O lançamento aconteceu no Dia Mundial da Luta Camponesa e no dia em que se faz memoria do Masacre de El Dorado dos Carajas, onde 24 anos atrás foram assassinados 21 trabalhadores sem-terra.
A apresentação virtual contou com a presença do coordenador nacional da CPT, Paulo César Moreira, a professora da Universidade Federal de Goiás (UFG), Maria Cristina Vidotte e o jornalista e colaborador da CPT, Antônio Canuto. Eles têm analisado os dados apresentandos em um livro de 252 páginas, onde diferentes analistas fazem um estudo da realidade do campo no Brasil e os conflitos cada vez mais presentes em torno a três questões: terra, água e trabalho. A apresentação tem acontecido em meio a uma pandemia que aumenta a vulnerabilidade diante do issolamento provocado pela pandemia, principalmente entre as comunidades tradicionais e os povos indígenas, o que se traduz em invasão dos seus territórios.
2019 é considerado pela CPT, como recolhe a apresentação do livro, como “ano de ascensão da violência e do ódio contra os pobres, os negros, as comunidades e o povo do campo, protagonizados por figuras públicas, dentre elas, principalmente, o presidente da república”. Isso precisa ser dado a conchecer, em palavras de Nancy Cardoso, pastora da Igreja metodista e agente da CPT.
Segundo ela, “é tarefa da pastoral fazer memória dos conflitos, não deixar que nenhuma história se perca, que os nomes das pessoas e lugares não sejam esquecidos. Nenhum conflito é pequeno demais, nenhum lugar é indiferente. Por isso fazer memória, documentar, publicar, socializar, é tarefa teológica e pastoral importante”. Junto com isso, a pastora afirma que “é tarefa pastoral também denunciar os violentos, nomear os governos, polícia, milícias, juízes, latifundiários e agiotas do agronegócio, da mineração, das barragens assassinas: Deus rejeita vocês, as ofertas de vocês não são aceitas!”.
Essas palavras de Nancy Cardoso eram por Antônio Canuto, que na apresentação dos dados, colocava como fatos em destaque em 2019, o rompimento da barragem em Brumadinho, os incêndios na Amazônia, o óleo nas praias do Nordeste, as agressões contra os povos indígenas, quilombolas e pessoal do campo. Tudo orquestrado desde o Planalto, que tem se tornado o foco das decisões contrárias aos interesses dos povos do campo.
Em 2019 aconteceram 1833 conflitos, o maior em 15 anos, com um aumento de 23% em referência ao 2018, o que representa 5 conflitos a cada dia, onde se envolveram 859.023 pessoas, a grande maioria, conflitos relacionados com a terra (1284), seguido da água (489), e o trabalho (90). Junto com isso, Canuto relatava o número de assasinatos (32), um 14% a mais, de tentativas (30), um 75% a mais, e de ameaças de morte (201), um 21% a mais. Junto com isso, ele relatava 116 despejos, mais 16% sobre 2018.
Segundo o colaborador da CPT, o impeachment contra Dilma Roussef, representou um forte aumento nos conflitos por terra nos últimos anos, os fazendeiros sentiram muito mais apoio e liberdade para agirem por conta própria, inclusive através do poder judiciário e da polícia.
O foco principal dos conflitos, como se constata no documento apresentado, está na Amazônia onde se concentram 60% dos conflitos por terra, 71% das famílias envolvidas, 51% das despejadas, 84% das famílias que sofreram invasão de suas terras ou casas, 84% dos assassinatos, 73% das tentativas de assassinato, e 79% dos ameaçados de morte.
O Caderno de Conflitos mostra que os indígenas são as grandes vítimas de 2019, representando 35% das famílias em conflitos por terra, 31% das famílias expulsas, 9% das despejadas, 67% daquelas que suas terras ou casas foram invadidas. Além disso dos 32 assassinatos, 9 são indígenas, das 30 tentativas de assassinato, 9 foram contra indígenas, e de 201 ameaças de morte, 39 envolvem indígenas.
