Durante esses cinco dias, a CPT reforçou a Campanha “De olho aberto para não virar escravo!”, intensificando a divulgação de materiais informativos e educativos sobre a temática. Através de “lives”, aconteceram várias iniciativas, ao longo de toda a Semana; em especial, houve no dia 13 uma “live” com o tema “o trabalho escravo ainda tem cor?”. Discutiu-se como o racismo contribui para essa realidade e de que maneira a pandemia agrava a situação.
De acordo com a CPT, “nos último 24 anos, 54.778 pessoas em situação análoga à escravidão foram libertadas em todo o país. É considerada escravizada uma pessoa submetida a condições degradantes de trabalho, jornada exaustiva ou a alguma forma de privação de liberdade de ir e vir, inclusive, por meio de dívida ou de trabalho forçado”.
Segundo o art. 149 do Código Penal, reduzir alguém a esta condição é crime e a pena é de dois a oito anos de prisão, além de multa.
Em 2019, “130 casos de trabalho escravo foram identificados em todo o país, envolvendo 1.208 pessoas e resultando no resgate de 1.050 trabalhadores/as. As ocorrências, de norte ao sul do país, abrangeram diversos segmentos, como pecuária, lavouras, produção de carvão vegetal, mineração, confecção, construção civil e serviços diversos”.
Esses dados, sistematizados pela Campanha “De olho aberto para não virar escravo!”, “têm como fonte principal as informações da Secretaria de Inspeção do Trabalho (hoje lotada no Ministério da Economia)”.
A CPT constata: “Desemprego, informalidade e desmonte dos direitos tendem a acentuar e invisibilizar a exploração dos trabalhadores. Embora um pouco superiores aos dos 3 anos anteriores, os números de 2019 confirmam uma tendência dos últimos anos: a diminuição da quantidade de trabalhadores/as envolvidos/as e resgatados/as. No entanto, não há sinal de que a prática do trabalho escravo tenha realmente diminuído”.
Hamilton Luz – integrante da Campanha “De olho aberto para não virar escravo!” – alerta: “Conseguir emprego se tornou uma proeza tão hipotética que, mesmo submetido a humilhações, violação de direitos, sendo tratado até́ pior que animal, o trabalhador resiste à ideia de denunciar. Ainda mais quando a lei que protegia seus direitos sofre desmontes sucessivos como foi acontecendo a cada ano ultimamente”.
E continua: “Sem denúncia precisa investigar bastante para localizar focos de trabalho escravo escondidos atrás da ‘normalidade’. Em contexto de gritante restrição de recursos, a fiscalização sozinha, com meios minguando faz anos, dificilmente consegue dar conta”.
A precarização dos empregos e o desmonte dos direitos agravaram a situação do trabalho escravo no país. “Um dos grandes vilões – comenta Hamilton – é o desemprego (além da concentração de terra e a falta da Reforma Agrária); a pessoa desempregada, na maioria das vezes, não pensa duas vezes antes de aceitar um emprego, e é nessas horas que os ‘gatos’, os aproveitadores da ‘miséria’ alheia dão o ‘golpe’”.
A denúncia profética (profundamente humana e evangélica) e o combate destemido da CPT ao trabalho escravo são um testemunho de vida que nos anima a todos e a todas.
Como cristão, com indignação e muita dor, pergunto: Por que as Paróquias e Dioceses da Igreja (com poucas exceções), em cujos territórios se encontram situações de trabalho escravo, não tomam a mesma atitude que a CPT toma? Conhecendo melhor e mais de perto tais situações, e sabendo até o nome dos responsáveis, com certeza sua denúncia seria mais eficaz e teria mais força mobilizadora. Às vezes, os responsáveis por essas situações de trabalho escravo participam – hipocritamente – da Paróquia, são “benfeitores” e comungam todo domingo!
As Paróquias e Dioceses lembrem-se que a omissão é um pecado e uma traição do Evangelho.
Devido às orientações das Organizações de Saúde de distanciamento e isolamento sociais por causa da pandemia do novo coronavírus, este ano – na “Semana de Comunicação e Combate ao Trabalho Escravo” – não teve palestras, reuniões e panfletagens. As atividades foram realizadas por meio de plataformas digitais e veículos de comunicação.
O material informativo sobre o trabalho escravo contemporâneo pode ser acessado através dos canais da CPT: Facebook, Youtube e site.
A CPT faz, pois, um apelo: “O/a trabalhador/a que presenciar qualquer situação de trabalho escravo, deve procurar orientação e apoio. A denúncia é fundamental. Ela poderá ser recebida na Superintendência do Ministério do Trabalho, no Ministério Público do Trabalho, na Polícia Federal, na Polícia Rodoviária Federal, na Comissão Pastoral da Terra e nos Sindicatos dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais”.
Reconhecemos também que – infelizmente – o retrato do resto do mundo sobre o trabalho escravo não é diferente do Brasil. “De acordo com a ‘Fundação Caminhar em Liberdade’, ONG que compila anualmente um Índice Global da Escravidão, calcula-se que, atualmente, mais de 60 milhões de pessoas vivam como escravos/as. A pesquisa aponta que a escravidão existe em 167 países, mesmo na Europa e na América do Norte. As formas atuais da escravidão podem ser trabalhos precários e desumanos, o tráfico de escravas e escravos sexuais, trabalho infantil não remunerado e assim por diante. Na Inglaterra, Kevin Bales, professor de sociologia da Universidade de Surrey, declarou que, já no começo do século XXI, no Reino Unido, 27 milhões de pessoas viviam na escravidão. Como será atualmente?”
(https://portaldascebs.org.br/2020/05/11/ainda-temos-de-abolir-as-escravidoes-por-marcelo-barros/).
Por fim, podemos dizer que, em pleno século XXI, o trabalho escravo – verdadeira barbárie humana – continua e é uma das faces mais perversas e cruéis do pecado estrutural (social).
Um outro mundo é possível e necessário! O combate ao trabalho escravo continua! A esperança nunca morre!
Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção – SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
Goiânia, 20 de maio de 2020