Ivo Lesbaupin
Não, não estou me referindo à ditadura civil-militar de 1964-1985, analisada em vários livros por Elio Gaspari, inclusive o que tem este título. Aqui trato da ditadura civil que estamos vivendo hoje em nosso país.
As pessoas podem duvidar se houve ou não golpe no impeachment da presidente Dilma Rousseff, mas não há a mínima dúvida de que estamos vivendo um Estado de Exceção, no qual o povo, os cidadãos, 99% da sociedade são totalmente ignorados e as políticas são decididas por menos de 1%. O Executivo, a maior parte do Legislativo e parte significativa do Poder Judiciário estão tomando decisões sobre o que fazer com o dinheiro público – isto é, com o dinheiro que foi recolhido de todos os cidadãos e cidadãs – sem consultar a sociedade. Em poucos meses, decidiram acabar com a legislação trabalhista que tem mais de 70 anos, suprimiram boa parte dos recursos da saúde e da educação públicas para os próximos 20 anos, reformaram o Ensino Médio, privatizaram várias empresas públicas, querem privatizar as empresas de saneamento, legalizaram a grilagem de terras, estão detonando a legislação ambiental, entregando os povos indígenas à violência do agronegócio e pretendem reformar o sistema público de previdência social.
Em palavras mais simples, desmontaram a Constituição Cidadã de 1988, nossa Lei Maior, discutida e elaborada no decorrer de dois anos com ampla participação da sociedade. O que temos hoje é outra constituição, anticidadã, não discutida pela sociedade nem mesmo pelos parlamentares que a aprovaram, decidida por um pequeno grupo de pessoas que representam a elite deste país, os mais ricos, a serviço unicamente de seus interesses. A maioria do Legislativo, que está votando e aprovando estas decisões, está sendo comprada com recursos públicos (“o meu, o seu, o nosso”) – a imprensa chega a divulgar o valor que está sendo utilizado para este fim – e é exatamente por isso que esta maioria não se dispõe a discutir o conteúdo da leis que lhe são enviadas para serem aprovadas.
A ideia da separação de poderes – Executivo, Legislativo, Judiciário – era para impedir a tirania: se a mesma pessoa, o mesmo grupo, detivesse ao mesmo tempo o poder de fazer leis, de julgar e de executar, estaríamos diante de um poder tirânico. A separação existe para que um poder controle o outro. No nosso caso, o Executivo compra o Legislativo (a maior parte) – com o nosso dinheiro -, e o Judiciário (a maior parte das instâncias de decisão deste poder) se omite ou aprova. A maioria do Supremo Tribunal Federal se expressa hoje, claramente, através da omissão. Quando se expressa positivamente é para aprovar o que está sendo feito (pelo Executivo e pela maioria do Legislativo).
Havia dúvidas sobre se as investigações sobre a corrupção iniciadas em 2014 pela operação Lava Jato eram um avanço republicano ou uma perseguição política. Seria republicano se as investigações atingissem a qualquer um, de qualquer partido, de qualquer coloração político-partidária. Esta operação desvelou esquemas de corrupção importantes no país, mostrou a vinculação entre empresas e governos, setor privado e partidos, e levou à denúncia de pessoas envolvidas, inclusive empresários de alto nível. Mas, em três anos de investigações, o único partido realmente atingido por esta operação, as únicas lideranças atingidas por esta operação, foi o PT. Houve até revelação e denúncias relativas a membros ou lideranças de outros partidos. Mas rapidamente desfeitas e esquecidas.
A grande mídia, parceira essencial desta investigação, dedicou-se sistematicamente a destruir carreiras políticas (e também a vida profissional) de alguns. Depois de algum tempo, revelou-se que algumas denúncias ou parte delas não eram verdadeiras. Mas o estrago já estava feito, já está feito. Dizer que temos liberdade de imprensa no Brasil de hoje é um escárnio: só quem tem liberdade de imprensa hoje são os grandes órgãos de comunicação, o povo não tem outra forma de expressão independente a não ser os meios disponíveis na rede. A grande mídia fala uma só voz, um só pensamento, uma única ideia, não há debate. Ou melhor, há uma série de debates, porém entre pessoas que pensam o mesmo; os que pensam diferente, a maioria, não são chamados, não são entrevistados, não são consultados, são ignorados.
Isto tudo ocorre sem que instâncias de controle da sociedade como o Judiciário, o STF, se pronuncie. Estamos vendo diante de nós situações semelhantes à que ocorreu anos atrás com a Escola Base, em São Paulo, onde a grande mídia em poucos dias acabou com uma instituição e com a carreira de pessoas. Tempos depois se revelou que a denúncia era falsa. Não dava, porém, para voltar atrás.
Por que as investigações sobre corrupção não se debruçam sobre a corrupção que está ocorrendo aos nossos olhos, nas nossas barbas, agora: a compra de votos de parlamentares? Estas votações, feitas desta forma fraudulenta, são válidas? Isto que está sendo usado não é propina? Não é suborno? Público?
O presidente ilegítimo, denunciado por um ato de corrupção que aconteceu este ano, 2017, depois de três anos de Lava Jato, segue governando e gastando nosso dinheiro para comprar parlamentares para votar leis contra nós, contra 99% da população. Isto é justo? Isto é democracia?
Enquanto isto, a operação continua mandando prender gente. Muito bem. Por que não mandam prender o presidente corrupto? E os parlamentares corrompidos? Faltam provas? Não há evidências?
Estamos em um Estado de Exceção, um Estado onde as leis estão sendo pisoteadas e os direitos dos cidadãos estão sendo massacrados. Aqui não há mais direito, há a lei do mais forte. Nenhuma lei votada após o impeachment tem qualquer valor se não for referendada pelos cidadãos: são leis impostas pelo poder tirânico.