Pacto das Catacumbas pela Casa Comum

Por Leonardo Boff

Nunca faltou na Igreja,não obstante sua estrutura hierarquizada e assentada sobre a categoria do “poder sagrado”(sacra potestas), a presença constante do  carisma. Este contrabalança o poder necessário para ordenar a comunidade eclesial, trazendo-lhe inovações que nascem da força do Espírito Santo e do Ressuscitado que penetram a Igreja e o mundo. Estas inovações conferem permanente atualidade à mensagem de Jesus, o Nazareno, trabalhador, camponês mediterrâneo, que veio para nos ensinar a viver os bens que são o conteúdo de sua mensagem do Reino de Deus: o amor incondicional,a misericórdia, a solidariedade, a plena irmandade e especialmente a abertura confiada no Deus que é Pai com características de Mãe. Uma vez mais, bispos da América e do Caribe junto com outros  que com eles se associaram, foram às Catacumbas de Santa Domitila, onde se viveu um Cristianismo martirial,humilde, igualitário, jovial mesmo dentro de uma situação de perseguição. Essa Igreja das Catacumbas é sempre visitada por milhares de cristãos que lá vão alimentar sua fé e se inspirar para viver o sonho inarredável de Jesus, crucificado e agora ressuscitado entre nós. Ele é a esperança de vida plenamente humana, já neste mundo e de vida eterna,no novo mundo, no coração do Deus Trindade. No final do Concílio Vaticano II (1962-1965) muitos bispos do mundo inteiro inauguraram seu compromisso de uma igreja pobre, servidora e profética. Agora,em 2019 se renova este gesto profético e messiânico de uma “Igreja com rosto amazônico, pobre, servidora,profética e samaritana”.  É a partir de tais gestos simbólicos e sacramentais que se consolida um caminho novo da Igreja em nosso Continente no meio da Amazônia, o filtro do mundo e a reserva de vida para a nossa e todas as futuras gerações, privilegiando os povos originários que, com referência ao cuidado para com a floresta, são nossos mestres e doutores, como na Igreja dos primórdios se dizia dos pobres. Todos estes que fizeram esta Pacto das Catacumbas pela Casa Comum  comparecem como nossos Padres e Madres, com o mesmo valor e dignidade daqueles Padres e Madres da Igreja dos primeiros séculos, que conservaram e nos entregaram até hoje o legado de Cristo e de seu Espírito. L.Boff

              Pacto das Catacumbas pela Casa Comum

Por uma Igreja com rosto amazônico, pobre e servidora, profética e samaritana

Nós, participantes do Sínodo Pan-amazônico, partilhamos a alegria de habitar em meio a numerosos povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, migrantes, comunidades na periferia das cidades desse imenso território do Planeta. Com eles temos experimentado a força do Evangelho que atua nos pequenos. O encontro com esses povos nos interpela e nos convida a uma vida mais simples de partilha e gratuidade. Marcados pela escuta dos seus clamores e lágrimas, acolhemos de coração as palavras do Papa Francisco:

“Muitos irmãos e irmãs na Amazônia carregam cruzes pesadas e aguardam pela consolação libertadora do Evangelho, pela carícia de amor da Igreja.

Por eles, com eles, caminhemos juntos”.

Evocamos com gratidão aqueles bispos que, nas Catacumbas de Santa Domitila, ao término do Concílio Vaticano II, firmaram o Pacto por uma Igreja servidora e pobre. Recordamos com veneração todos os mártires membros das comunidades eclesiais de base, de pastorais e movimentos populares; lideranças indígenas, missionárias e missionários, leigas e leigos, padres e bispos, que derramaram seu sangue, por causa desta opção pelos pobres, por defender a vida e lutar pela salvaguarda da nossa Casa Comum. À gratidão por seu heroísmo unimos nossa decisão de continuar sua luta com firmeza e coragem. É um sentimento de urgência que se impõe ante as agressões que hoje devastam o território amazônico, ameaçado pela violência de um sistema econômico predatório e consumista.

Diante da Trindade Santa, de nossas Igrejas particulares, das Igrejas da América Latina e do Caribe e daquelas que nos são solidárias na África, Ásia, Oceania, Europa e no norte do continente americano, aos pés dos apóstolos Pedro e Paulo e da multidão dos mártires de Roma, da América Latina e em especial da nossa Amazônia, em profunda comunhão com o sucessor de Pedro, invocamos o Espírito Santo,   e nos comprometemos pessoal e comunitariamente com o que se segue:

Conscientes de nossas fragilidades, de nossa pobreza e pequenez diante de tão grandes e graves desafios, confiamo-nos à oração da Igreja. Que sobretudo nossas Comunidades Eclesiais nos socorram com sua intercessão, afeto no Senhor e, sempre que necessário, com a caridade da correção fraterna.

Acolhemos de coração aberto o convite do Cardeal Cláudio Hummes para nos deixarmos guiar pelo Espírito Santo nestes dias do Sínodo e no retorno às nossas igrejas:

“Deixem-se envolver no manto da Mãe de Deus e Rainha da Amazônia. Não deixemos que nos vença a auto-referencialidade, mas sim a misericórdia diante do grito dos pobres e da terra. Será necessária muita oração, meditação e discernimento, além de uma prática concreta de comunhão eclesial e espírito sinodal. Este sínodo é como uma mesa que Deus preparou para os seus pobres e nos pede a nós que sejamos aqueles que servem à mesa”.

Celebramos esta Eucaristia do Pacto como “um ato de amor cósmico. “Sim, cósmico! Porque mesmo quando tem lugar no pequeno altar duma igreja de aldeia, a Eucaristia é sempre celebrada, de certo modo, sobre o altar do mundo”. A Eucaristia une o céu e a terra, abraça e penetra toda a criação. O mundo saído das mãos de Deus, volta a Ele em feliz e plena adoração: no Pão Eucarístico “a criação propende para a divinização, para as santas núpcias, para a unificação com o próprio Criador”. “Por isso, a Eucaristia é também fonte de luz e motivação para as nossas preocupações pelo meio ambiente, e leva-nos a ser guardiões da criação inteira”.

Catacumbas de Santa Domitila

Roma, 20 de outubro de 2019.

Matéria publicada em seu blog no último domingo (20). https:// https://leonardoboff.wordpress.com/

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