“A través da REPAM é que nós conseguimos estar no território, porque REPAM e CEAMA são um conjunto”, afirma Dom Cláudio Hummes
Por Luis Miguel Modino

No dia 27 de outubro completou um ano da clausura da Assembleia Sinodal do Sínodo para a Amazônia. Na perspectiva do primeiro aniversário, a Rede Eclesial Pan-Amazônica – REPAM organizava um webinar para debater sobre os avanços e perspectivas do Sínodo para a Amazônia. No encontro virtual fizeram-se presentes o presidente da CEAMA, REPAM e relator geral do Sínodo para a Amazônia, Dom Cláudio Hummes, a indígena harakbut e auditora no sínodo, Yesica Patiachi, e o novo secretário executivo da REPAM, o irmão João Gutemberg Coelho Sampaio, que também foi auditor no último sínodo.

O Sínodo para a Amazônia foi algo muito especial, em palavras de Dom Cláudio Hummes, quem destacava que no sínodo fez possível concretizar o pedido de Aparecida, que os bispos de América Latina pudessem dar a conhecer a Amazônia para todo o mundo e fazer um plano pastoral de conjunto, um sonho muito interessante, mas nada fácil de fazer. O relator do Sínodo destaca como algo muito importante “a grande representação dos povos indígenas, vestidos a caráter, o que impressionou profundamente o Vaticano e a Europa”. Ele afirmava que era como se o rio Amazonas tivesse invadido o rio Tíber.

Seguindo o pedido Papa, para que “nós sonhemos juntos, vamos realizar o plano de pastoral, mas isso é todo um processo, que continua”, segundo o cardeal Hummes. Segundo ele, se sonha para além do Sínodo, e nesse sentido, destaca a importância da criação da Conferência Eclesial da Amazônia, que ao pedido do Papa Francisco, é eclesial, “com a presença do Povo de Deus e com um papel destacado dos povos indígenas”. A CEAMA tem sido criada por meios virtuais, tem aprovado o estatuto e sua constituição, e agora espera a aprovação canónica de Roma.

A falta de aprovação não está impedindo que o trabalho continue, “o Papa insistiu para não parar”, insiste Dom Cláudio. Ele afirmava a importância da primeira assembleia plenária da CEAMA, celebrada por meios virtuais nos dias 26 e 27 de outubro, a primeira vez que uma grande assembleia eclesial, contou com a participação de 250 pessoas, acontece por meios virtuais, com a possibilidade de trabalho em grupos, inclusive de votação secreta, algo que o cardeal brasileiro considera um avanço muito grande. Foi um momento que “reanimou os bispos, padres, missionários, comunidades, povos indígenas, todo mundo se sentiu de novo junto”, onde muita gente se expressou de viva voz e por escrito.

Estamos diante de um processo de mudança, que pode se prolongar por gerações, um processo de enculturação da fé, segundo Dom Cláudio Hummes, “é um processo continuo, que não vai parar, é um processo permanente”, que vai nos deparar muitas surpresas no futuro. Aos poucos a CEAMA, que terá sua sede no CELAM, em Bogotá, vai se estruturando.

Os povos indígenas experimentam uma forte conexão com o Papa Francisco. No caso do Harakbut, isto se intensificou depois que uma carta foi escrita a ele em 2017, de acordo com Yesica Patiachi. Ela nunca imaginou “que um Papa estaria interessado nos problemas da Amazônia, que estaria interessado nas injustiças sofridas pela Amazônia”, mas isso se tornou mais palpável durante sua visita a Puerto Maldonado, onde Patiachi foi encarregada de ler a mensagem dos povos indígenas para seu irmão Francisco, como os povos originários da Amazônia estão acostumados a chamá-lo.

Mas depois de ler Laudato Si, ela diz ter descoberto que “o Papa é como eu, porque ele compartilha um pensamento comigo, que a Amazônia está sendo destruída e temos que nos conectar com a natureza e não destruí-la”, algo que ela lhe disse, embora brevemente, durante a refeição que aconteceu entre Francisco e alguns indígenas em Puerto Maldonado. Tudo isso foi aprofundado no Sínodo, onde para ela a participação dos povos indígenas foi muito importante, entre os quais Yesica Patiachi foi auditora. Isto foi algo que, em sua opinião, causou surpresa, levando até mesmo alguns a perguntar como o Papa pode ser amigo de um indígena, algo que para ela a faz lembrar a presença de Deus em todos os lugares, nas periferias.

 

A auditora sinodal destaca o comportamento do Papa Francisco na assembleia sinodal, que ficou na fila do café, apertou as mãos, podia-se falar com ele sem nenhum protocolo. A participação dos povos indígenas no Sínodo trouxe à tona “a Amazônia com todas as suas cores”, diz Patiachi, que lembra as palavras do Papa diante das críticas de algumas pessoas pelo fato de que os indígenas estavam com suas penas na Basílica de São Pedro, ao que Francisco afirmou que não havia muita diferença entre o uso de penas e o tricorne de um cardeal. A indígena peruana enfatizou a importância de compartilhar o que temos em comum, de viver a interculturalidade, que “é ter o que é meu e aceitar o outro, para que possamos viver como irmãos, sem impor”.

