Para além da produção agrícola e do leite, a base da produção no PA Primeiro do Sul é a produção de café. A produção de café no sul de Minas Gerais, próximo a São Paulo, evoca as fazendas cafeeiras que tiveram seu berço em São Paulo e foram alavancas do capitalismo agrário no Brasil. Produzia-se café basicamente para a exportação, porque o café era artigo de luxo. Os fazendeiros de meados do século XIX investiram na produção e na comercialização de café como instrumento de acumulação do capital. Não era alimento de subsistência como o feijão, o arroz e a mandioca. É o que José de Souza Martins, no livro O Cativeiro da Terra, recorda: “O café, na Europa e nos Estados Unidos, um artigo de sobremesa e foi historicamente um artigo de luxo. Luxo exibido pelo refinamento de bules e colheres de prata, bules e xícaras de porcelana finíssima, verdadeiras obras de arte. Foi a bebida da ostentação social e pública e do prazer da sociabilidade burguesa” (MARTINS, 2013, p. 157).
Entre várias outras peculiaridades, o sul de Minas Gerais se caracteriza por ser região cafeeira. As famílias camponesas do MST que ocuparam a fazenda Jatobá, que se tornou o PA Primeiro do Sul, vieram quase todas do trabalho assalariado nas fazendas de café da região. Culturalmente tinham a experiência e a tradição de plantar café. Por isso, já no primeiro ano, em 1997, várias famílias iniciaram o plantio de café. Mas somente após dois anos de plantio, o pé de café dá a primeira colheitinha. Sebastião Mélia complementa: “Apenas no terceiro ano, o café dá uma colheita que quita as dívidas que gastaram com ele e sobra um pouquinho.” Atualmente, a base econômica do PA Primeiro do Sul é a produção de café, representando 70% da produção do assentamento. Os outros 30% constituem-se de produção diversificada: milho, feijão, arroz, gado, hortaliças e pequenos animais. É o que informa Wadilsom Manoel, Sem Terra Assentado no PA Primeiro do Sul: “Aqui ninguém planta somente café. Eu, minha companheira e nossos dois filhos, por exemplo, plantamos 80% do lote em café, cerca de 30 mil pés de café, em oito hectares do nosso lote. Plantamos também 1.500 pés de eucalipto. Plantamos feijão no meio do café. No pasto, de forma consorciada, mexemos com gado e abelhas. Criamos peixes também. Nossa renda varia muito. O café produz uma boa safra em um ano e no ano seguinte só uma safrinha. Como diz o Tiãozinho, um ano o café faz o dono e no outro ele se refaz.”
Na cultura do café são feitos três cortes: o esqueletamento, o corte em cima e o corte embaixo para o pé de café se refazer. Os assentados fazem 70% do trabalho com auxílio de pequenas máquinas, mas a colheita ainda continua sendo quase toda manual. O cafezal precisa de muita chuva e está exigindo muito adubo químico e venenos. Segundo dados do IBGE, do Censo Agropecuário de 2017, divulgados em 26 de julho de 2018, o uso de agrotóxicos aumentou 21,2% nos últimos 11 anos no Brasil. A aplicação de agrotóxicos na agricultura do Brasil se elevou de 2,7 quilos por hectare em 2002 para 6,9 quilos por hectare em 2012, um aumento de 155% no período de dez anos. Segundo a Revista Problemas Brasileiros: “Não à toa, o Brasil continua a liderar o ranking mundial do consumo de agrotóxicos, indústria que movimenta mais de 2 bilhões de dólares ao ano. O povo brasileiro consome, em média, 7 litros per capita de veneno a cada ano, o que resulta em mais de 70 mil intoxicações agudas e crônicas em igual período, segundo dados do Dossiê da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO)”. Cerca de 64,1% dos produtos utilizados na agricultura em 2012 foram considerados pelos indicadores como perigosos e 27,7% muito perigosos. A Região Sudeste é a que teve a maior aplicação de agrotóxicos, com 8,8 quilos por hectare, em 2012. Os três estados que mais aplicam agrotóxico na produção agrícola são Goiás, Minas Gerais e São Paulo, sendo que este bateu o recorde de consumo proporcional com 10,5 quilos por hectare.[3]
O MST está animando os Sem Terra, no processo produtivo a migrar de “Ocupar, resistir e produzir” para “Ocupar, resistir e produzir de forma agroecológica”. A luta do MST no sul de Minas iniciou-se em 1996, época em que o MST entendia a luta pela terra e pela reforma agrária basicamente como a partilha e a socialização da terra. Já se discutia reforma agrária para além da democratização da terra, mas era ainda incipiente a discussão sobre a necessidade e a pertinência da produção agroecológica. Diante da terra concentrada em poucas mãos, o contexto era de fome e de miséria avassaladoras. O que predominava era o latifúndio. A reforma agrária era vista como política pública que viabilizaria a superação do latifúndio.
