Ainda há brasas sob as cinzas: A Igreja das catacumbas sobrevive nos subterrâneos
Por Jorge Costadoat

A Igreja das catacumbas sobrevive nos subterrâneos. Ninguém a percebe. Não aparece na mídia. Pensaram que ela tinha desaparecido. Ela existe. Por cima temos cinzas. Mas ainda há muitas brasas em baixo.

Em toda a América Latina floresce a solidariedade nas CEBs. É a Igreja dos pobres do Vaticano II e da Teologia da Libertação. Durante dois mil anos os cristãos leram a parábola do Bom Samaritano (Lc 10,29-37). Aqui no Chile as comunidades foram reanimadas pela revolta social de outubro de 2019 e pela pandemia do COVID-19.

São mulheres que preparam as panelas comunitárias. Colocam seus aventais, luvas nas mãos, máscaras no rosto e toucas na cabeça. Cozinham ao longo da manhã para qualquer um que esteja com fome ao meio-dia. São homens que descascam batatas. Levam quentinhas aos contaminados. “Hoje é sopa de legumes”, anuncia uma freira pelo whatsapp. Ontem foi “arroz com frango”. “Amanhã teremos lentilhas”, me avisam. Trabalham por várias horas. Revezam-se em turnos.

De onde tiram dinheiro para tantos gastos? Em primeiro lugar de seus próprios bolsos. Os pobres ajudam os pobres. Nenhuma novidade! Mas também gente com recursos começam a contribuir generosamente. Uns colaboram com $1350 pesos (que dá para comprar um quilo de pão). Outros doam 200 mil pesos (dá 148 quilos!). Por volta das 17h30 começam a distribuir o pão-nosso-de-cada-dia: um quilo de pão por família. O pão chega quentinho, recém-saído do forno. As comunidades apoiam com gás para fazer a comida e querosene para aquecer os mais velhos. Se o dinheiro não é suficiente, vãos nas feiras pedir verduras aos feirantes.

Esta é a Igreja das catacumbas. Não fazem declarações de amor. Amam, e pronto! É uma Igreja de gente que não busca aplauso. Pouco se importam com a vida eterna. Suas dores são as dores dos outros. Suas alegrias são as alegrias dos demais. Arriscam suas vidas e as vidas de seus familiares. Se cuidam o suficiente. São heróis e heroínas que podem chegar a ser mártires. Moram nas catacumbas portando as velas da esperança.

Nas tarde de domingo, já às escuras, se reúnem para rezar. Se comunicam pelo Googlemeet através de seus celulares. Não têm missas porque lhes irrita ver um padre comer sozinho em casa. Não lhes falta o principal: recordar o Jesus que se entrega por completo a anunciar o Evangelho aos pobres. Não comungam com hóstias. Comungam com as mesmas palavras com que Jesus multiplicou os pães e os peixes. Rezam, se arrependem de seu egoísmo, pedem pelos doentes, recordam seus mortos, partilham seus cansaços, choram e organizam rifas para financiar o sepultamento de um amigo desconhecido morto pelo famoso vírus.

Onde está a Igreja? É o que pergunta muita gente. Isso poderia ser averiguado no site da Igreja no Chile. Em todas as dioceses têm, neste momento, valiosas iniciativas de generosidade. Paróquias, capelas, centros comunitários se organizam para fazer comidas ou fornecer cestas básicas. Casas de retiro de reorganizam como centros de saúde ou outras obras de caridade.

Mas, onde está a Igreja? É o que pergunta a gente simples, para se referir às autoridades eclesiásticas. Nada sabem estes cristãos, desinformados destas atividades ou os que se recordam da geração de bispos liderados pelo cardeal Silva Henriquez. Se hoje em dia o que acontece na realidade eclesial não aparece na mídia, cabe perguntar o que está acontecendo: é a mídia que está censurando os bispos ou são os bispos que estão evitando as câmeras?

Poderíamos pensar que se a Igreja está nas catacumbas, partilha seus bens, reza e canta como os primeiros cristãos, não temos com o que nos preocupar. O problema é que estes cristãos estão em espaços não conectados uns com os outros. Se ninguém os representa, nunca saberão o que os une. A representação da unidade é fundamental em todas as organizações sociais e políticas. As pessoas que pertencem a estas organizações necessitam ver suas autoridades, perceber que elas partilham de suas preocupações, que apoiam suas iniciativas e que lhes estão cuidando. Na Igreja chilena de hoje, os fiéis teriam que reconhecer o rosto e saber o nome de seus bispos e comprovar que são animados pelo mesmo Espírito e estão empenhados na mesma missão.

Publicado em Religion Digital.
Foto de capa: Diário da manhã.

 

 

 

 

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