Um elemento importante na Assembleia Sinodal foi a voz das mulheres indígenas, a quem “o Papa escutou porque falamos a partir de nossa experiência, não podíamos maquiar a realidade da Amazônia” diz Yesica Patiachi, que insiste na necessidade de falar a partir do coração, já que essa é a única maneira de ver a Amazônia. É por isso que ela enfatizou que “nós mulheres indígenas temos tido mais sensibilidade em transmitir a realidade da Amazônia. Estas são nossas experiências, daqueles de nós que vivem aqui, algo que não foi deixado em palavras, que foi retomado no Documento Final e na Querida Amazônia”.

Yesica insiste que “o Papa estava remando conosco e nos convidou a remar, vamos avançar se todos estes braços se unirem”. Ela agradeceu ao Cardeal Hummes suas palavras ao Papa Francisco logo após sua eleição, quando ele lhe disse para não esquecer os pobres, pois segundo a indígena Harakbut, o levou a cuidar da Amazônia, na verdade, ela o vê como o único líder mundial que se interessa pelos povos indígenas, que já não se sentem sozinhos, sabem que o Papa está com eles e querem remar com o Papa”. Apesar de saber que eles são esquecidos pelos Estados, especialmente nesta época de pandemia, “continuamos a lutar, já sobrevivemos a muitas epidemias e continuaremos a resistir, e que melhor do que ir de mãos dadas com a Igreja, que respeita as culturas”.

O novo secretário executivo da REPAM mostrava sua alegria por escutar a quem trabalha na organização da Igreja da Amazônia, com seus novos desafios e propostas, no caso de Dom Cláudio, e de quem fala da concreção da vida, dos povos, do cotidiano, que é o que faz Yesica Patiachi. O irmão João Gutemberg Coelho Sampaio destaca a importância que tem a atitude do Papa Francisco, “que quer envolver a todos ao pensamento da Casa Comum, na ótica do cuidado”. Junto com isso destaca que “as forças vivas da Igreja estão se unindo mais, fazendo sinergia em torno das grandes temáticas dos nossos povos, para que nossos povos vivam”.

Diante das mais de 33 mil vítimas em consequência da pandemia da Covid-19 na Pan-Amazônia, o irmão marista se preguntava “o que fazermos para superar as mortes pelas doenças, mas também por tantas outras formas de ataques aos povos e às culturas, sabendo que todos somos filhos e filhas de Deus”. Ele enumerava as muitas formas em que o Sínodo está sendo colocado em prática na Amazônia, relatando algumas experiências na Guiana Francesa, no Equador, das Caritas, das mulheres, das juventudes, insistindo na abertura à inculturação e a interculturalidade, que precisamos entender, como entender o outro como agente construtor do bem, a partir da própria cultura.

A REPAM, ela é parte integrante de todo o processo sinodal, afirmava Dom Cláudio, que a ver como o braço que tem a CEAMA para processar toda essa caminhada. Nesse sentido, “a REPAM vai continuar trabalhando mais ainda do que antes”, afirma seu ainda presidente, que vai entregar essa missão no próximo mês para a nova presidência, formada pelo cardeal Barreto, que será o presidente, e Dom Rafael Cob, que será o vice-presidente. O cardeal brasileiro insiste em que “a través da REPAM é que nós conseguimos estar no território, porque REPAM e CEAMA são um conjunto, não há como separar”.

Na pandemia, os cristãos redescobriram muitas maneiras novas de solidariedade, segundo o irmão João Gutemberg, que destaca que a comunhão virtual ganhou uma força enorme. Ele mostrava o trabalho que está sendo desenvolvido para pôr em prática as cerca de 170 propostas do Documento Final do Sínodo, onde devem se involucrar muitos atores. Para isso, é fundamental que seja assumido com responsabilidade de cada um e cada uma, segundo o secretário da REPAM, que vai discutir em novembro qual vai ser seu papel na aplicação do Sínodo. Tudo isso dentro das mudanças que estão sendo vividas na REPAM, que tem trasladado a sede da secretaria executiva a Manaus, sempre na vontade de cuidar da Amazônia, que cresce, mas também crescem os modelos predatórios.

A Igreja tem sido importante na vida de muitos povos indígenas, segundo Yesica Patiachi, que diz que tem havido sucessos e fracassos, incluindo o desejo da Igreja de impor, algo que hoje está sendo superado. Segundo a indígena Harakbut, “quando vou a sua casa tenho que respeitar o que você tem em sua casa, da mesma forma que o missionário deve vir, cada povo indígena tem sua própria visão de mundo, tem que haver interculturalidade, diálogo”. Ela insiste que “a maneira de ver o mundo dos povos indígenas tem que ser respeitada e temos que respeitar o que vem de fora”, insistindo que sempre temos algo em comum e a importância do perdão.

Se faz necessária uma conversão eclesial, segundo o cardeal Hummes, estar no meio do povo, ir descobrindo que há muitas formas de estar presente no meio do povo, não ficar naquilo que eu vivia na minha infância. Ele insiste em que os missionários se convertam para esta Igreja em saída, sair de casa, derrubar os muros e construir pontes, que o padre possa sair ao encontro do povo, caminhar com o povo, aprender a escutar mais do que falar, tentar construir respostas com as pessoas, sair para as periferias geográficas, onde está a pobreza e com os pobres evangelizar.

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