Atualmente o que predomina na agricultura brasileira é o agronegócio, com uso indiscriminado de agrotóxico, em monoculturas nos latifúndios e utilização de tecnologia de ponta quase toda ela não nacional. Diante desse novo cenário, a agroecologia para o MST, para a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a para a Via Campesina como um todo se tornou um paradigma necessário para a superação do agronegócio, principal inimigo dos Sem Terra na atualidade. Sílvio Neto, do MST, ao fazer resgate histórico, reflete: “Com o massacre de Eldorado dos Carajás foi revelado que o latifúndio é o grande mal. Desmascaramos a crueldade do latifúndio. O que eles fizeram? Colocaram o agronegócio. O MST tinha se tornado o novo ao desmascarar o latifúndio como o atrasado, o que mata e oprime. Mas o agronegócio, se beneficiando do avanço técnico e tecnológico, é introduzido como algo novo, divulgado aos quatro ventos como algo que vai elevar a balança comercial, que vai produzir alimentos para toda a população. Com a chegada do agronegócio nos anos 90 do século XX, o MST passa a ser considerado como atrasado ao insistir na socialização da terra. Nesse novo contexto de apropriação da terra e de produção agropecuária, o paradigma da agroecologia se torna necessário, não apenas porque o MST ama a natureza, mas porque se torna uma necessidade política para o MST tentar se colocar novamente como algo novo diante do agronegócio, que é algo mais atrasado do que o latifúndio antigo. Nós temos sido classificados como atrasados, mas sabemos que não somos. Mas a sociedade ainda não nos reconhece como o novo que produz alimentação saudável. A avalanche do agronegócio é muito poderosa.”
Com os retrocessos aos direitos sociais e ambientais que estão sendo impostos pelo Governo Bolsonaro fortalecer a luta pela produção de alimentos agroecológicos se torna mais necessário, pois, por meio do Ministério da Agricultura, comandado pela ruralista Tereza Cristina, foi liberado quarenta novos produtos comerciais com agrotóxicos que deverão chegar ao Brasil nos próximos dias. Alguns, já conhecidos pelos empresários do agronegócio, mas que passam agora a ser utilizados também em outras culturas, entre elas a de alimentos. Publicação no Diário Oficial da União de 10 de janeiro de 2019 traz o Registro de 28 agrotóxicos e princípios ativos liberados. Isso é marcha rumo à guerra química. Por isso, produzir alimentos saudáveis de forma agroecológica se tornou uma necessidade imperiosa e uma questão ética imprescindível.
Referências.
MARTINS, José de Souza. O Cativeiro da Terra. 9ª edição. São Paulo: Contexto, 2013.
Belo Horizonte, MG, 22/01/2019.
Obs.: Veja, abaixo, vídeo sobre a Feira da Agricultura Camponesa de Campo do Meio https://www.youtube.com/watch?v=hVkNPfKfn3g
[1] Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – www.mst.org.br
[2] Sigla que designa Projeto de Assentamento.
[3] Dados disponíveis em: https://www.agrolink.com.br/noticias/ibge–brasil-mais-do-que-dobra-uso-de-agrotoxicos-em-10-anos_220127.html
Foto de capa: Site Jornada Agroecológica