CF 2024: Amizade Social como Graça Social, Inimizade Social como Pecado Social

A Campanha da Fraternidade “é o modo brasileiro de celebrar a Quaresma” (Texto-Base, 5). 

O tema da Campanha da Fraternidade 2024 – inspirada na Encíclica “Fratelli Tutti” do Papa Francisco – é: “Fraternidade e Amizade Social”; e o lema: “Vocês são todos e todas irmãos e irmãs” (cf. Mt 23,8).

O objetivo geral é: “DESPERTAR para o valor e a beleza da fraternidade humana, promovendo e fortalecendo os vínculos da amizade social, para que, em Jesus Cristo, a paz seja realidade entre todas as pessoas e povos”.

No “VER” (1ª parte), o Texto-Base da CF 2024 faz observações e reflexões que nos questionam a todos e todas, mas sempre no nível das relações pessoais e/ou conjunturais, nunca no nível das relações estruturais.  

Se fizermos – além da pessoal e conjuntural – uma análise estrutural clara, objetiva e profética da realidade do Brasil e do mundo – fundamentada nas ciências humanas e na reflexão filosófico-teológica libertadora – veremos que as relações sociais (socioeconômicas, sociopolíticas, socioecológicas, socioculturais e sociorreligiosas) ou estruturais capitalistas neoliberais ou ultraneoliberais são relações iníquas, injustas, desumanas, antiéticas, anticristãs e antifraternas: legalizadas, institucionalizadas e legitimadas com o uso deturpado da Religião ou do Evangelho.

Essas relações sociais ou estruturais são o Pecado social ou estrutural de nossa sociedade e de nossas Igrejas. Nelas, a amizade social, que é “o amor presente nas relações sociais” (Texto-Base, 17) ou estruturais, não existe.  Dizer que existe – é hipocrisia e enganação dos Pobres.

Nas relações sociais ou estruturais da nossa sociedade e das nossas Igrejas – hierárquicas e de classes – não existe verdadeira fraternidade ou irmandade: comunhão de irmãos e irmãs. A chamada comunhão hierárquica não é comunhão, mas submissão e subordinação. 

Se fôssemos – mesmo diferentes – realmente irmãos e irmãs, iguais em dignidade e valor, a nossa sociedade e as nossas Igrejas seriam outras!

Por exemplo: para sermos irmãos e irmãs de verdade, se – nesse momento – batesse na porta de nossa casa o Papa Francisco e um morador de Rua, deveríamos recebe-los do mesmo jeito, com o mesmo respeito e dando mais atenção ao morador de Rua, por se encontrar em situação de vulnerabilidade.

É o ideal do Evangelho, o ideal mais revolucionário que existe! Como estamos longe desse ideal!

No “ILUMINAR” (2ª parte), o Texto-Base da CF 2024 lembra-nos que “a fraternidade está no coração do Evangelho” e que devemos “ouvir o que o Espírito diz às Igrejas” (Texto-Base, 121 – 122).  

Será que na prática – e não só na teoria – estamos convencidos e convencidas disso e vivemos isso?

No “AGIR” (3ª parte), o Texto-Base da CF 2024 – nas “sugestões de ação para alargar o espaço da minha tenda pessoal”, “da nossa tenda comunitário-eclesial” e “da nossa tenda social” – apresenta uma série de ações válidas e necessárias, sobretudo em situações emergenciais, mas que não apontam o caminho para fazer acontecer uma mudança de estruturas na nossa sociedade e nas nossas Igrejas. 

As obras de misericórdia (que é o amor acontecendo) serão sempre necessárias, mas não devem servir para legitimar um “sistema económico iníquo” (Documento de Aparecida, 385).

Por fim – em comunhão com os ensinamentos do Papa Francisco, sobretudo nos 3 Encontros Mundiais dos Movimentos Populares – apresento uma proposta de ação em três campos de missão interligados, que aponta o caminho para fazer acontecer no Brasil e no mundo – na sociedade e nas Igrejas – a passagem da inimizade social como pecado social (situação de pecado) para a amizade social como graça social (situação de graça).

Eis a proposta:

  1. Viver radicalmente o “novo e – ao mesmo tempo – antigo jeito” de ser Igreja das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs: territoriais e ambientais), que é hoje o “jeito evangélico” de ser Igreja: o “jeito de ser” das primeiras Comunidades Cristãs, o “jeito de ser” de Jesus de Nazaré. 
  2. Participar ativamente das Pastorais Socioambientais (socioeconômicas, sociopolíticas, socioecológicas, socioculturais e sociorreligiosas) Populares: Pastoral da Terra, Pastoral Operária, Pastoral da Moradia, Pastoral do Migrante, Pastoral Carcerária, Pastoral do Povo da Rua e outras. 
  3. Estar totalmente comprometidos/as – em nome de nossa consciência cidadã e de nossa fé, e em comunhão com outros irmãos e irmãs – com a militância das Organizações Socioambientais Populares: Movimentos Populares, Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras, Partidos Políticos Populares, Comitês ou Fóruns de Direitos Humanos e de Cuidado para com a Irmã Mãe Terra Nossa Casa Comum, Comissões de Justiça e Paz, Coletivos de Mulheres, Entidades de Jovens Estudantes e Outras.

Todas essas Organizações lutam por mudanças não só pessoais e conjunturais, mas também e sobretudo estruturais.  Elas abrem um caminho novo, que faz acontecer – como Projeto alternativo – o Projeto de um Outro Brasil e de um Outro Mundo possíveis, que é o Projeto Socioambiental (socioeconômico, sociopolítico, socioecológico, sociocultural e sociorreligioso) Popular de Brasil e de Mundo (Projeto Comunitário, Projeto Socialista, no verdadeiro sentido da palavra): o Projeto de um Mundo Novo, onde seja possível de verdade a amizade social: o amor social. Mãos à obra! Boa Quaresma com Boa Campanha da Fraternidade!

Marcos Sassatelli, Frade dominicano, Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção – SP),

Professor aposentado de Filosofia da UFG – E-mail: mpsassatelli@uol.com.br – Goiânia, 12 de fevereiro de 2024

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