PEDRO E PAULO: diferenças que se encontram

Pe. Adroaldo sj

“Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?” (Mt 16,13).

A Igreja, ao unir numa só celebração, duas figuras humanas tão diferentes Pedro e Paulo nos indica o quê pretende com esta festa: manifestar a obra comum que Deus realizou através deles. Com certeza, a liturgia descobriu a complementariedade desses dois homens; são um claro exemplo de que personalidades tão diferentes se revelaram autênticos seguidores de Jesus.

Foram completamente diferentes na formação pessoal: Pedro era simplesmente um pescador, sem nenhuma preparação, mas teimoso e sincero. Paulo era um intelectual. Havia passado pela escola rabínica, onde se envolveu no estudo profundo da Lei. Um com sua simplicidade e espontaneidade e o outro com sua agudeza intelectual, constroem a única Igreja. Tanto em Cesaréia de Filipe (Pedro), como no caminho de Damasco (Paulo), Jesus des-vela a originalidade e a diferença de cada um deles (rocha), sobre as quais vai fundamentar sua nova comunidade. Nada do que é humano foi anulado, mas integrado no horizonte do seguimento.

Cada um deles seguiu Jesus à sua maneira Por isso, Pedro e Paulo foram considerados como as colunas da Igreja. Eles são como duas referências permanentes para a comunidade dos(as) seguidores(as) de Jesus; são exemplo de fé cristã, no seguimento do Mestre de Nazaré. No final os dois rubricaram sua fidelidade entregando a própria vida como testemunhas de Jesus Cristo.

A Igreja, corpo de seguidores(as) de Jesus Cristo, plural e diversa em seus membros, também é chamada à comunhão na diversidade. Somos conscientes de viver a difícil alteridade no interior da mesma Igreja.

A fé cristã em Deus, que é uno e trino, aparece como o primeiro fundamento para acolher a diferença.

O modo original de ser e viver de Jesus também nos motiva a sair de nós mesmos para acolher o outro dife-rente como revelação de Deus, assumir a mudança e encontrar na Eucaristia, o sinal e a fonte da união.

A festa de hoje se apresenta como oportunidade privilegiada para aprofundar o sentido da “diferença” no interior da comunidade cristã e na convivência social. Estamos inseridos num contexto religioso e social carregado de muita intolerância e indiferença, onde prevalece o medo diante de quem é diferente.

 “A diferença é inerente à comunhão na Igreja. É um elemento da comunhão. A Igreja não é nem elimi-nação nem soma das ‘diferenças’, mas comunhão nas mesmas” (J.M Tillard).

Assim, ser cristão significa ser aberto, acolhedor da diferença, sensível à diversidade.

Afinal, somos humanos, seres em caminho, buscadores de sentido, buscadores da verdade e habitados pelo mesmo Deus, que atua em tudo e em todos.

O princípio de alteridade está fundado no princípio de identidade: podemos nos compreender apesar de sermos diferentes, porque todos somos seres criados e agraciados por Deus, chamados a ser habitados por uma verdade que está para além de uma ideia ou doutrina.

Esta é a vocação fundamental de todo ser humano: alimentar uma relação mútua em cada encontro. Todos trazemos dentro de nós ricas possibilidades que só podem ser colocadas em movimento quando alguém se encontra conosco e nos chama à vida, numa verdadeira relação. Somos relação, e nos fazemos ou des-faze-mos na relação.  Não há um “eu sem um tu” que nos complementa com a comunhão, que nos une na diferença; esse movimento desvela nossa própria originalidade, abrindo-nos ao desconhecido e à riqueza do outro. Tanto a comunhão como a diferença são espaços de crescimento mútuo.

A diversidade nos permite enriquecer-nos, adquirir mais humanismo. Diferença é expressão inerente ao ser humano, é modo de pensar, de dizer, de trabalhar, de existir e de conviver. A humanidade diferenciada torna-se mais dinâmica; o tesouro está precisamente em sua diversidade criadora. A humanidade é profun-damente diversificada em seus talentos, valores originais e em sua vitalidade.

Daí a importância de aprender a ver o melhor de cada pessoa e de cada povo, superando as visões estreitas e fundamentalistas de todo tipo de racismo, xenofobia, desprezo, preconceito, dominação…

Saber conviver com as diferenças é sinal de maturidade.

