Marcha com os Refugiados em Manaus: “o papel da Igreja é acolher, abraçar os vulneráveis”

Por Luis Miguel Modino

Entre os eventos do Dia Mundial do Refugiado, celebrado no dia 20 de junho, e a Semana Nacional dos Migrantes, organizada pela Igreja do Brasil de 16 a 23 de junho, aconteceu no sábado, 22 de junho, a Caminhada com os Refugiados em Manaus, tradicional ponto de presença de migrantes no Brasil, e que nos últimos anos tem recebido um bom número de venezuelanos. O evento, organizado pela Caritas Manaus, a ACNUR (Agência de Refugiados da ONU) e a Embaixada da França no Brasil, teve uma série de atividades recreativas e culturais, nas quais participaram os migrantes venezuelanos e membros da organizações que os acolhem.

Uma das presentes foi Aba, imigrante venezuelana que se diz grata “ao Brasil por nos receber”, insistindo que “o Brasil tem sido um povo de braços abertos com migrantes, especialmente com os venezuelanos”. A situação que os venezuelanos passam em Manaus e outros lugares no Brasil não é fácil, ela admite que há muitos, inclusive “muitos de nós estamos na rua, não é o que esperávamos quando chegamos, pensamos que nos esperaria uma realidade melhor de vida que na Venezuela, mas infelizmente não é assim, ainda somos muitos venezuelanos na rua”.

Ela mesma vive essa situação, porque parece estar perto de ter que sair de casa onde mora, “agora estou quase na rua, não é fácil”, diz a mulher de meia idade, que novamente diz que “temos a ajuda do povo brasileiro, a ajuda da ACNUR, da Caritas, de outras organizações”. Ao falar sobre a caminhada, ela diz que a intenção é “ser uma voz, dizer aqui estamos”.

Como muitos imigrantes, ela diz “saímos do nosso país em busca de um novo horizonte, uma vida melhor e também temos que lutar aqui, mas não é fácil, não é tão fácil de lutar no Brasil, embora haja muita ajuda no Brasil”. Portanto, ela vê a caminhada como uma oportunidade para “podermos chamar mais atenção e provocar mais consciência do que os imigrantes estamos sendo sometidos aqui”. Ela insiste que “embora seja verdade que o povo brasileiro nos recebe com muito amor, com muita ajuda, somos muito carentes de ajuda, de ter uma melhor qualidade de vida, ter um emprego, ter como cuidar de nossas necessidades”. Por essa razão, ela agradece ao Brasil, Caritas, ACNUR, “mas ainda há muito trabalho a fazer”.

Como em muitas partes do mundo, a exploração de migrantes e refugiados também é uma realidade no Brasil. Aba diz que não se sente explorada, “mas ouvi falar de exploração no trabalho, há muitos empresários, pessoas que contratam venezuelanos, pagam bem abaixo do salário, com muitas, muitas horas de trabalho. Eu ouço isso de compatriotas venezuelanos”. Outra realidade cruel, que diz sentir-se vitimada é que “as mulheres estão sendo muito assediadas sexualmente, não estão sendo protegidas tanto de homens venezuelanos como brasileiros, todo dia quando saímos para a rua, na convivência, onde estamos nas casas, nos quartos, estamos sempre sendo agredidas sexualmente, e isso não deveria ser, tem que acabar com isso”. A isso se acrescenta uma realidade ainda mais dura, como é o abuso sexual de crianças migrantes, que ela diz ter ouvido e repudia veementemente.

Desde a ACNUR, Victoria Hugueney, assistente de informação pública do organismo, reconhece essa realidade, “existem também casos de violência sexual e de gênero, existem casos de trabalho análogo à escravidão”. Segundo ela, “as vulnerabilidades estão relacionadas ao fato de a pessoa ter sido forçada a sair de sua casa, de seu país e não ter possibilidade de levar nada consigo”. Isso significa que “as pessoas muitas vezes não têm condições financeiras para sobreviver, têm muitas qualificações profissionais, têm muitas capacidades, têm uma ou duas faculdades, têm doutorado, têm qualificação técnica, mas não têm oportunidade”. O resultado de tudo isso é que “quando chegam aqui no Brasil não têm onde morar, eles não têm como trabalhar, têm a dificuldade da língua”.

No estado do Amazonas, a ACNUR trabalha na proteção de refugiados, “isso significa apoiar organizações da sociedade civil no refúgio, na identificação de vulnerabilidades, na promoção, na geração de renda”, segundo Victoria Hugueney. Ela diz que “todas as questões que envolvem o bem-estar e proteção dessas pessoas, nós apoiamos”. Entre outras formas de ajuda, Victoria fala sobre ajuda financeira “para as famílias terem uma renda mensal ao longo do tempo para poderem recomeçar suas vidas”.

Para o secretário executivo da Caritas Manaos, Afonso Oliveira, essa caminhada “tem um significado de acolhida, de integração, de abraço desse povo que vive aqui em Manaus, para essa população de migrantes que chegam, principalmente venezuelanos”. Ele reconhece que “há outros povos que chegam aqui, colombianos, peruanos, bolivianos, a comunidade árabe, que construiu praticamente o comércio nesta cidade”, mas agora o trabalho da Caritas é centrado, “de modo especial nesse povo que está vivendo momentos difíceis, político, social, económico, no país”.

Afonso Oliveira insiste que “é muito importante esse momento de dar visibilidade a esse Dia Mundial do Refugiado, do migrante, e o papel da Caritas é o papel da Igreja, é de acolher, é de abraçar estas pessoas que estão vulneráveis pela situação social, econômica e política que se vive em seu pais”. Segundo ele, com esta caminhada, “respondemos ao chamado da Igreja, “Compartilhe a Viagem”, lançado pelo nosso Papa, um milhão de passos”. Portanto, da Caritas “a gente quer remarcar também essa data aqui em Manaus, tão importante para dizer que nós estamos acolhendo todos aqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade social”.

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