Diante dessas ameaças contra os povos da Amazônia, Dom José Ionilton Lisboa de Oliveira, bispo de Prelazia de Itacoatiara e Vice-presidente da CPT, mostra sua grande preocupação, dado que é “onde se concentram os maiores números dos conflitos e da violência no campo em 2019”, insistindo em que “a situação na Amazônia legal se agravou”.
O Vice-presidente da CPT destaca um texto da jornalista Eliane Brum, que aparece no caderno, que “nos ajuda a entender a lógica de violência na Amazônia e as drásticas consequências sobre a vida do povo”. No texto da jornalista, diz que “as medidas que os diferentes governos foram tomando com o discurso de regularização fundiária na Amazônia, é na verdade uma legalização do crime e premiação dos criminosos. O grileiro, em breve já não precisará cooptar nenhum funcionário público, o crime vai se convertendo em Lei”.
Em 2019, aconteceu um grande aumento dos conflitos por água, uma realidade cada vez mais presente no Brasil e no mundo, onde a água está se tornando um bem de importância decisiva.
A chegada do novo governo, que recortou drasticamente os recursos e o número de fiscais destinados ao combate ao trabalho escravo, pode ser visto como uma das causas da diminuição num 40% do número de denúncias, pois são dados que não correspondem com o aumento em todos os outros itens. De fato o número de manifestações aumentou num 142%, passando a ser 1301, o que representa 3,5 por dia, o maior número já registrado pela CPT.
Os dados recolhidos no caderno, são uma prova segundo Paulo César Moreira de uma realidade marcada pela necropolítica, o gabinete do ódio, a legitimação da violência e as mentiras. Segundo ele, no Brasil está acontecendo uma hegemonia de forças conservadoras com carater neofascista, sendo 2019, um ano de deslegitimação total dos movimentos sociais, vítimas de perseguição policial e de milicias.
O coordenador da CPT defende o ano passado como momento de desmonte do aparato de segurança, ano de rompimento democrático e constitucional, promovendo os despejos para favorecer as empresas e o capital. Paulo Cesar Moreira define o momento atual como “a época da pós-humanidade, o ser humano não tem mais valor diante do lucro e da especulação”.
Diante disso, ele faz a proposta de “reforçar a necessidade da utopia, de uma outra sociedade, da soberania alimentar nos territórios. A pandemia mostra como o mercado é incapaz de resolver os problemas do mundo, o mercado está preocupado com o lucro e o consumo, o sistema está falido”.
Na apresentação também estava presente Maria Cristina Vidotte, da Universidade Federal de Goiás. Ela mostrou a realidade da violência contra a mulher, uma situação preocupante “num sistema patriarcal orientado pelo neoliberalismo”, marcado pelo colonialismo. Ela destaca a resistência camponesa como espaço político novo, como “nova esfera pública que desafia as verdades consolidadas a respeito do gênero, da raça, da propriedade da terra, do capital e permite aos seus sujeitos sair da invisibilidade e se expor por uma nova política”.
Segundo a professora, “o avanço das fronteiras agrícolas, a construção de geradoras de energia e estradas e o neoextrativismo, atendendo a interesses mercadológicos, têm agravado os conflitos e a desterritorialização dos povos tradicionais”. Ela fala de racismo ambiental, um contexto onde a mulher “é frequentemente a protagonista da luta e a exemplarmente punida”. No Brasil, o Estado não assume sua responsabilidade, mostrando “a apropriação do Estado pelos interesses privados e a ausência de responsabilização”, o que intensifica a “destruição da agricultura das famílias camponesas, das comunidades quilombolas, extrativistas, postas fora do âmbito político, como sujeitos cujos valores não são considerados de interesse geral e universal e, portanto, a face feminina violentada do patriarcado rural contemporâneo”.