Cresce hoje a consciência sobre a diferença do ser humano como atração, e não como rejeição. A humanidade pós-moderna exige a diversidade de convivência sócio-cultural. Não podemos permanecer trancados em redutos que rejeitam as diferenças existenciais. A humanidade deixou de ser distante para tornar-se mais próxima, mediante as diferenças, os diálogos e as convergências. O mundo globalizado não pode ser apenas econômico. É chamado também a respeitar e a cultivar as diferenças entre as pessoas, as raças, as sociedades e as nações.

A diversidade racial, cultural, religiosa… supera a monotonia e oferece a criatividade de muitas formas. A harmonia fecunda entre as pessoas está na diversidade das diferenças, não na repetição mecânica.

O conformismo repete cópias, mas não facilita a união autêntica. Sem as diferenças entre pessoas, a sociedade seria apenas um marasmo. Por isso, as diferenças pluralistas são valores, não anomalias. Além disso, são sedutoras, não amedrontadoras. A diferença pessoal mantém certo fascínio.

A diversidade é uma forma de aproximação entre os seres humanos. E deve ser vista como estimulo, não como estorvo. A diferença do “outro” deve ser motivo para o encontro e para o enriquecimento mútuo.

Segundo o pensador E. Levinas é a diferença que gera alteridade. O outro é diversificado e não repetitivo. A visão da diferença mostra que cada ser pessoal é original. Massificar as pessoas é uma forma de silenciá-las e dominá-las.

Daí a importância e a urgência de aprender a valorizar o que é próprio e também o que é diferente, esforçando-nos para não transformar as diferenças normais (geográficas, culturais, de raça, de gênero…) em desigualdades. É preciso educar e preservar as diferenças humanas.

Deveríamos pensar mais sobre a importância das diferenças entre os seres humanos.  Deveríamos admirar as diferenças pessoais e grupais, e não lamentá-las. É necessário evitar tudo o que deforma as diferenças e desenvolver a verdadeira coexistência pessoal, social, científica, religiosa, ética. Deveríamos remover abusos e vícios que anulam a diferenças. Perverter a diferença é uma atitude que degrada a pessoa.

Valorizar o diferente e os diferentes implica tratar com cortesia, saber interagir, trabalhar juntos, respeitar…

Diferença não dispersa nem divide, mas provoca convergência crítica. Promove a unidade lúcida e criativa.

Por isso é valor a ser preservado e a ser desenvolvido, é potencial a ser explicitado.

A questão da «diferença cristã» não toca apenas à relação entre o cristianismo e o espaço não-cristão. O problema situa-se no interior mesmo do cristianismo. Viver como «comunidade» implica saber conjugar a diversidade na unidade. Assim, o cristianismo revela uma multiplicidade de textos, de ritos, de movimen-tos, de escolas de espiritualidade, de perspectivas teológicas; mas também de funções e vocações no interior da comunidade. A fidelidade, no cristianismo, passa por uma capacidade de integrar a diversidade.

Somos Igreja, Casa e Povo de Deus, que vive a acolhida positiva e respeitosa da diversidade de pessoas, carismas, ministérios, funções e expressões da fé. O reconhecimento desse pluralismo no interior da comunidade nos instiga a viver uma eclesiologia da comunhão.

Isso nos move a fazer a contínua passagem de uma Igreja que discrimina os que pensam diferentes, os diversos, os outros… a uma Igreja que respeita os que seguem sua própria consciência, as outras religiões, os ateus, as minorias excluídas…; uma Igreja de portas abertas, atenta aos novos sinais dos tempos, que abra caminhos novos em meio às diferenças, que saia às margens sociais e existenciais…; uma Igreja jovem e alegre, fermento na sociedade, com a alegria e a liberdade do Espírito, com luz e transparência…

Texto bíblicoMt 16,13-19

Na oração: Deus nos ciou “diferentes” e é na “diferença” que Ele vem ao nosso encontro como chance de enriquecimento vital e de intercâmbio criativo.

– Deixe-se surpreender pelo Deus da vida que rompe esquemas, crenças, legalismos, bolhas…;

– O que prevalece em você diante de quem pensa, sente e ama de maneira “diferente”? intolerância, sectarismo, preconceito, mixo-fobia (medo de se misturar), xenofobia (medo do estrangeiro);… ou acolhida, proximidade, convivência…?

Foto de Capa: Site CNBB.

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