“As mortes dos indígenas já são anunciadas, falta uma ação efetiva do governo para cuidar dos povos mais fragilizados”, afirma Dom Roque Paloschi
Por Luis Miguel Modino

A pandemia, como está acontecendo em todo o Brasil, também está atingindo os povos indígenas e comunidades tradicionais. Diante dessa realidade, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, dentro da Campanha “É tempo de cuidar”, organizava mais um encontro virtual, como vem acontecendo toda terça-feira, com o tema “Os Impactos da COVID-19 nas comunidades tradicionais”.

Mediados por Manuela de Castro, assessora de comunicação da CNBB, quem destacava que essas são populações vulneráveis, ainda mais numa crise como a que estamos vivendo, os convidados foram Dom Roque Paloschi, arcebispo de Porto Velho e Presidente do Conselho Indigenista Missionário – CIMI, José Jardel, da Coordenação Colegiada da Caritas Nordeste 3, e Risoneide Gomes da Silva, da Pastoral dos Pescadores de Bahia e Sergipe.

Segundo Dom Roque Paloschi, “o tempo de pandemia revela uma situação que é já conhecida desde sempre em relação à precariedade dos povos originários”. Ele insistia na difícil situação que esse povos estão vivendo, “essa pademia mostrou o caos que se vive na saúde, na questão das políticas públicas, de atenção aos povos amazônicos”. Uma situação que, segundo o presidente do CIMI, “se agrava cada vez mais, também nas periferias das cidades de médio e grande porte”. Ele relata que o atual, “é um cenário triste, porque nós não temos nada além da dor, diante da inércia do governo, sua conivência no desmonte dos direitos constitucionais, sobretudo em relação à invasão e depredação dos territórios”.

Diante disso, o arcebispo de Porto Velho, “reclama a presença e a ação efetiva do governo nas comunidades da Amazônia, ajudando para passar este tempo, evitando muitos contatos desnecessários, se tivesse uma política voltada para o atendimento das necessidades básicas”. Mesmo reconhecendo as “muitas iniciativas neste campo da solidariedade, mas são sinais pequenos diante da grande urgência”. Essa situação demanda políticas públicas, segundo Dom Roque, que vê fundamental a luta pela ampliação e fortificação do SUS.

Lembrando da comemoração dos 5 anos da Laudato Si´ e da semana do meio ambiente, o arcebispo insiste em que “temos um planeta doente e as doenças vão se proliferando cada vez mais”, o que segundo ele demanda a “necessidade de uma relação respeitosa e harmoniosa com a Criação”. Algo que não tem presente o governo brasileiro, “que tem como dever preservar aquilo que a Constituição diz”, pois, segundo Dom Roque, “está se passando o trator por cima de tudo”, denunciando que “em relação aos povos originários, não dá para deixar que passe a boiada, como foi dito pelo ministro de Meio Ambiente, é preciso lutar, porque os direitos, além de ser constitucionais, são direitos originários, naturais, de um povo que vive aqui há oito, dez, doze mil anos”.

Dom Roque destaca a luta do CIMI, da Igreja, que com o Sínodo assumiu esta aliança com os povos originários. Pegando o exemplo do que está acontecendo na terra yanomami, em Roraima, onde se calcula que há 20 mil garimpeiros ilegais, o arcebispo denuncia que “todas as terras indígenas estão sendo invadidas, depredadas, pelo garimpo, madereiros”. Ele afirma que “é uma vergonha nacional e internacional a omissão do estado brasileiro”. Um exemplo disso é a terra indígena karipuna, no município de Porto Velho, que segundo seu arcebispo, “os prédios do Ministério Público fazem sombra na terra indígena, mas está sendo ocupada, destruída e nada acontece”.

Essas realidades demandam “que as organizações indígenas e os aliados continuem denunciando em âmbito nacional e internacional essa prática de morte, de genocídio que está acontecendo aqui no país, todos com o aval, legitimados pela fala e pela postura do presidente da república”, insiste Dom Roque. Isso faz com que no CIMI, “ficamos de mãos amarradas, procuramos caminhar com as comunidades indígenas, não tutelar, procuramos que eles sejam sujeitos da sua própria história e construam o caminho”. Nesse ponto lembrava uma carta de Dom Aldo Moggiano, recentemente falecido, à idade de 100 anos, que sendo bispo de Roraima dizia: “os povos indígenas precisam construir o próprio caminho, porque nenhuma solução que vem de fora é salutar para o destino dos povos indígenas”.

