Os povos indígenas nos ensinam que a comunidade é uma vivencia e não uma ideia

O decorrer da vida e dos anos vai ensinando-nos que, mais do que segurar bandeiras, temos que assumir causas, sonhos, esperanças…, que nascem da convivência com aqueles que essa vida vai colocando ao nosso lado. Estar com os olhos, os ouvidos e o coração aberto nos ensina a sentir a necessidade de aprender, de se deixar inundar pela sabedoria que nasce da simplicidade.

Conviver com os povos indígenas é um manancial de vida nova, de contínuos aprendizados sobre como viver em comunidade, de pensar no coletivo acima dos interesses individuais, que sempre deixam aflorar na gente um dos maiores pecados da humanidade, o egoísmo.

No contato com os povos originários, a gente vai descobrindo o que significa ser comunidade desde a prática do dia a dia, e não só a tempo parcial, ser comunidade como uma vivencia interior e não como um vestido que uso segundo a conveniência. Às vezes nos deparamos com teóricos das comunidades, inclusive das CEBs, gente que se deixa levar por pensamentos que o transportam num mundo que dificilmente se concretiza no contato cotidiano com os outros, gente que fica no plano especulativo e tem a maior dificuldade para colocar o pé no chão e se sujar com as feridas do outro.

Ser comunidade, ou ser CEBs, não se limita ao uso de uma linguagem, que as vezes parece mais própria de seitas, e sim assumir um jeito de viver, de olhar para o outro, de se relacionar com o diferente, com o irmão, com o parente… Lutar juntos para fazer realidade o Reino de Deus, sempre fonte de vida para todos e todas, inclusive para quem é diferente, vive diferente o enxerga Deus de um modo diferente.

O Concilio Vaticano II nos faz um chamado, e disso já passaram mais de cinquenta anos, sobre a necessidade de unir fé e vida se realmente queremos ser cristãos. O contato com os povos indígenas me ajuda descobrir isso em múltiplos detalhes: a facilidade para acolher o outro, a partilha como atitude vital, a harmonia com a natureza, o cuidado mutuo. Tudo isso, porque é isso o que Deus espera de quem diz acreditar nele, independentemente do nome que demos a esse Deus.

O pior de tudo é que tem gente que muitas vezes se faz presente nesses lugares para introduzir um catolicismo romano que não é entendido, mas também não é explicado. E tudo isso às presas, sem tempo, nem vontade, de ser uma presença continua e cotidiana, na qual possa ser descoberta a chegada do Deus que vem ao nosso encontro para ficar sempre do lado da gente.

Um dos maiores pecados da Igreja da Amazônia é que não nos fazemos suficientemente presentes nas periferias, tanto das grandes cidades como das imensas florestas. As CEBs devem refletir sobre essa presença cotidiana, que acompanha a vida pessoal dos indivíduos, que vai além de encontros de grande ou pequeno porte, que podem ser necessários, mas são claramente insuficientes.

A evangelização se faz realidade através de instrumentos que são esquecidos na dinâmica das CEBs e dos quais tanto precisam os homens e mulheres de hoje, também aqueles que vivem nas comunidades mais afastadas. Só o contato pessoal nos ajuda a conhecer e assumir as causas dos povos da floresta, a sentir suas lutas como próprias, a sermos partícipes de sua cultura e forma de viver e entender a Deus, que sempre esteve presente ao lado desses povos, aonde chegou bem antes do que qualquer missionário.

Ser Igreja de CEBs é fazer realidade uma Igreja que se constrói a partir da escuta, do olhar, da presença, uma Igreja que se faz companheira de caminho, que não duvida em estar onde ninguém quer estar, com quem ninguém quer estar, como ninguém quer estar.

Por Luiz Miguel Modino

 

 

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