Luta por direitos, ética e comunicação

Por frei Gilvander Moreira

Na era do celular e da internet (instagram, whatsapp, facebook, tiktok etc) está muito mais difícil o Estado e a classe dominante sustentarem sua hegemonia primando exclusivamente pelo emprego da força bruta militar. A classe dominante lança mão dos grandes meios de comunicação e da internet para colocar na pauta do cotidiano das pessoas o entretenimento, o economicismo e a violência (tríade que atualiza a política do “pão e circo”), tudo isso trombeteado aos quatro ventos. Assim, mais escondendo do que revelando, o poder midiático se tornou ‘o maior partido político’, pois constrói falsos consensos que ‘legitimam’ a ação repressora do Estado e da classe dominante. Por isso, atualmente é inconcebível a luta pela terra, por território e por moradia sem um intenso processo de comunicação a partir da microcomunicação. Não basta mais só lutar. É preciso lutar e comunicar permanentemente e de forma intensa as lutas que estão sendo travadas e os seus desdobramentos. Isso altera a correlação de forças e o ‘equilíbrio’ que o filósofo Antonio Gramsci alerta dever existir para a perpetuação da hegemonia da ordem estabelecida. Assim como o Estado não pode usar só a força para se impor, mas precisa buscar consensos, na luta pela terra, por território e por moradia, para que a luta por direitos seja de alguma forma pedagogia de emancipação humana, não basta os Sem Terra, os Sem Teto e os Povos Tradicionais se unirem, se organizarem e ocuparem os latifúndios que não cumprem sua função social e retomarem seus territórios que foram invadidos e grilados de muitas formas ao longo de 522 anos, mas é preciso, também, buscar consensos na sociedade disputando a opinião pública para apoiar a causa da democratização e da socialização da terra, dos territórios e dos direitos sociais, entre os quais está o morar de forma adequada. Se o movimento de luta pela terra, por território e moradia se isola, fica fácil ser aniquilado pelas forças do latifúndio, do agronegócio, da especulação imobiliária, do Estado, enfim, forças do capital. 

Atento a isso, nos últimos dez anos, gravamos no calor das lutas mais de quatro mil videorreportagens e disponibilizamos na internet (youtube, facebook, blogs, whatssap, instagram etc), os quais já têm mais de três milhões de visualizações no total. Alguns desses vídeos me renderam processos judiciais movidos por empresas, juiz, desembargadora e empresários, porque ficaram incomodados com as denúncias que fizemos. Todos alegam ‘calúnia, injúria e difamação’, mas estão todos dentro do direito à informação e da liberdade de expressão.

Participar de lutas por direitos é imprescindível. A essência da participação está em romper voluntária e conscientemente pela luta a relação assimétrica de submissão e de dependência existente no binômio sujeito-objeto, segundo a qual o sujeito seria o ativo e o objeto, o passivo. E, obviamente, desestabilizar as estruturas e instituições que sustentam assimetrias e desigualdades. Para isso é elementar não recairmos em uma espécie de esquizofrenia social, onde alguém luta por justiça sem ser justo; denuncia violação de direitos humanos, mas no comportamento pessoal é machista, racista, homofóbico, antiecológico e imoral. Isso corrói como vírus transmissível o tecido social de quem busca emancipação. Sem colocar em prática o melhor do ser humano pelo qual se luta não pode haver emancipação. A coerência pessoal e a integridade moral do militante da luta pela terra, por território e moradia é condição sine qua non para a lutar avançar em conquistas de direitos sociais e, assim, ser de alguma forma emancipatória.

Para analisarmos as relações entre a política, a subjetividade social e uma ética emancipatória com o objetivo de construirmos uma sociedade justa e solidária não basta considerarmos a concepção de poder da filosofia dialética marxista, mas precisamos também da ótica foucaultiana de análise do poder bem apresentada pelo pensador Jorge Acanda, assim: “O poder não é uma instituição, nem uma estrutura, nem uma certa força de que certas pessoas são investidas; é o nome dado a uma relação estratégica complexa em uma determinada sociedade. […] Na realidade, o poder significa relações, uma rede mais ou menos organizada, hierárquica, coordenada. […] O que faz com que o poder se sustente, que seja aceito, é simplesmente que ele não pesa apenas como um poder que diz não, mas realmente penetra, produz coisas, induz ao prazer, forma saberes, produz discursos; deve ser considerado como uma rede produtiva que perpassa todo o corpo social e não como uma instância negativa cuja função é reprimir”  (ACANDA, 2000, p. 91).

Entendemos ‘sociedade civil’ não como algo separado da sociedade política e do Estado, como assinalou Gramsci (Cf. ACANDA, 2002, p. 254), mas como “cenário legítimo de confronto de aspirações, desejos, objetivos, imagens, crenças, identidades, projetos, que expressam a diversidade constituinte do social” (ACANDA, 2002, p. 257).

Diante do esgotamento e das contradições do socialismo real centrado no Estado, para que a luta pela terra, por território e por moradia seja pedagogia de emancipação humana é imprescindível repensar o socialismo inclusive nas perspectivas ética, cultural e ecológica. Jorge Acanda pondera: “O esgotamento histórico do modelo de socialismo baseado na unicentricidade do Estado, e a necessidade de avançar para a organização de um socialismo pluricêntrico, acarreta a necessidade de interpretar o socialismo como tensão e de estruturar um projeto alternativo às receitas neoliberais que não seja apenas econômico e político, mas também – e sobretudo – moral, cultural e ecológico” (ACANDA, 2003, p. 131).

Enfim, lutar por direitos exige comunicação intensa que fure a bolha da ideologia dominante e dê visibilidade às reivindicações justas e legítimas dos grupos injustiçados. Participar é imprescindível, mas cultivando a ética do que pode haver de melhor na pessoa humana. 

Referências

ACANDA, Jorge Luis. Luces y sombras, la apropiación de Gramsci en Cuba en el último decenio. In: Hablar de Gramsci. La Habana: Centro Juan Marinello, 2003.

___. Sociedad civil y hegemonía. La Habana: Centro Juan Marinello, 2002.

07/02/2023

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 – Frei Gilvander e CPT: Exigimos a Preservação integral da Mata do Jd. América, BH/MG! Natureza, SIM!

2 – Prédios de 17 andares com quase 500 aptos de luxo na Mata do Jd. América em BH/MG? Inadmissível!

3 – “Basta de propostas conciliatórias sobre a Mata do Jd. América, em BH/MG! Preservação 100%, JÁ!”

4 – Basta de especulação imobiliária na Mata do Jd. América, em BH/MG! O justo é preservação 100%, JÁ!

5 – SALVE a Mata do Jd. América, em BH/MG, com urgência! Anulação do acordo injusto e sob coação, JÁ

6 – Mata do Jd. América em BH/MG, único pulmão de 11 bairros de BH. Preservação INTEGRAL 100%, JÁ! v. 2

7 – MRS alega risco inexistente p expulsar famílias, demolir casas, se apropriar Jd. Ibirité, Ibirité/MG

Sair da versão mobile