“Nossa pátria está assistindo o desaparecimento dos nossos povos originários, algo que vêm desde a chegada dos primeiros colonizadores”, afirma Dom Roque. Mesmo assim, o arcebispo diz que “sonhamos com que é possível lutar para preservar a dignidade de todos os povos, de modo especial os primeiros habitantes desta Terra de Santa Cruz”. Ele lembrava as palavras do Papa Francisco na Laudato Si´, onde ele diz que o desaparecimento de uma espécie vegetal ou animal, é um empobrecimento para o mundo, para a Criação, e muito mais o desaparecimento de um povo, ou de povos, como nós temos assistido no Brasil.

Diante da morte de muitos anciãos indígenas em decorrência do coronavírus, o presidente do CIMI os define como “livros vivos dos povos, uma biblioteca do povo, e a morte desses guerreiros e guerreiras, é sinal de perda, de empobrecimento das tradições dos povos”. Dom Roque lembrava o encontro do Papa Francisco com os indígenas durante o Sínodo para a Amazônia. Naquele momento, uma senhora perguntou sobre como educar os filhos neste tempo em que a tecnologia chega em todos os cantos e recantos do mundo, e o Papa respondeu, lembrava Dom Roque, “contato com os avôs, contato com os anciãos, coloquem as crianças em contato com os anciãos”. É por isso que o arcebispo vê a perda deles como “empobrecimento dos povos, é uma lacuna que se abre”.

Sua preocupação aumenta pelo fato de que “é uma pena saber que essas mortes já são anunciadas, são já previstas, porque não se tem uma ação efetiva da parte do governo para cuidar dos povos mais fragilizados”. Por isso, ele destaca que “a solidariedade é importante, mas a questão se resolve com políticas públicas, que é por onde passa a justiça e o progresso”. O arcebispo, lembrando Populorum Progressio, enfatizava que “as pessoas não podem ficar dependendo só da solidariedade, elas precisam ser sujeitos de sua própria história e construir seu caminho”.

A realidade dos povos originários, principalmente na Amazônia, também atinge outras populações tradicionais. Nesse sentido, José Jardel, partindo da realidade dos quilombolas e ribeirinhos do Rio São Francisco, em Sergipe, falava sobre a situação difícil para comunidades que vem resistindo há séculos, cada vez com maior problema para sobreviver. Ele relatava que “a maioria vive da agricultura, de vender nas feiras livres, o que agora não é possível”, denunciando que “o governo é inimigo das comunidades tradicionais”. Muitas comunidades estão sendo invadidas por pessoas ditas donas do território, por aliados do poder público, segundo o membro da Coordenação Colegiada da Caritas Nordeste 3, relatando derrubada de cercas, de casas.

Frente a essa realidade, no tempo de pandemia que estamos vivendo, José Jardel destaca as “muitas mostras de solidariedade entre eles, de união para defender seus direitos e passar por este tempo”. Ele denuncia a falta de assistência do poder público, que recebeu recursos para isso. Ao mesmo tempo, afirma que “não podemos acompanhar fisicamente, mas percebemos que continuam resistentes e lutando por aquilo que é deles”. Isso faz com que ele espere “que tenhamos esperança e que firmes na nossa caminhada possamos continuar fazendo sempre mais, acreditando no Evangelho e buscando a verdade e a justiça”.

Uma situação semelhante à dos quilombolas se faz presente na vida dos pescadores, que também sofrem, diante do fechamento das feiras livres, a dificuldade de comercialização do pescado, como reconhece Risoneide Gomes da Silva, da Pastoral dos Pescadores de Bahia e Sergipe. Ela denuncia a falta de atendimento de saúde nas comunidades de pescadores, onde começa aparecer casos de contágio. Frente a isso, as comunidades estão tentando se organizar para vencer a pandemia. Dentre essa iniciativas relata a criação de um observatório para coletar dados e dar visibilidade a essa realidade dos pescadores, transformando-a em propostas de políticas públicas.

Diante das ameaças que sofrem as comunidades de pescadores, Risoneide destaca as iniciativas solidárias, na tentativa de buscar soluções entre elas e com outros. Por isso, “nesse tempo de pandemia, a solidariedade é muito importante, porque a gente sabe que tem comunidades que estão em situações de extrema vulnerabilidade”, enfatiza a representante da Pastoral dos Pescadores de Bahia e Sergipe.

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