Segundo o evangelho de João, para demonstrar o amor que sente por seus discípulos e discípulas, Jesus faz gesto característico da mulher ou do escravo doméstico. Naquela sociedade, cabia à mulher lavar os pés de seu marido, quando ele chegava em casa. Nas casas mais ricas, o escravo doméstico, ou diácono, lava os pés de seu patrão. Neste gesto Jesus quer alertar para a importância do serviço comunitário como instrumento de comunhão fraterna entre as pessoas da comunidade. Ele diz: se eu que sou vosso mestre e senhor, lavei os pés de vocês, quanto mais vocês deverão lavar os pés uns dos outros. Ou seja, a eucaristia é antes de tudo serviço comunitário. O que reforça a comunhão entre os membros da comunidade é o serviço fraterno. Esta comunhão fraterna pedida por Jesus é simbolizada no pão partilhado durante a ceia. A partilha do pão simboliza a comunhão entre as pessoas que estão reunidas naquela Ceia. Jesus se identifica com este pão partilhado. Identifica-se também com o vinho distribuído durante a refeição. Pão e vinho que são, para nós, corpo e sangue de Jesus, sinais de vida plena. Jesus nos ensina que eucaristia é partilhar a própria vida colocando-a a serviço dos irmãos e irmã. Comungar do corpo e do sangue de Jesus deve reforçar os laços afetivos entre as pessoas que formam a comunidade.
Assim o momento do Lava Pés foi uma celebração de valorização das mulheres que construíram a história da Comunidade Santo Antônio e de toda sua caminhada de fé e serviço pastoral.
Na motivação do Evangelho, também foram lembradas todas as mulheres vítimas de feminicídio no ano de 2019.
O Brasil apresenta tristes números de violência de gênero. No que tange a violência doméstica e o feminicídio, os casos são rodeados de muita crueldade cometida pelo parceiro íntimo.
Segundo os dados do Mapa da Violência 2015 da Organização Flacso, o país ocupa o 5º lugar no ranking que mais mata mulheres no mundo. Dentro das relações interpessoais, a violência doméstica inclui as várias formas de agressão ou negligência que ocorrem no âmbito familiar, onde as mulheres principalmente as de cor negra continuam sendo as principais vítimas.
Quando a Comunidade se propõe em uma liturgia do Tríduo pascal, destacar o protagonismo das mulheres e denunciar todas as formas de violência, por elas vividas, é nesse momento que vemos o sentido da Vida de Jesus.
A seguir apresentamos uma reflexão a partir do Evangelho da Missa de Lava Pés, lida durante a celebração.
Partilha da Palavra – Significado social do lava-pés
- O gesto do lava-pés transforma as relações de domínio em relações de serviço;
- O lava-pés supera as rupturas e divisões, criando relações de aliança;
- Inverter o comportamento egoístico em atitude altruísta é fruto do lava-pés. O outro se torna amigo e irmão; os inimigos são acolhidos como amigos;
- O lava-pés coloca o outro de pé, levanta os caídos;
- Lavar os pés é encurtar distâncias, vencer diferenças, superar divisões, transformando inimigos em amigos;
- O lava-pés nos coloca aos pés das vítimas em atitude de serviço;
- Pela força do lava-pés, ninguém mais será espezinhado, chutado, pisado pelo poder, pelo domínio, pela vingança;
- O lava-pés nos faz caminhantes e peregrinos em direção ao irmão;
- Tem os pés sujos quem alimenta ódio, raiva, vingança no coração;
- É indigna a celebração eucarística num contexto de discórdia e divisão, numa situação de indiferença pelos pobres, porque não está na lógica do lava-pés;
- O lava-pés é o abraço de reconciliação; é o encontro de perdão; é o diálogo dos diferentes;
- Pelo lava-pés caem à discriminação, o racismo, a exclusão, a mentalidade de privilégios e de classes. É escola de igualdade;
- O lava-pés é acolhimento, hospitalidade e cura dos pés feridos, pela aceitação das próprias fraquezas e das dos outros;
- O lava-pés é uma inversão de critérios, pela qual o outro se torna o centro. O nome do lava-pés, hoje, é voluntariado, altruísmo, solidariedade, gratuidade;
- O lava-pés confirma: quem salva não é o poder, mas o amor;
- O lava-pés faz da Igreja “casa e escola de comunhão”, onde os pobres se sentem em casa;
- O lava-pés nos faz misericordiosos, compreensivos e samaritanos, com a coragem da solidariedade e uma nova roupagem para a caridade;
- Inclinando-se para lavar os pés dos discípulos, Jesus explica de forma inequívoca o sentido da Eucaristia. O amor fraterno é a prova da autenticidade das nossas celebrações eucarísticas;
- O lava-pés indica o poder da ternura e a fraqueza da violência. Ou vivemos todos como irmãos, ou morremos todos como loucos;
- Pelo lava-pés, percebemos que quem se inclina perante o próximo eleva-se diante de Deus. É superada a relação senhor/escravo pela relação de aliança e de igualdade;
- Enxergamos bem, lá onde estão nossos pés. É preciso ir ao povo, ser companheiro de viagem; os pés fazem a gente ver melhor. Compremos pares de sandálias e andemos ao encontro dos outros;
- Lava pés é despir-se do poder, revestir-se com o avental do servo e desamarrar as sandálias, colocando-se no lugar do outro. Assim fez o bom samaritano;
- O lava-pés é escola de relacionamento e acolhimento, atitude de confiança que supera competições, pretensões, invejas e arbítrios;
- Lava pés é desejar os desejos dos outros, querer o bem dos outros, interessar-se pelos interesses dos outros, sofrer a dor dos outros e ajudar a carregar seus fardos;
- Lava pés é libertar-se do narcisismo, da aparência, da presunção, das gratificações, para a gratuidade;
- Lava pés é esvaziamento de si e elevação do outro; é a satisfação pelo bem-estar alheio. A lógica do lava-pés é não prejudicar e saber alegrar-se com o sucesso dos outros;
- Lava pés é compaixão, tolerância e respeito pelo outro. Tratar os outros como tratamos nossos melhores amigos;
- Lava pés é descer de nosso pedestal e chegar até o chão, deixando que o pó e o barro nos revelem de que fomos feitos. “É preciso colocar-se abaixo do pó que os pés das pessoas pisam” (Gandhi);
- Quem vive o lava-pés poderá ser um mártir, nunca um algoz.
Fonte de dados: https://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2015/MapaViolencia_2015_mulheres.pdf