certo.